Capítulo 69
2311palavras
2023-02-08 10:19
Guilherme olhou para a roupa molhada:
- Tudo bem Medy... Eu vou me trocar.
Ele saiu e Melody sentou-se no lugar dele:
- Quero comida, mamãe.
Um dos empregados retirou o prato de Guilherme e serviu outro para Melody.
- Pode dar na minha boca, mamãe? – Ela pediu.
- Claro, meu docinho.
Ela não costumava fazer aquilo. Pelo contrário, era muito independente. Parecia estar querendo chamar a atenção. Assim como ocupar o lugar de Guilherme à mesa.
Dei uma garfada de comida na boca dela, que falou, diretamente para Mariane:
- Você parece algumas das minhas Barbies.
Minha irmã a encarou, arqueando a sobrancelha:
- Devo dizer obrigada?
- De nada... Parece aquelas que estão mais velhas e os cabelos viraram emaranhados que é impossível pentear. A mamãe não deixa eu jogá-las fora. O problema é que os Ken’s não querem namorar com elas.
O olhar de Mariane foi de raiva, desdém. Mas não disse nada. Engoliu em seco.
O clima ficou tenso, mas ninguém foi capaz de chamar a atenção de Melody, incertos se ela fazia de propósito ou inocência. Mas eu sabia que era de propósito. E não, ela não sabia sobre Mariane ter feito o que fez no passado. Tudo era por ciúme do pai. Independente de quem fosse a mulher ao lado de Charles, passaria pela mesma situação.
- Você é bonito. – Melody olhou para o pai, dizendo seriamente.
- Obrigado... Mas você é a coisa mais linda que já vi em toda a minha vida. – Ele se derreteu.
- Por causa dos meus olhos?
- Também pelos seus olhos... E todo o resto. – Sorriu, encantado.
- Ela é sua namorada? – Questionou.
- Sim. – Mariane respondeu por Charles.
- Vocês não combinam... Nenhum pouco. Porque o Ken combina com...
Ela levantou-se e gritou:
- Chega! – Estava com a face ruborizada
Levantei também, encarando-a:
- Não fale assim com a minha filha.
Melody começou a chorar. Charles pegou a mão de Mariane e a puxou de volta, para que sentasse à mesa novamente:
- Ela é uma criança!
- Para mim está claro que está tentando me provocar...
- Tentando provocar? – J.R arqueou a sobrancelha – Quantos anos você tem mesmo, Mariane? Nunca foi criança?
- A menina é um amor... Como pode fazer isso? – Calissa veio até nós, tentando pegar Melody, que se recusou a ir com ela.
Charles levantou-se e jogou seu guardanapo sobre o prato, abrindo os braços e pegando a filha por cima da mesa. Limpou suas lágrimas e olhou para Mariane:
- Precisa se desculpar com ela. Não tem direito de gritar assim com Melody.
- O quê? Isso é uma brincadeira, não é mesmo?
- Ela tem cinco anos – Yuna lembrou – Para ela tudo aqui é novidade, a começar pelo mar, que ela nunca viu. Está numa fase de aprendizado constante. E de desafiar limites das mais diferentes formas. Os adultos precisam ter muita paciência nesta fase da criança, onde elas realmente falam muito. Acho que você foi até privilegiada, pois ela não metralhou-a com os “porquês” frequentes. É normal ela demonstrar sentimentos e sensações interessantes e inerentes à ela, como necessidade de chamar a atenção dos adultos, especialmente num ambiente onde mal conhece as pessoas. Ela externa o que pensa. E só para ter certeza, quantos anos você tem mesmo?
- Isso é complô? – Mariane perguntou, incrédula.
- Desculpe-se com Medy, para que ela pare de chorar. – Charles disse seriamente.
Levantei e alisei o rosto de Melody, sabendo que tudo não passava de encenação, talvez exceto a parte do choro, por Mariane ter falado com ela de forma ríspida, o que minha filha não estava acostumada. A intenção dela era acabar com a suposta namorada do pai. Eu conhecia Medy o suficiente para saber que ela esperou cinco anos por Charles e não deixaria ninguém o tomar dela.
- Me desculpe. – Mariane falou, sem olhar nos olhos de Melody.
- Você desculpa ela, docinho? – Perguntei, levantando seu queixo na minha direção, enquanto limpava suas lágrimas.
Melody sorriu e disse, já sem lágrimas:
- Sim.
Abraçou-se a Charles e ficou ali, no colo dele, com a cabeça deitada em seu ombro.
Talvez eu não estivesse sendo justa com os dois. O amor entre eles foi tão instantâneo quanto o meu e de Charles.
Vimos Guilherme descer as escadas, com a mochila nas costas. Olhei para ele e perguntei:
- Gui... O que você está fazendo?
Ele me olhou e saiu, sem dar explicações.
Olhei para Charles e imaginei que ele controlaria a situação com Melody. Além do mais, tinha Yuna por ali, que sabia tudo sobre a minha filha.
Saí correndo atrás dele quando ouvi o som da porta se fechando. Não era justo deixá-lo ir quando tudo que ele fez o tempo todo foi tentar me ajudar.
Consegui alcançá-lo quando estava no último degrau, puxando sua mão, fazendo-o parar:
- Onde você pensa que vai, Gui?
- Vou embora. Não tem lugar para mim aqui e você sabe muito bem disto. Até Melody está jogando contra mim.
- Seja tolerante... Por favor.
- Tolerante? Mais do que já estou sendo? Acha que é fácil olhar para o homem que me abandonou a vida inteira, no mesmo ambiente que eu? Detalhe: ele é o pai da filha da minha namorada. Isso é demais para mim.
- Gui, dê uma chance a Charles. Você precisa ouvir a versão dele. Não pode acreditar em sua mãe e avó a vida inteira.
- Elas estavam lá comigo... A vida inteira. Ele nunca se importou. E certamente fará o mesmo com você. Quando enjoar, irá embora e deixará Medy, assim como fez comigo um dia.
- Kelly não estava com você. Ela foi embora quando você ainda era uma criança e precisava dela em tempo integral, deixando a responsabilidade com Charles. Ele fez o que era possível...
Soltei a mão de Guilherme, deixando os braços caírem ao longo do corpo, cansada de tentar convencê-lo de algo que ele não queria ouvir ou nem ao menos tentar saber como realmente tinha acontecido.
- Eu amo você, Sabrina.
Senti um frio na barriga e uma dor dentro de mim. Eu gostava de Guilherme e estava magoando-o e fazendo-o sofrer. E essa nunca foi minha intenção. Novamente o destino brincava comigo, quando pôs o filho de “el cantante” no meu caminho. E talvez exatamente este “detalhe” que tenha feito eu me interessar por ele.
- Gui, não sabe o quanto eu sinto por tudo que está acontecendo – toquei o rosto dele, encarando os olhos cor de mel. Percebi que ele era mais parecido com a avó do que com Kelly e Charles, embora o sorriso fosse exatamente como o do pai – Não queria magoá-lo. Mas nunca lhe menti sobre meus sentimentos pelo pai de Melody. Só tivemos o azar de... Ele ser o seu pai.
- Melody já sabe que somos irmãos?
- Não... Acho que não se deu em conta, mesmo sendo esperta. Porque isso é meio surreal: eu, você, Charles, Medy... E minha família.
- Medy virou a água de propósito em mim. Queria que eu saísse da mesa. Ela me vê como o oponente do pai, assim em Mariane a sua rival.
- Não... Ela não teria feito isso de propósito com você.
- Medy nunca virou nada à mesa, Sabrina. E sempre comeu sozinha. Decidiu comer no seu colo, como um bebê, e virar a água ao mesmo tempo? Sabemos que ela é esperta demais para isso.
- Perdoe ela, se foi de caso pensado. Ela tem cinco anos.
- Eu amo Medy também... Ainda mais sabendo que ela é minha irmã.
- Gui, você é um garoto maravilhoso. A mulher que conquistar seu coração, será uma sortuda.
- Meu coração pertence a você, Sabrina. Não tem lugar para outra pessoa nele.
- Não torne tudo mais difícil para mim.
- Até quando vocês dois vão fingir que não se conhecem? Está muito claro... Tão cristalino quanto água...
- Gui, volte, por favor. Eu estou pedindo, do fundo do meu coração.
- Como seu namorado?
O olhei, sem dizer nada.
- Ele está namorando a sua irmã vagabunda. Você sequer transou comigo por causa dele. Acha que ele foi fiel desta forma à você ou a sua lembrança? Acha que ele não comeu a sua irmã?
- Não, não acho que ele não tenha comido ela. Sei que isso aconteceu. Assim como também sei que se eu tivesse tido outra pessoa ao longo deste tempo, Charles não me recriminaria. Ele não me pediu que me guardasse unicamente para ele. Nem foi planejado por mim isso... Aconteceu, simplesmente aconteceu. Me dediquei à minha filha e esqueci de mim. Então você apareceu...
- E você se interessou por mim... – ele balançou a cabeça, aturdido – Tente ao menos me dar uma chance, porra! Durma comigo.
O olhei, perplexa:
- Acha mesmo que as coisas funcionam assim? Quer provar que é melhor de cama do que o seu pai, é isso?
- Eu sou melhor do que ele.
- Gui, eu estou... – Parei imediatamente.
Estive a um passo de contar-lhe que eu estava grávida e que ele teria outro irmão ou irmã. Mas me contive. Seria pior. Guilherme partiria sem pensar duas vezes e sequer entenderia como aquilo foi acontecer. Na verdade, nem eu tinha certeza.
- Fique... Ao menos até o Natal. – Implorei.
- Não posso...
- Seria seu primeiro Natal com seu pai... E sua irmã. Você mesmo disse que sua avó dorme sempre às 22 horas. Então deve ter passado a maioria dos Natais com desconhecidos. Somos a sua família... De verdade. E por mais que cometamos mil erros, gostamos de você... Eu, seu pai, Melody.
Ele passou por mim e foi andando até o mar. Fui atrás dele, parando ao seu lado. O vento estava forte, jogando meus cabelos para trás.
As ondas estavam bravias, certamente em função da tempestade que caiu anteriormente.
- Você já trata vocês três como uma família... – Ele disse, olhando para o nada.
- E você é parte desta família... E sabe disto.
- Onde tem Charles não há espaço para mim, Sabrina. Eu entrei na justiça para tirar o sobrenome dele do meu nome. Entende o quanto eu não gosto dele?
- Será que não está sendo injusto e escolhendo o lado errado, Gui?
- Minha avó nunca foi o lado errado.
- Talvez ele tenha como lhe explicar tudo que realmente aconteceu.
Ele me olhou seriamente:
- Você sempre vai defendê-lo, não é mesmo?
- O que exatamente você e sua mãe querem dele, judicialmente?
- Quero parte da grana dele.
- Mas você não precisa.
- Talvez ele também não precise de tanto. E não me importo de dividir com Melody tudo.
- Bem, a decisão é sua sobre isso. Mas a de ficar para o Natal... Realmente eu queria fazê-lo mudar de ideia.
Ele sorriu e me empurrou levemente com o próprio corpo, suspirando:
- Ok, o que uma noite a mais fará de diferença, não é mesmo? Lembrando que “uma noite é uma noite”.
Não entendi a parte do “uma noite é uma noite”, mas também não quis perguntar. Afinal, o fato de ele ficar já me deixava contente.
- Vamos voltar, então?
- Vamos. – Ele pegou minha mão e refizemos o caminho de volta.
Claro que o almoço já tinha acabado. E eu não imaginei que fosse diferente. Havia muita tensão, mentira e ressentimentos de anos naquele pouco espaço. Creio que Yuna era a única que não fazia parte do círculo de verdades e mentiras.
Vi Melody no colo de Charles, ainda aconchegada a ele, quase dormindo. Mariane sentada no sofá, observando-os, certamente com a raiva aumentando dentro de si. Eu tinha certeza de que ela sabia que Charles era o pai de Melody. Era impossível esquecer o que eu havia lhe dito, quase seis anos atrás: “Eu sou a garotinha”. Ela sabia da música, do vídeo e que ele procurava alguém. Confessei a ela que a pessoa era eu. E o tempo não teria apagado aquilo, porque não era uma simples informação. Eu estava sendo posta para fora de casa naquele mesmo momento, em função da gravidez e do pai da criança.
Fui até eles e disse:
- Medy, vamos para o quarto com a mamãe?
Ela me olhou, o rosto avermelhado de ficar no ombro dele.
- Eu posso tomar banho de mar?
- Não... Melhor não. Tem vento e as ondas fortes. Vamos esperar para amanhã. A mamãe quer que você tenha uma boa primeira experiência com a praia.
Ela me deu os braços e peguei-a. Minhas mãos e as de Charles se tocaram enquanto a trocávamos de colo e senti um frio na barriga.
Comecei a subir as escadas e Guilherme me acompanhou.
Quando cheguei na porta disse:
- Acho que vou dormir um pouco. Estou cansada. Se não fizer isso, não sei se aguento até a noite.
- Vou fazer isso também. Nos vemos no jantar. – Ele deu um beijo no meu rosto.
- Medy, queremos Gui no jantar conosco, não é mesmo?
Ela olhou para Guilherme e sorriu:
- Sim...
- Você jogou água de propósito no Gui? – Perguntei.
Ela pôs a mão no rosto, fechando os olhinhos e comprimindo a boca. Não tive dúvidas de que Guilherme estava certo: foi de propósito.
- Por que fez isso, Medy? – Ele perguntou.
Ela abriu os olhos e disse:
- Eu não disse que foi de propósito.
- Você é complicada, menininha. – Ele fez cócegas na barriga dela, que começou a gargalhar.
- Acho que deve pedir desculpas para o Gui, pois ele sempre foi bem legal com você... Até lhe deu um hamster.
- Desculpe, Gui... – Ela tentou piscar, fazendo-nos rir.