Capítulo 74
2136palavras
2023-02-08 10:21
Charles olhou para Melody, ainda adormecida:
- Durma bem, meu amor... – Deu um beijo na bochecha dela.
Ele foi em direção à porta. Enlacei meus braços em seu pescoço e o beijei:
- Amo você, “el cantante”.
- Reze para eu conseguir me mante firme e forte ao lado da sua irmã... Sabendo que você está tão próxima de mim... – Me apertou contra si.
- Ela é muito dissimulada. Precisamos ter cuidado com ela.
- Eu sei... – ele me deu outro beijo – Amo você, “garotinha”.
Abri a porta e fiquei olhando-o até que ele entrasse no quarto da frente. Eu não tinha certeza se estava agindo certo. Mas precisava de tempo para entender melhor o que acontecia de fato com aquela família, da qual um dia fiz parte.
Desci para o café com Melody em torno das nove horas. Estavam todos na sala esperando por nós.
Nos encaminhávamos para a sala de jantar quando perguntei:
- Alguém viu Guilherme?
Todos negaram.
- Eu... Vou ver onde ele está. – Pensei em subir ao quarto dele, mas Yuna me segurou.
- Eu vou, Sabrina. Vá indo para o café... Medy deve estar com fome.
Enquanto ela subia, peguei Melody no colo.
- Quer vir comigo? – Charles abriu os braços e ela sorriu, jogando-se nele.
Melody ia conversando no colo do pai, interagindo com os avós ao mesmo tempo. Ela conseguia sempre todas as atenções para si. Minha menina prodígio, doce, inteligente e cativante.
- Acho que posso ficar com ciúmes da minha sobrinha. – Mariane observou, falando baixo para que ninguém, a não ser eu, a escutasse.
- Creio que sim. – Provoquei.
- Espero que não tenha contado a verdade a ele.
- Sobre você ser uma vagabunda e querer tudo que é meu?
- Não, sobre a pestinha inconveniente que é a sua filha.
Parei e a olhei:
- Você é ridícula...
- Não quero que conte a ele.
- Você não manda em mim.
- Eu vou contar... Do meu jeito.
- De que adianta? Depois eu contarei do meu. E ele vai acreditar em mim.
- Sabrina, eu não estou brincando. Não se meta com Charles.
- Meu Deus, você é doente. Melody é filha dele. Sabe que ele vai descobrir a verdade, mais cedo ou mais tarde.
- Eu conto.
Yuna desceu as escadas rapidamente:
- Gui não está no quarto... Ele sumiu... E levou seus pertences.
- Como assim?
- Eu acho que ele foi embora.
- Mas... Quando? Eu não o vi sair... E fiquei praticamente a noite inteira acordada.
- Com licença, senhorita Rockfeller, mas eu vi o rapaz sair... Deve fazer uns quarenta minutos. – Disse uma das empregadas.
- Quarenta minutos? – fiquei aturdida – Onde ele chegaria em quarenta minutos? – Perguntei para minha mãe.
- Há um ponto de táxi a uns quarenta minutos daqui... Andando... Lá tem um vilarejo.
- Eu vou atrás dele. Não posso deixá-lo sair daqui assim... – Me preocupei.
Estava saindo na porta quando Charles me pegou pelo braço:
- Não.
- Charles, ele não pode sair assim...
- Pode sim. É perigoso você ir atrás dele.
- Então pegue o carro... E tente encontrá-lo.
- Ele não vai deixar você aqui... Eu sei disto. Está querendo chamar sua atenção.
- Mas... E se não for? E se acontecer algo com ele? Eu o trouxe para cá... Sou responsável por ele.
- Charles é o pai do garoto. Se ele disse que não é preciso ir atrás dele, não vá. – J.R falou, seriamente.
- Por favor... Não vá... – Charles pediu novamente.
Olhei para a mão dele, ainda segurando meu braço. Vagarosamente ele soltou-me.
- Gui vai voltar... É Natal. – Melody disse tranquilamente, enquanto sentava no sofá.
Charles mal o conhecia. Não tinha como ter certeza de que ele voltaria. Me preocupei. Eu era responsável pelo rapaz. Gui tinha vindo para me ajudar e no fim tudo que fiz foi magoá-lo, mesmo sem querer. Senti-me culpada e com o coração apertado.
- Eu vou atrás dele. – Yuna disse, pegando o celular na mão.
- Não... Não é sua responsabilidade.
- Nem sua, amiga. Ele já tem dezoito anos, esqueceu?
- Posso ir com você, tia Yuna? – Melody pediu.
- Não mesmo... Você vai tomar seu café e depois aproveitar seu primeiro banho de mar.
Ela foi para a porta. Antes que saísse, falei:
- Tem certeza? Você nem comeu...
- Comi uma fruta mais cedo. Vou dar uma corrida e aproveito para saber onde ele se meteu. Charles tem razão... O garoto está tentando chamar a atenção.
Suspirei, chateada.
Todos foram de volta para a sala de jantar, pouco se importando com Guilherme, inclusive o próprio pai dele.
- Que droga! Não quero que ele sofra.
- Deveria ter pensado nisso antes.
- Eu sou uma idiota.
- Por se envolver com o garoto, sim. Por perder seu emprego por conta dele, sim. Por fingir que não está dormindo com Charles, sendo que está na cara de vocês que estão transando, sim.
- Quer saber? Você deveria transar também. Talvez não fosse tão ranzinza.
- Não me envolva nas suas “putisses”.
- O que eu fiz pra você?
- Pra mim? Nada. Mas você só faz “merdas”... Pra você mesma.
Yuna saiu, fechando a porta. Sentei à mesa, mas perdi o apetite. Realmente estava preocupada com Guilherme. Ele havia brigado com a mãe e a avó por minha causa. Estava num lugar que mal conhecia, num país diferente. Sim, eu era responsável por ele.
Só fingi comer. Melody, por sua vez, não só comia, mas bebia chocolate quente quase em litro e falava sem parar um minuto.
J.R, Calissa e Charles não tinham olhos para mais nada a não ser a pequena. Mariane, por sua vez, tentava disputar a atenção com ela.
Em torno de 10:30 minutos descemos para a praia. O guarda-sol já estava montado com as cadeiras confortáveis sob ele. Nem parecia que houve tempestade no dia anterior. O sol estava forte, embora encoberto por nuvens em alguns momentos, o que dava uma sensação de alívio.
O mar estava mais calmo e as ondas fracas. A água clara e límpida. Melody vestiu seu biquíni branco de corações. Recebeu dos avós um conjunto para brincar na areia, composto de baldinho, pazinhas e moldes em formato de animais aquáticos. Andava na areia como se fosse a dona de tudo. E era... Inclusive do coração de todos os presentes.
Assim que nos aproximamos do mar, ela tentou correr. A segurei, rindo:
- Espera aí, docinho. Primeiro vamos reforçar o protetor e pôr um boné nesta cabeça. O sol está forte.
- Mas... Eu quero ir...
- O mar não vai fugir, não se preocupe... – Peguei-a no colo, sentando na cadeira enquanto passava o creme branco pelo seu corpo.
- Charlie B., você percebeu que o meu biquíni é de corações? – ela perguntou ao pai – E não são imaginários... São de verdade. – Riu, os dentinhos brancos perfeitos e pequeninos enfeitando a boquinha também em forma de coração.
- Eu percebi sim... E você está linda! – Ele se aproximou dela, abaixando-se para ficar na sua altura.
- Vai ser a primeira vez que vou tomar banho de mar. – Ela avisou.
- Hum... Acho que isso vai ser inesquecível.
- Vai sim. – Afirmou, enquanto colocava uns óculos escuros vermelho, em formato de coração.
Assim que acabei de passar o protetor, pela segunda vez, já pensando em passar a terceira, com medo de ela queimar a pele sensível, orientei:
- Vamos só molhar os pés.
- Mas, mamãe... – Ela começou a reclamar.
Peguei a mão dela e corremos em direção à água. Estava um pouco gelada. Molhamos os pés e ela tentou ir mais para dentro do mar.
- Nem pensar... A água está gelada.
Melody lambeu a mão.
- O que é isso, menina? – Comecei a rir.
- Mamãe, a água é mesmo salgada.
- Como eu expliquei...
- E como os peixes vivem, se ela é salgada? Falando em peixes, será que Do-Yoon está cuidando do Solitário II? Acha que se tivesse acontecido algo com ele, já saberíamos? Posso ir no fundo, ver se eu encontro um peixe? E se houver tubarões? E se...
Charles a pegou no colo, retirando-a da minha mão, enquanto andava com ela para dentro do mar. Via as perninhas balançando de felicidade enquanto ela segurava-se no pescoço do pai.
- A água está gelada... – Falei alto, para que ele me ouvisse.
- É o primeiro dia dela no mar... Não pode deixa-la só molhar os pés... – Ele falou, virando o rosto para mim, já com água pela cintura.
- Venha, mamãe... – Melody gritou, me chamando com a mãozinha.
Olhei para as cadeiras, vazias. Calissa estava vindo na nossa direção. J.R mais adiante, de pé, óculos escuros, observando tudo ao seu redor. Eu sabia que ele era esperto o bastante para perceber que nem tudo estava certo por ali.
Mariane, por sua vez, incerta sobre entrar na água fria ou ficar longe de Charles, vendo-o desmanchar-se de amor pela filha.
Comecei a correr em direção a Charles e Melody, tentando pelo menos um tempinho só nós três, antes que alguém atrapalhasse nosso momento.
A água realmente estava gelada. Mas fui firme no meu propósito de alcançá-los. Andei até a água chegar na altura dos meus seios, onde ele se banhava com Melody no colo.
- Olha quem chegou... Uma mamãe linda... – Falou baixinho no ouvido dela, fazendo questão que eu ouvisse.
- Uma mamãe linda e um papai lindo... – Ela sorriu, puxando-me em direção a eles, com um braço em cada um de nós, ficando no meio.
- Pelo menos uma coisa eu fiz com ela a primeira vez... – Ele sorriu, feliz.
- Quando vamos poder contar a todos que somos uma família? – Melody perguntou.
- Logo... Mamãe promete.
- Logo mesmo? – Ele perguntou.
- Mamãe sempre disse que a gente não deve mentir... Mas ela está mentindo. – A menina alegou.
- Não estamos mentindo... Estamos omitindo. É diferente.
- Quanta maturidade, meu amor – ele beijou Melody – Que orgulho de você! – olhou-me – E da forma como mamãe a criou.
- Assim você derrete meu pobre e fraco coração, Charlie B. – Comecei a rir.
- Bonito seu biquíni. – Ele observou.
- Obrigada.
- Mas ainda preferia o vermelho... Que comprei no supermercado. – Gargalhou.
- Era horrível. – Me rendi à risada gostosa dele.
- O que era horrível? – Ouvimos Mariane próxima de nós, tremendo de frio.
Ficamos em silêncio. Ok, momento família interrompido.
- Podem continuar... Finjam que não estou aqui...
- Mas você está... – Melody falou, a olhando de forma brava.
Ela alcançou Charles e Melody e abraçou-se a ele:
- Estou com frio, amor.
- Simples: saia da água. – Ele disse secamente.
- Charles, você está de muito mau humor desde que chegou nesta praia. Relaxa, esta noite é Natal.
Ele não disse nada e percebi que ficou desconfortável com a presença dela.
- Sobre o que conversavam? – Ela perguntou novamente, curiosa.
- Estávamos falando sobre coisas horríveis. – Melody respondeu.
- E quais são as coisas horríveis?
- Eu acho você horrível. – Melody falou de forma direta.
Oh, Deus! Eu estava para ver o momento que Melody pegaria minha irmã pelos cabelos com ciúmes do pai. Confesso que eu já quase estava chegando neste ponto também.
- Definitivamente, você não gosta de mim, não é mesmo? – ela olhou para Melody – E eu nem fiz nada para você. No entanto, é melhor ir se acostumando.
- Por que devo ir me acostumando? – A menina perguntou, desafiando-a.
Sim, ela mesma quase confessou que Charles era o pai da minha filha.
- Charles, querido, que acha de levarmos Melody para conhecer o seu apartamento novo? Eu aposto que ela vai adorar. Sabia que tem uma lareira? E Charles tem um gato. – Ela me olhou, provocante.
Melody olhou para o pai e disse:
- Mamãe não sabe cuidar de animais. Não tem medo de ela matar o seu gatinho de fome?
- Como assim? – ele me olhou – O que sua mamãe aprontou com os seus animais?
Sorri e me retirei, sabendo que ela contaria sobre como matei uma tartaruga no sol, um hamster de fome e fui testemunha do assassinato de um peixe beta.
Eu não precisava me preocupar. Nem ficar com ciúmes. Melody era melhor do que eu no quesito acabar com a vagabunda da Mariane.
Assim que cheguei na areia, ouvi minha mãe perguntando:
- Guilherme deixou seu pescoço assim? Ou foi o mesmo homem que lhe marcou com chupões há cinco anos atrás?