Capítulo 75
1923palavras
2023-02-08 10:22
- Do que você está falando? – Perguntei à minha mãe.
- Da forma como vocês dois se olham... Como se conhecessem um ao outro por uma vida inteira... – Ela acompanhou meu olhar para dentro do mar, junto de Charles e Melody.
- Eu não estou entendendo... Onde quer chegar. – Fiquei nervosa.

- Pode continuar fingindo que não me entende... Eu mesma fico na dúvida se entendo tudo às vezes. Sei que há pontas soltas para todos os lados... E todas levam à Melody.
A olhei, o rosto sereno, falando de um jeito meigo. Eu creio que já fui como ela um dia, antes de ser destroçada, ainda grávida, e jogada para fora de casa. Satisfeita com o que tinha e achando que era feliz porque usufruía do dinheiro de uma forma fútil e nada me faltava. Mal sabia que me faltava uma vida de verdade.
Hoje eu não me contentava com pouco. E não me referia à dinheiro. A nova Sabrina Rockfeller queria ser feliz, por inteiro. E esperou muito tempo por este dia. E não deixaria nada intervir no seu momento.
- Nesta parte tem razão: todos os pontos levam à Melody. – Confirmei.
- Não se preocupa com a proximidade dos dois?
- Melody e Charlie B.?

- Ou Charles e Mariane? – Ela arqueou a sobrancelha, sem me olhar.
- Bem, neste caso, não me preocupo com a proximidade de Charles e Melody. – Respondi, enquanto observava Charles sem largar a filha, com Mariane tentando participar do momento dos dois, ainda sem ser aceita.
Calissa suspirou:
- Espero que estejam todos vivos até o ano novo.

Eu ri e a abracei:
- Pelo menos os que merecem, não é mesmo?
Ela arregalou os olhos:
- Não brinque com isso.
- Pior que não estou brincando, mamãe. – Dei-lhe um beijo e voltei para minha cadeira, pondo meus óculos escuros e sentando de frente para o mar.
- Quando pretende ir para a J.R Recording? – J.R me perguntou.
- Assim que iniciarmos o novo ano. – Me limitei a responder, sem olhá-lo.
Eu realmente não queria conversar com meu pai. Preferia ficar calada, observando os dois amores da minha vida, enfim juntos... E a mulher que destruiu cinco anos da minha vida tentando fazer parte daquele momento ao qual não pertencia.
Eu sabia que a vingança, como sempre foi dito, era um prato que se comia frio. Acredito que mais de cinco anos foi tempo suficiente para esfriar o prato... Por isso rezava para ter coragem e não estragar tudo ao confrontar a minha irmã e jogar-lhe na cara todas as minhas acusações contra ela. Eu precisava de provas.
Não deixei Melody ficar muito tempo na água e a fiz sair, mesmo sob os protestos dela e Charles. Realmente achei que a água estava gelada para ela, que não era acostumada a banhos sequer de piscina. Foi uma criança criada dentro de casa e tendo o parque como único espaço ao ar livre.
O almoço foi tranquilo, dentro do possível. Melody, cansada demais do banho de mar, acabou dormindo antes de comer.
Assim que saímos da mesa, vi Guilherme entrando com Yuna pela porta da frente.
- Por que demoraram tanto? – Cobrei Yuna.
- O lugar era longe daqui... E o garoto é rápido. – Ela alegou.
- O que deu em você, Gui?
- O que deu em mim? Você dormiu com ele, porra! – Ele praticamente gritou.
Fui puxando-o pelo braço para fora da casa, temendo que ele abrisse a boca para todo mundo.
Levei-o até a piscina e fiquei de pé, enquanto ele seguia me encarando, o semblante de raiva.
- O que você está dizendo?
- Que você dormiu com Charles esta noite. Ou vai me dizer que não?
- Não... Não... – Tentei arrumar argumentos, mas não conseguia pensar em nada, temendo que ele tivesse visto o horário que Charles entrou e saiu meu quarto.
- Tudo isso é uma vingança contra sua irmã? E eu fiz parte desta palhaçada?
- Você pediu para vir junto...
- Não me passou pela cabeça que ele estaria aqui.
- E acha que passou pela minha? Eu procurei este homem por anos, entende?
- E sabe onde ele esteve?
- Você sabe? – Questionei.
- Preso.
Senti meu coração acelerar. Ele sabia a verdade. Restava saber quais das verdades ele sabia: a verdadeira, contada por Charles, ou outra, contada por qualquer pessoa que não sabia nada sobre “el cantante”.
Vi um carro saindo da garagem e tomando a estrada morro acima, sem me importar muito.
- Sim, eu sei. E por minha culpa. – Falei.
- Sua culpa? Foi você a garota que ele estuprou?
- Ele não estuprou ninguém, Gui.
- Como você consegue ser tão cega?
- Como você consegue ser tão frio? Eu o ouvi falar de você há anos atrás... E nós mal nos conhecíamos. Charles me contou sobre a luta para reaver sua guarda. Quando fui procurá-lo, dias depois, ele havia ido a Noriah Norte por conta de uma audiência... Ainda por você.
- Ele não é como você pensa.
- Não me faça pensar que é o garoto mimado que também julguei sem conhecer, há anos atrás... Como um rebelde sem causa, que gostava de chamar a atenção.
- Quem lhe disse isso?
- Boatos... Você não adora dar ouvidos a eles? Será que eu deveria fazer isso também?
- Ele ficou na cadeia...
- Injustamente.
- Não há diálogo com você.
- Gui...
Mariane abriu a porta e veio andando rapidamente na minha direção. Me fuzilou com os olhos castanhos enquanto empunhava o dedo indicador na minha direção:
- Charles foi embora... E tudo por sua culpa.
- Minha culpa? Como assim ele foi embora? – Fiquei confusa.
- Pegou meu carro, a mochila e se foi, sem sequer me avisar. Ele fugiu de você... E da cilada que armou para ele.
- Não me acuse com base no que você faz.
Guilherme riu:
- Típico dele: fugir quando se sente acuado. Vai continuar a defendê-lo? Ele a deixou, mais uma vez.
Guilherme balançou a cabeça e virou as costas, parecendo satisfeito com o que o pai havia feito. Ainda com a mochila nas costas, entrou pela porta principal, pelo visto decido a ficar desta vez.
- Ponha uma coisa na sua cabeça: eu gosto dele. – Mariane quase gritou.
- Assim como gostava de Colin? – ri debochadamente – Por que não ficou com meu noivo depois que lhe deixei os restos? Não é disso que você gosta?
- Sabemos que há uma grande diferença entre Colin e Charles.
- Sabemos? – Arqueei a sobrancelha.
- Você sabe que sim...
- Claro que sei... – me aproximei dela e olhei nos seus olhos – Charles daria a vida por mim... E não vai tocar num fio de cabelo seu, enquanto eu estiver por perto. E você sabe o motivo, não é mesmo?
Ela me olhou confusa.
- O motivo é que ele me ama... E sempre me amou.
- Fique longe do meu caminho. Eu sou louca por este homem... E capaz de qualquer coisa por ele.
“Inclusive colocá-lo injustamente na cadeia para depois soltá-lo e se fazer de salvadora?” Não, não tive coragem de dizer aquilo, porque ela saberia que eu e Charles havíamos nos falado e o passado tinha sido esclarecido.
Eu não tinha dúvidas de que ela estava envolvida até o pescoço na prisão de Charles. Só tinha que entender como e de que forma Mariane planejou tudo aquilo.
- É capaz de qualquer coisa por ele? – Enruguei a testa, saindo sem me importar com a indignação dela.
Voltei para dentro da casa e subi as escadas, indo para o meu quarto. Medy ainda dormia na cama, um soninho profundo.
Alguém bateu na porta. Era Yuna. Ela sentou-se na poltrona, de frente para a praia, mas do lado de dentro da porta que dava para a pequena sacada:
- O ar aqui é rarefeito. Me sinto presa... Como você consegue, Sabrina?
- Acho que vivi a vida inteira assim. E só agora me dei em conta do quanto a minha família “fede”.
- Eles deram folga para minha mãe, depois de anos... Creio que para afastá-la... De você, de mim... Não entendo.
- Também me pareceu que não queriam Min-ji por aqui.
- Sua irmã é uma pessoa horrível. Parece vilã de novela mexicana, que ri na sua frente e te esfaqueia por trás. Um ser humano que não demonstra qualquer tipo de sentimento... Nem com a pequena Medy.
- Medy a odeia.
- Eu a odeio. – Ela riu, balançando a cabeça.
- Eu também. – Comecei a rir, puxando uma cadeira e sentando ao lado dela.
- Estou com saudade da nossa casa. – Ela olhou para o mar.
- Se não fosse Charles, eu também estaria. Mas não tem noção de como me sinto com a presença dele... No entanto... Mariane acabou de dizer que ele simplesmente pegou suas coisas e foi embora. Do nada...
Ela fez um breve silêncio antes de dizer:
- Esta casa vai acabar conosco.
- Não tenho ideia do que houve... Ele nem me disse nada. Estava bem pela manhã, com Medy na praia... – Realmente fiquei confusa.
- O garoto é um problema. Esqueça tudo que eu disse um dia sobre esquecer Charles e dar uma chance a outra pessoa. Definitivamente, esta pessoa não podia ser ele.
- Falaram sobre algo?
- Ele é cabeça dura... Imaturo.
- Pois então... Há dias atrás eu o achava maduro para a idade. Agora parece um garoto mimado que tampa os ouvidos enquanto cantarola para não ouvir o que não é do seu agrado. Nem Medy nunca agiu assim.
- Você, como professora de Matemática, já pensou em qual a probabilidade, em números, de encontrar o filho do amor da sua vida e se envolver com ele? Quantos somos no mundo, atualmente? E em Noriah Norte? – ela olhou para mim – Você é a definição de “azarada”.
- Talvez Gui não apareceu para mim como um relacionamento... E sim como a possibilidade de trazê-lo a Charles, para um possível entendimento entre os dois. Eu não vou desistir disso, Yuna. Ambos merecem. Eu sei o quanto Melody é importante para mim. E farei o possível para que Guilherme saiba o que é ter um pai que o ama... E Charles possa dar um abraço no filho, enfim, com o perdão que tanto deseja. Este homem foi injustiçado a vida inteira... Lhe tiraram tudo. E ele nunca desistiu.
- Merece Medy... E o bebê que você vai lhe dar. – Ela sorriu.
- Yuna, talvez eu fiquei mais tempo por aqui. Preciso descobrir o que houve de verdade com ele... E quem é culpado. Quero entrar com processo pedindo minha herança, antes que a J.R Recording peça falência. E antes disso, entrar na empresa e saber o que houve com a potência que era aquele lugar.
Meu celular bipou e abri a mensagem:
CHARLES: Caso esteja pensando que a abandonei, não é verdade. Fui resolver umas questões e antes do jantar estarei de volta. Amo você, Medy e nosso possível bebê.
Sorri sozinha.
- O que houve? – Yuna perguntou.
- Ele não foi embora... – Falei, balançando o celular.
- Hum, ele tem seu número? Quanta evolução neste relacionamento que até pouco tempo atrás achei que fosse coisa da sua cabeça. – Ela pôs as pernas para cima da cadeira, jogando os cabelos sedosos para trás.