Capítulo 67
2494palavras
2023-02-08 10:18
- Charles, nós precisamos ir. – Falei, levantando.
- Não dá para ficarmos só mais um pouquinho? – Ele me olhou, ainda no chão com nossa filha.
- Não queremos levantar suspeitas, não é mesmo?
- Não? Eu já nem sei... Só de pensar que tenho que fingir que vocês duas não são tudo para mim, já fico puto.
- Charles, por Deus! – Quase gritei.
Ele pôs imediatamente a mão na boca e olhou para Melody:
- Puto quer dizer... Alérgico a água do mar.
Ela começou a rir, balançando a cabeça divertidamente:
- Não quer dizer isso não...
- Caramba, minha filha, o que quer dizer então?
- Eu acho que você deve pesquisar no Google.
- Ei, vocês dois? – ambos me olharam – Não é hora de discutir isso.
- Mas ela mandou eu pesquisar no Google – ele argumentou – Isso não é normal... Ela só tem cinco anos... Eu disse “cinco”. Acho que vou exigir ver a certidão de nascimento.
- Acho que deve exigir mesmo. Porque ela precisa de um certo sobrenome depois do Rockfeller. – Falei.
- Que faço questão, meu amor... Toda questão do mundo que ela seja uma Bailey. – Ele levantou e a pegou no colo.
- Eu vou mudar meu nome? – Ela perguntou.
- Não... Só o sobrenome. Vamos adicionar o do papai?
- Vamos! – ela levantou os braços, feliz – Papai, você está vendo os meus corações saindo? – fingiu pegá-los.
Ele pegou minha mão e fomos caminhando entre as árvores. A chuva havia acalmado, caindo somente alguns poucos pingos. Melody seguia no colo dele, conversando sem parar.
- Qual sua fruta preferida? – Ele perguntou a ela.
- Cacau... Porque dele se faz chocolate.
- Você já comeu cacau? – ele arqueou a sobrancelha – Cacau é uma fruta?
- Papai, você não sabe de nada. Eu vou ter que lhe explicar muitas coisas. Quando vamos morar juntos... Nós três?
Ele apertou minha mão e disse firmemente:
- Logo, meu amor – deu um beijo nela – E eu vou surpreender a sua mamãe.
- Mamãe chora quando é surpreendida com alguma coisa.
- Jura?
- Sim. E a fruta preferida dela é nenhuma. Porque mamãe não come frutas, só chocolate. Mas ela me obriga a comer frutas.
- Isso não é justo.
- Você vai mudar isso, papai?
- Não mesmo. Não vou mudar nada da sua rotina, que mamãe organizou por cinco anos sozinha. Eu vou me inserir na vida de vocês... E prometo tentar não mudar nada.
- Como vamos fazer com a questão dos shows? – perguntei – Melody não pode faltar a escola. Terá que priorizar os finais de semana para as viagens.
- Isso que dizer que vou ter minha família comigo nos shows? – Ele perguntou, virando o rosto na minha direção.
- Bem... Se você não se importar...
Ele parou e me abraçou com força. Melody estava entre nós:
- Sabrina, eu sempre vou querer vocês comigo... E saiba que jamais transpus a barreira imaginária com as fãs... Lembra disso? – Sorriu, os olhos parecendo brilhar ainda mais.
- Lembro... – Toquei seu rosto, tentando entender como conseguiria ficar longe dele, ao mesmo tempo que estava tão próximo de mim.
- Eu...
Ouvimos vozes e puxei Melody do colo dele:
- Vamos fazer como combinamos, ok?
- Combinado. – Melody sorriu, feliz com o fato de estarmos mentindo coletivamente, sendo que o pai fazia parte da situação toda.
- Eu vou indo com ela... Você vai depois. Nunca nos encontramos aqui, “el cantante”. E você não é o amor da minha vida...
- Nem você o meu! De toda a vida...
Dei um passo e ele foi atrás de mim, dando-me um beijo no ombro. Depois encheu Melody de beijos enquanto ela ria sem parar, fechando os olhos.
- Preciso ir... – Falei baixo.
- Amo vocês. – Ele fez questão de dizer.
Enquanto andávamos, Melody deitou a cabeça no meu ombro e eu sentia o bracinho dela se movendo, certa de que acenava para ele.
Não tenho certeza se era justo fazer aquilo com ela... Separá-la do pai com ele estando tão perto. Mas ao mesmo tempo, se assumíssemos nossos sentimentos e abríssemos o jogo sobre tudo que vivemos, jamais saberíamos o que de fato aconteceu naquele dia que Charles foi preso.
Eu tinha perguntas que me incomodavam muito. Mariane ou J.R? Quem armou? Se fosse Mariane, por que teria levado exatamente quatro anos e meio para tirá-lo da prisão? Não teria sentido. Ao mesmo tempo que, se foi meu pai, ele não aceitaria Charles em sua casa, ou mesmo namorando com minha irmã.
E o que minha mãe sabia sobre aquilo tudo? E Gui? Ele sairia muito magoado e isso me entristecia, porque eu gostava dele. Agora de um jeito diferente. Me imaginei dizendo: “Gui, nós não vamos mais ser namorados. A partir de hoje, serei sua madrasta. Perdoe seu pai, mande sua mãe se foder e venha morar com a gente... A cama é grande, cabe nós três.”
Céus, aquilo chegou a me dar calafrios. Se eu tivesse transado com Guilherme não conseguiria olhar na cara de Charles. Ou conseguiria?
- Sabrina? Medy? – Vi meus pais surpresos, enquanto ainda saía da mata.
- Estávamos nos abrigando da chuva. – Tentei explicar.
- Nossa... Vocês estão bem? – J.R aproximou-se, pegando Melody do meu colo.
Melody agarrou-se a ele, que perguntou:
- Por que você fugiu, querida?
Pelo tom de voz e a forma como a olhava, meu pai parecia realmente estar preocupado.
- Eu... – ela me olhou – Queria tomar banho de chuva.
- Mas por que não avisou? Ficamos todos preocupados. Sua mamãe saiu correndo, desesperada – Calissa disse – Não pode mais fazer isso, meu amor. Promete?
Melody assentiu com a cabeça, enquanto Calissa também a abraçava. Os três ficaram juntos e eu de fora. Para mim era claro que estávamos todos naquele lugar por Medy. Eu não significava nada para J.R. Aliás, alguém significava algo para aquele homem? Ele não respeitava nem mesmo a esposa.
Falido! Mas sem perder a pose e a pompa. Aquele era J.R Rockfeller. E eu queria vê-lo implorando perdão... A mim, a Charles, por tê-lo julgado sem ao menos conhecer... E a Medy, por ter sido o responsável por deixá-la grande parte da infância sem pai... Anos que ela e Charles jamais recuperariam.
Comecei a andar sozinha, sob a areia molhada. Deixei a água do mar tocar meus pés. Estava gelada e assim que a senti, meus cortes começaram a arder. Fechei os olhos e aguentei. Tentei pensar numa canção para que meus ouvidos ignorassem o que eles diziam atrás de mim.
- Você está bem, Sabrina? – Calissa perguntou.
- Sim. – Confirmei, olhando para trás, sem parar de caminhar.
- Está suja... A roupa por inteiro.
- Eu deitei no chão com Melody. – Expliquei.
De cada dez palavras que eles trocavam com Melody, cinco era perguntando se ela não tinha se machucado. Ah, eles podiam me odiar. Mas se gostavam dela, eu sinceramente pouco me importava. E não que eu quisesse que minha filha fosse aceita pelos Rockfeller. Mas eu não gostava quando qualquer pessoa, independente de quem fosse, a tratasse de qualquer forma que não fosse gentil ou carinhosa. Simplesmente porque Melody era um encanto, o amor em pessoa.
Não lembrava de o caminho ser tão longo. Mas foi o que pareceu. Quando chegamos perto da casa, vi Guilherme sentado na escadaria. Assim que me viu, veio correndo na nossa direção.
Ele me abraçou e eu não consegui mover um dedo na direção dele.
- Você está bem?
- Estou.
- Por Deus... Vocês sumiram por horas.
- Eu... Nem percebi. Estávamos esperando a chuva passar. Nos abrigamos na mata.
Ele passou os braços sobre meus ombros e encarou-me, enquanto me puxava para perto dele:
- É ele, não é mesmo?
Arqueei a sobrancelha, fingindo não entender o que estava tentando dizer.
- Você havia mencionado o nome “el cantante” como o pai de Medy.
- Mencionei?
- Sim... E quando Charles chegou, você o chamou de “el cantante”. Meu pai... É o pai de Medy.
Abaixei a cabeça, não conseguindo encará-lo.
- Sabrina, isso não é justo com a gente.
- E desde quando a vida foi justa comigo, Guilherme?
Melody chegou correndo e pôs os braços para cima, pedindo colo. A peguei e ela ficou encarando Guilherme.
- Medy... – ele olhou-a ternamente – Eu sempre gostei tanto de você... – Vi a emoção tomando conta dele.
Guilherme tocou o rostinho dela, que o evitou, se escondendo no meu peito.
Peguei seu queixo e olhei dentro dos olhinhos verdes brilhantes:
- Gui só está tentando demonstrar que ele gosta muito de você, ok?
- Medy gosta de Gui... – ela olhou para ele – Mas gosta mais do papai. – Ela disse no meu ouvido.
Suspirei, imaginando quanto tempo ela aguentaria não revelar a verdade.
- Venha comigo, Medy. – Ele abriu os braços em direção a ela, que negou veementemente.
- Gui, eu vou subir e dar um banho nela... E tomar um também... Estamos horríveis. Dê um tempo para ela, por favor.
Ele assentiu, tristemente. Calissa e J.R estavam esperando no alto da escadaria. Enquanto eu andava até a casa, com Melody pela mão, Guilherme nos acompanhando, vimos Charles vindo. Porra, parecia tão claro que estivemos juntos.
- É um idiota... Passou por vocês e nem viu. – Guilherme referiu-se ao pai.
Parei e olhei-o:
- Não o chame de idiota. É o seu pai. E não quero que Melody aprenda coisas erradas com você. Precisa ser um exemplo para ela a partir de agora.
- E isso seria por qual motivo? Por que vamos partilhar uma vida, todos juntos? – Ironizou.
- Gui...
- Que porra está acontecendo com você, Sabrina?
- Eu encontrei o pai da minha filha, Gui... E você sempre soube o que eu sentia por ele.
- Simples assim... “End game” para mim? Devo fazer check-out agora ou esperar para depois da Ceia?
- Me desculpe... Eu desejo que você fique aqui, Gui. Eu gosto de você... Medy gosta de você... E seu pai gosta de você.
- Não o chame de “meu pai”.
Charles nos alcançou. Ele e Guilherme se encararam por um tempo. Melody pegou a mão do pai e foi em direção às escadas, puxando a mim também.
Ok, a probabilidade de o plano dar certo era de quase zero porcento. Claro que Charles não negou a mão da filha. Então subimos as escadas, os três, sob os olhares de Gui e meus pais. Chegando à porta, Melody soltou a mão de Charles e pediu-me colo novamente.
- Vamos tomar banho, docinho. – Falei, enquanto a levava para dentro.
Vi Yuna chegar correndo, quase sem ar.
- Está tudo bem? – Perguntei.
- Onde vocês se meteram?
- Nós... Esperamos a chuva passar.
- Não foi chuva... Foi uma tempestade. Onde se abrigaram?
- Na mata... – Fui subindo as escadas, enquanto Melody deu os braços para ela, sonolenta.
- Com o papai. – Ela falou no ouvido de Yuna, sendo que eu ouvi, dois degraus acima.
Parei e balancei a cabeça:
- Melody, o que nós combinamos?
- Que ninguém pode saber. Mas tia Yuna pode, mamãe. – Piscou.
- Mas você praticamente contou para o Gui... E deu a mão a Charles na escadaria.
- Mas papai disse que a gente podia ficar um pouquinho juntos.
Revirei os olhos. Ela era esperta quando queria. A tal ponto que se fazia de desentendida quando lhe beneficiava.
Subimos até meu quarto. Fui ligando o chuveiro enquanto Yuna tirava a roupa dela.
- Céus, vocês rolaram no chão, isso? Tomaram banho de lama?
Melody começou a gargalhar e encontrei Yuna fazendo cócegas nela. Sorri e a peguei, nua, colocando-a no box.
- Quero que tia Yuna me dê banho. – Ela falou.
- Estou indo, meu tesouro perdido... – Yuna riu, dirigindo-se ao encontro dela.
Abri o armário, procurando uma roupa para Melody. Observei que o céu já estava mais claro e a tempestade cessado. Talvez chovesse um pouco ainda, mas sem intensidade.
Me peguei escorada na soleira da janela, rindo sozinha, lembrando do encontro entre Charles e Melody na praia. No meu coração, eu sempre soube que aquilo aconteceria. Mas a forma como se deu foi perfeita. “El cantante” pôs os olhos sobre ela e soube imediatamente. A nossa conexão era simplesmente inexplicável, bem como o sentimento que tínhamos um pelo outro.
Yuna tirou Melody do banho e eu pus roupas limpas e confortáveis nela. Não demorou dez minutos para ela pegar no sono. Eu nem cheguei a tomar banho antes de contar para minha amiga tudo que tinha acontecido naquelas horas em que estive ausente.
- Sabrina... Quem fez isso é muito cruel – ela me olhou, preocupada – Tem noção do que é mandar prender uma pessoa por tanto tempo sem que ela seja culpada?
- Não podemos abrir o jogo agora, Yuna. Precisamos fingir que nada aconteceu entre nós...
- Mas Guilherme já sabe... Seu pai talvez saiba... Sua irmã...
- Sabe. Eu contei a ela, há mais de cinco anos atrás, quando parti grávida de casa. Eu falei claramente: Não estou sozinha... Eu sou a garotinha.
- Mas se for assim, sua irmã é uma bruxa.
- Por quê? Primeiro Colin, depois Charles...
- Agora Gui? – Ela arqueou a sobrancelha.
- Eu não duvido. Ela quer o que eu tenho... Para mim isso ficou claro.
- Acha que o advogado que a ajudou pode ser o seu ex-noivo? Teria ele tirado, sem querer, o amor da vida de sua ex, da cadeia?
- Não... Esta não é a especialidade de Colin. Ele trabalha mais com contratos e direitos autorais. Mas atualmente está trabalhando para a mãe de Gui... Neste caso, para o próprio Gui. Acho que ele está na área familiar também... Estão tentando tirar tudo de Charles. O dinheiro que ele mal começou a receber. E ainda tem a história de ele estar sendo empresariado pela J.R Recording, que já tenho quase certeza de que é Mariane a responsável pela carreira dele.
- Sua família é horrível.
- Eu sei... Por isso mesmo temi voltar. Fiz isso por Medy, mas não tenho certeza se foi uma boa ideia colocá-la aqui. Minha filha é tão inocente, tão cheia de vida... Ela transborda amor. Eles não a merecem.
- Mas se não tivesse vindo parar aqui, por Medy, não teria encontrado Charles.
- Sim... E isso foi o que eu mais esperei, por anos. Yuna, eu amo este homem de uma forma que não consigo descrever. E... Esqueci de perguntar qual era a fruta preferida dele. – Sorri.
- Como assim?
Ouvimos uma batida na porta. Arqueei a sobrancelha, um pouco temerosa. Abri e dei de cara com J.R.
- Oi, Sabrina. Eu acho que precisamos conversar.