Capítulo 68
2276palavras
2023-02-08 10:18
- Precisamos? – Me fiz de desentendida.
- Você sabe que sim. – Ele foi sério.
- Quer... Entrar no quarto que lhe pertence e termos nossa conversa aqui? – Debochei, não conseguindo me conter.

- Melhor não... Melody pode nos escutar.
- O que tem para me falar que minha filha não pode escutar? Pretende me falar palavrões? Algo que me ofenda... Ou ofenda à ela? Ou quem sabe alguma coisa relativa ao pai dela?
- Sabrina, não torne as coisas mais difíceis. Estou tentando fazer tudo dar certo.
- Jura?
- Sabrina, eu fico com ela, não se preocupe. – Yuna me tranquilizou.
Me vi fechando a porta e o seguindo pelo corredor estreito e pouco iluminado em função da fraca luz natural da rua.

Entramos na pequena sala que tinha no andar superior e ele fechou a porta. Em anos, quase nada tinha mudado naquela casa. E aquele lugar, particularmente, tinha cheiro de coisa antiga e ambiente por muito tempo fechado.
Os sofás brancos, depois de tanto tempo, tinham uma coloração mais para bege. Eram antiquados e fora de moda. Várias coisas naquela casa me levavam a crer que realmente meu pai estava falindo, quebrando o nome Rockfeller e destruindo nossa herança.
Sentei-me, sem me preocupar muito com o que ele tinha para dizer. J.R sentou no sofá de frente para mim. O que nos separava era um espaço de pouco mais de dois metros, com uma mesa de centro em madeira escura ao meio, coberta de pó.
- Por que não trouxe Min-ji para cá? – Perguntei.

- Achei que seria bom ela descansar nas festas de final de ano.
- Nunca fez isso antes. Por que agora?
- Ela merecia. E nunca é tarde para mudarmos os pensamentos.
- Mas você sabia que eu viria...
- Achei que ela pudesse preferir ficar com os filhos. Eu não tinha como saber que você traria junto a filha dela.
Encarei-o e fui direta:
- O que você quer?
- Minha filha... Eu... Sinto muito pelo que aconteceu no passado.
- E eu sinto muito que tenha se arrependido tão tarde.
- Não foi tão tarde... Foram só cinco anos.
- Só? Não... Não foram “só” cinco anos. Foram longos cinco anos.
- Que para você não foram tão ruins. Sabrina cresceu e amadureceu. – Sorriu, sem que eu conseguisse identificar se era em tom de deboche ou não.
- E você não foi responsável por isso. Deste amadurecimento “obrigatório”, aos dezoito anos, com uma criança na barriga, nasceu uma mulher que não tolera qualquer coisa. E não perdoa facilmente. Porque ela teve que crescer sozinha.
- Filha...
- Não me chame de filha, por favor. Hoje eu tenho uma filha e sei sobre sentimentos. E entenda jamais seria capaz de fazer para Melody o que você fez comigo.
- Foi para o seu bem.
- Foi? Tirá-la da convivência com o pai foi para o meu bem? Querer que minha filha fosse abortada foi para o bem? O seu? O meu? O dela? De quem, afinal?
Ele respirou fundo:
- Sinto muito.
- Eu também... Por tudo que você me causou.
- E trouxe aquele garoto para que?
- Aquele garoto? Bem, vejamos... Aquele garoto é o meu namorado.
- Quantos anos ele tem? Por favor, me diga que é de maior.
- Quem sabe pergunta para ele? Eu não lhe devo satisfações sobre a minha vida... Nem quem eu namoro, deixo de namorar, me envolvo, faço sexo... Enfim...
- Eu sei... Mas... Não precisava trazer o garoto junto.
- Posso partir se preferir. Eu, Gui e Medy.
- Não! – quase gritou – Não chega a tanto.
- Gui não lhe agrada... E o namorado de Mariane? Ele lhe agrada? – Arqueei a sobrancelha, esperando pela resposta.
- Não estamos aqui para falar sobre Mariane e Charles.
- Claro que não... – Eu ri, com escárnio.
- Sabrina, eu só quero ficar de bem com você. E estou disposto a qualquer coisa para isso. Não desejo perder a convivência com Melody. A menina é... Simplesmente encantadora.
Tentei pensar rápido, mesmo tendo sido pega de surpresa com aquela conversa.
- Eu soube que os negócios não vão bem.
- Isso faz parte de qualquer empresa. Logo nos reergueremos e tudo ficará bem novamente. Melody terá a parte dela dos Rockfeller.
- “Eu” tenho parte disto, antes de Melody.
- Não... Entendi.
- Mariane está trabalhando na J.R Recording?
- Sim... Está tomando conta de tudo, praticamente.
- Eu não esperava que fosse de outra forma. Você a criou com este propósito: ser sua sucessora.
- Não... Aconteceu de forma natural.
- Sim, sei. Afinal, o que quer de mim?
- Vai ficar até o ano novo?
- Não tenho certeza. – Se mantiver Charles aqui, talvez eu fique pela vida toda; pensei.
- E depois?
- Depois?
Eu nem sabia o que faria depois. Já não tinha emprego e não poderia ser professora em Noriah Sul por uns bons anos, pois certamente a notícia do que eu tinha feito com Guilherme na sala de aula, já tinha se espalhado. E eu não sabia fazer nada bem que não fosse na área das Exatas.
Era injusto Mariane cuidar do nosso patrimônio falido enquanto eu voltaria do zero, lutando pela sobrevivência. Se a J.R Recording fazia minha família sobreviver do pouco lucro dela, eu queria a divisão.
- Depois... Eu estou pensando em ficar por Noriah Norte. Arranjar um trabalho por aqui.
- Como... Professora? – Ele franziu o nariz.
- Não tenho certeza. Mas posso lhe dar uma certeza... Estou pensando seriamente em pedir minha parte na J.R Rockfeller.
- Como assim?
- Judicialmente. Andei conversando com Colin a respeito. – Menti.
- Colin... Colin Monaghan? – Ele empalideceu.
- Sim, meu ex... Aquele que você tanto amava... Que dormiu com Mariane às vésperas do casamento, lembra-se?
- Sim... Está falando de Colin mesmo...
- Sim.
- Mas... Por que entrar com pedido judicialmente? Pode fazer isso, Sabrina. A empresa também é sua.
- Mas para mim havia ficado claro que se eu tivesse Melody, perdia a minha parte da herança. Claro que com o tempo descobri que isso não era possível, afinal, é minha por direito e suas simples palavras proferidas num momento de raiva não contam de nada.
- Tem todo direito de trabalhar na empresa.
- Quero a área financeira.
Ele arqueou a sobrancelha:
- A área financeira?
- É nisso que me formei... Tenho habilitação para o mercado financeiro tanto quanto dar aulas no Ensino Fundamental e Médio.
- Seria... Ótimo.
Não tive certeza se ele realmente se agradou ou falou da boca para fora.
- Combinado então. Quando iniciar o ano, vou trabalhar na J.R Recording. Se gostar, seguirei por lá. Caso contrário, vou querer minha parte... E não em imóveis. Em dinheiro... Tenho uma filha para criar.
- Guardamos algumas propriedades para vocês... Independente do que vir a acontecer com a J.R Recording no futuro, a parte de você, sua irmã e Melody estará garantida.
- Como eu disse, a minha parte não quero em propriedades e isso certamente faria parte do meu pedido ao juiz. E já que as propriedades estão divididas entre eu e minha irmã, tenho parte também na empresa. Ou seria só Mariane que ficaria com esta parte?
- Não... Claro que não.
- Ótimo.
- E... Você pode voltar a morar conosco.
- Não.
- Mas... Não há motivos para morar em outro lugar. Aquela casa é enorme.
- Mariane ainda mora lá? – Fiquei curiosa.
- Sim.
- E... O namorado dela... Pretende morar lá também... Depois do casamento?
- Eu não sei.
- Vou procurar um lugar para mim, Melody e Gui. – Fiz questão de enfatizar o nome do garoto, sabendo que ele não havia gostado do meu envolvimento com ele.
No fim, Guilherme estava certo. Ele se desagradaria imediatamente pelo meu namoro.
- O menino vai morar com vocês?
- Sim... Já praticamente mora.
- Mas... Ele trabalha? A família dele tem posses?
- Não tenho autorização para falar sobre a vida pessoal dele. Se quiser, pergunte-lhe diretamente.
- Eu tentei conversar com ele... Enquanto procurava por você e Medy. Mas... Ele é simplesmente imaturo e eu não consegui manter um assunto com ele por mais de três minutos.
Levantei e disse:
- Talvez com o pai de Melody não tivesse sido tão ruim. Mas você deu o veredito antes de conhecê-lo, não é mesmo? Agora vai ficar com o que lhe ofereço. E caso não goste, sinto muito, mas não verá mais a minha filha.
- Não... Pode fazer qualquer coisa, menos me tirar o direito de ver a menina.
- Sim, eu posso lhe tirar este direito. Melody é uma menina inteligente. O que acha que ela vai pensar de você quando eu explicar que o avô queria que eu a tirasse quando ainda estava na minha barriga, colocando-a numa lata de lixo?
- Você não seria capaz.
- Eu seria...
A porta se abriu. Era minha mãe:
- O almoço está servido. – Ela olhou para um e depois para outro, parecendo tensa.
Acompanhei-a, deixando meu pai pensar o que quisesse. No fim, a conversa tinha sido proveitosa. E acabei pondo em prática um plano que já começava a engatilhar outras situações que seriam a meu favor.
Hora de dar o troco. Na mesma moeda, claro.
A mesa estava posta com vários pratos e talheres, ocupando quase todo o espaço disponível. Não sei se alguma vez houve tantos lugares ocupados para um evento “em família” entre os Rockfeller.
- Você já chamou Yuna? – Perguntei.
- Sim... Ela já está vindo. Melody dormiu antes do almoço. – Ela lamentou.
Esperei até que todos chegassem: meu pai logo depois de nós. Yuna seguida de Guilherme, que estava com os cabelos molhados e outra roupa, certamente vindo do banho. E por último, Charles e Mariane, que desceram as escadas sem pressa.
Sentamos em nossos lugares.
- Onde está Melody? – Charles perguntou, olhando na minha direção.
- Ela está dormindo – Yuna respondeu por mim – Cansada... Do banho de chuva.
Enquanto nossos pratos eram servidos pelos empregados, Mariane comentou:
- Por que ela fugiu daquele jeito?
- Ela não fugiu... Queria tomar banho de chuva. – Guilherme respondeu por mim.
- Não me pareceu... Afinal, saiu correndo, sem que ninguém a visse.
- O que acha que ela foi fazer, “amor”? – Charles lhe perguntou, o “amor” soando de forma estranha.
- Talvez Melody seja um pouco mimada... – Ela levantou os ombros, enquanto comia uma garfada da comida.
Nem cheguei a tocar a comida. A encarei, apontando o garfo na sua direção, sem perceber:
- Você não conhece minha filha. – Não consegui evitar a rispidez nas palavras.
- Eu... Não quis ofender, Sabrina.
- Não se preocupe, meu amor. Creio que sua irmã não tenha feito por mal, assim como quando dormiu com seu noivo, há cinco anos atrás. – Guilherme pegou minha mão.
Charles derrubou o garfo no prato, o som estridente fazendo todos olharmos na direção dele.
- Isso não diz respeito a você, garoto. – Mariane olhou-o seriamente.
- Não vamos tocar neste assunto... Isso está resolvido já. – Meu pai proferiu.
- Está? – Perguntei.
- Não vou aceitar isso. – Mariane levantou, furiosa.
- Mariane, sente-se! – J.R ordenou, num grito.
Ela engoliu em seco, obedecendo. Melody parou na ponta da mesa, nos observando.
Imediatamente os ânimos acalmaram. Minha menina trazia luz e paz. J.R logo tratou de mudar o tom de voz:
- Tem um lugar esperando por você, querida. E pode escolher o que vai querer comer. – Ele avisou, apontando para o lugar vago à mesa.
- Eu quero sentar com a mamãe. – Ela disse, vindo na minha direção.
Empurrei levemente a cadeira para trás e a acolhi no meu colo. Ainda estava sonolenta.
- Quer comer algo?
- Não estou com fome. – Ela alegou.
- Mas precisa comer um pouco... Só uma garfada, pelo menos. Se não gostar, prometo não insistir.
- Eu quero água.
Entreguei o copo com água para ela, que bebeu dois goles e pôs ao seu lado, sobre a mesa.
- Se ela não está com fome não insista, Sabrina. Depois providenciamos algo se ela quiser. – Yuna disse, arrancando um sorrisinho cansado dela.
- Você parece minha mamãe... – Melody olhou para Mariane.
- Sim... Talvez porque sejamos irmãs. – Mariane sorriu.
- Pode ser... Você parece minha mamãe, só que velha.
Ah, Deus, me diga que Melody vai acabar com minha irmã sem eu mover um dedo! Seria muito bom.
Depois de um breve silêncio, Mariane se defendeu:
- Eu sou alguns anos mais velha do que ela. Nasci primeiro. Quando você tiver um irmãozinho ou irmãzinha, também será assim. Terá sempre aparência de mais velha que ele ou ela.
- Entendi... – ela balançou a cabeça – Eu não sei quando meu papai e minha mamãe terão outro bebê.
Novamente silêncio total. Deus, agora sim meu coração começou a querer saltar do meu peito, de tão forte que batia.
Charles me olhou e percebi que estava nervoso.
- Pergunte à Guilherme e sua mãe quando pretendem ter um bebê. – Mariane sorriu.
Eu e Guilherme nos olhamos.
- Ela disse o papai e a mamãe dela. Pra mim ficou claro. – Charles enunciou.
Melody pôs o braço na mesa com força e o copo de água virou sobre Guilherme, que levantou imediatamente.
Ele a olhou, confuso. Melody arqueou a sobrancelha, com os olhos verdes brilhantes, tentando piscar, daquele jeito que nos deixava completamente derretidos:
- Desculpe, Gui...