Capítulo 62
2522palavras
2023-02-08 10:15
- Eu não achei que isso fizesse diferença para você. – Olhei-o, confusa com a atitude dele.
- Este é o filho da puta que fez o que fez com você?
- Gui... Não pode falar palavrões... Tem crianças aqui. – Melody arqueou a sobrancelha, chamando a atenção dele.
- Me perdoe, princesa. Mas este homem merece todos os palavrões do mundo.
- Gui, chega! – Falei em tom de voz alto.
O helicóptero se foi, nos dando um pouco tranquilidade e silêncio. Respirei fundo e segui na direção da minha antiga família, se é que se podia definir assim.
Assim que fiquei há passos do meu pai, ele retirou os óculos escuros e consegui ver seus olhos. E não pude definir o que havia neles. Os anos não foram muito bondosos com sua aparência. Havia envelhecido consideravelmente, como se tivesse passado dez e não cinco anos. A pele enrugada, a magreza excessiva, que ressaltava os olhos, a barba por fazer...
- Olá. – Ele disse, encarando-me.
- Olá. – Falei, sentindo meu coração bater mais forte, o nervosismo tomando conta de mim.
- Não dá um abraço na sua vovó? – Calissa abaixou-se, ficando na altura de Melody.
Minha filha foi até ela e a abraçou carinhosamente. J.R abaixou-se também, um sorriso bobo no rosto, os olhos voltados inteiramente para ela:
- Olá... Eu sou...
Antes que J.R terminasse, ela foi até ele e deu-lhe um abraço:
- Você é meu vovô. E eu sou Melody, mas pode me chamar de Medy. Meu nome vem de Melodia... Mamãe que escolheu.
Naquele momento vi uma cena que jamais imaginei: meu pai, deixando uma lágrima grossa rolar por sua face. Sim, ele estava emocionado por conhecer a neta, talvez internamente lembrando que havia mandado eu tirá-la enquanto ela ainda era um feto dentro do meu útero.
Ah, eu o faria sofrer tanto quanto sofri quando ele me pôs para fora de casa, com a roupa do corpo, esperando que eu tirasse meu bebê. Não amar Melody era simplesmente impossível. E depois de tê-la, perdê-la devia ser a pior coisa do mundo. J.R ficaria sem meu docinho, a criança a qual dei minha vida, abrindo mão de tudo em nome dela.
Melody limpou a lágrima dele e disse:
- Não chore, vovô. Precisamos ficar felizes, pois vamos passar o Natal todos juntos. – Abraçou ele e Calissa ao mesmo tempo, deixando meu coração em frangalhos com a cena.
Depois de ficarem um tempo com Melody, eles levantaram. Calissa veio até mim, abraçando-me carinhosamente.
A tensão estava estampada no rosto de J.R. Abriu os braços, de forma tímida, na minha direção. Peguei uma das mãos dele, que estavam levantadas para receber um abraço, e a apertei, de forma leve, quase não encostando:
- Que tenhamos dias tranquilos... Melhores do que os últimos que passamos juntos. – Foi o que consegui dizer.
- Serão... Eu prometo.
Calissa sorriu na direção dos demais convidados, falando:
- Você deve ser... Yuna.
- Sim – Yuna confirmou – Filha de Min-ji.
Ela abraçou Yuna, que retribuiu de forma mecânica.
- Seja bem-vinda à nossa casa, Yuna. – J.R apertou a mão dela, assim que Calissa a soltou.
- Obrigada.
- Guilherme Bailey... Meu namorado. – Apresentei.
- Bailey? – Meu pai arqueou a sobrancelha.
- Bailey. – Guilherme confirmou, de forma séria.
Os dois trocaram um aperto de mão, olhos nos olhos. Meu garoto não me decepcionava. Tão maduro e imponente. Senti orgulho dele.
Guilherme pegou minha mão, de forma firme, para deixar claro que estávamos juntos. Sorri na direção dele, incerta se realmente tinha causado algum impacto no meu pai o meu relacionamento com o garoto mais novo que eu.
Os empregados pegaram as bagagens enquanto fomos andando pela grama sintética, em direção à casa, que ficava bem próxima. O tempo não estava firme e as nuvens escuras tomavam conta do céu.
À direita, víamos o mar, a poucos metros de distância. Eu conseguia sentir o cheiro da água salgada, o vento balançando meus cabelos de forma agressiva, me remetendo a um passado que eu tentava de toda forma esquecer.
Chegamos no caminho cimentício e elevado, que nos levava para a residência, próxima dali.
Toda a parte de baixo era garagem e antigamente meu pai tinha um pequeno barco de passeio que guardava ali. Eu não sabia se ele ainda existia. Tanto do heliponto como quem acessasse a casa pela área da praia, chegava na piscina, que ficava de frente para o mar. Ela era grande e ocupava boa parte da área frontal da residência. Tinha três níveis de profundidade, que conforme fosse descendo, ia afundando. A parte que ficava mais próxima do mar tinha em torno de 1,80 metros de profundidade.
- Piscina! Tem piscina! – Melody gritou e tentou correr, fazendo com que eu fosse mais rápida e a pegasse, antes que chegasse lá.
Trouxe-a para meu colo e parei de andar, olhando em seus olhos:
- Docinho, temos que falar bem sério sobre algumas coisas.
Ela estreitou os olhos verdes amendoados e arqueou a sobrancelha, questionadora:
- O que é?
- Esta piscina é funda... Bem funda. E Medy não sabe nadar. Acabou de tirar o gesso. E mamãe ficará muito, mas muito preocupada, se você ficar próximo da água sem estar acompanhada de um adulto.
- Eu prometo... Eu só iria olhar, mamãe.
- Ok, mas mamãe, Gui ou Yuna irão com você, entendido?
- Entendido. – Ela piscou, fazendo-me rir, em meio à toda tensão do momento.
Porque a pessoinha não sabia piscar com um olho só e quando fazia esta tentativa era muito engraçado.
Alguns sofás confortáveis e luxuosos estavam próximos da piscina, num ambiente acolhedor e planejado de forma estratégica. Vi dali, na entrada da praia, um playground colorido, com escorregador em tubo e balanços, bem como uma pequena casinha na parte superior, de onde entrava no escorrega. Aquilo não tinha ali, com certeza, na época que vínhamos à casa.
- Tem um escorrega... Que lindo! – Ela apontou, admirada.
- Eu mandei pôr para você – J.R olhou-a, sorrindo – É só seu... Pode escorregar o quanto quiser.
- Um escorrega só para mim? – Ela começou a bater as perninhas em mim, tentando sair do meu colo.
Quando a larguei, o que eu mais temia aconteceu. Ela jogou-se nos braços do meu pai e segurou-se ao pescoço dele, já em seu colo, puxando conversa sobre o playground.
- Esta menina não vale nada... – Falei baixo, próximo de Guilherme.
- Nadinha... Totalmente comprável. Lembra que ela se vendeu por uma térmica de chocolate quente? – Riu.
- Sim... Então imagina um Playground... – Lamentei.
- Infelizmente é tudo parte do que ela é... – Yuna mostrou-se atenta à conversa – Não acredito muito em mudanças repentinas no caráter das pessoas, mas acredito que crianças mudam o mundo... E as pessoas que estão nele.
- Ele fez coisas horríveis no passado... E não foi só para mim. Medy já existia. – Observei.
- Sabrina, você pode planejar mil coisas na sua cabeça, mas não pode incluir Medy nisto. Ela é só uma criança. Tirar ela dele, ok, mas lembre-se que estará também tirando o avô dela. – Yuna disse seriamente, andando mais rápido, alcançando Calissa, J.R e Melody.
- Pelo visto Yuna acha que você deve perdoar. – Guilherme disse.
- Yuna não decide a minha vida. E ela se preocupa com Melody.
- Que bom que pensa assim. Este homem merece pagar por todo seu sofrimento no passado.
- E pagará. Não sou vingativa a ponto de querer o mal dele, mas exijo que ele sofra o que eu sofri. Isso me basta.
Guilherme gargalhou:
- Isso não é querer o mal?
- Não, claro que não. Não desejo a morte dele, por exemplo.
- Oh, que bondosa você é.
- Seu bobo. – Bati de leve no braço dele, que me puxou para junto dele, dando-me um beijo no rosto.
- Sou louco por você, minha professora preferida.
Eu não disse nada. Ele me olhou com o canto dos olhos:
- Um dia você vai sentir o mesmo que sinto por você, Sabrina. No coração... Não só no corpo.
- Falando em corpo... Vamos dormir em quartos separados.
Ele parou:
- Como assim?
- Gui, eu vou dormir com Medy.
- Posso ficar com vocês duas... – Propôs.
- Nem pensar.
- Sabrina, não pode me deixar sozinho.
- Tem medo de dormir sozinho, garotão?
- Só achei que dormiríamos juntos, enfim.
- Gui...
- Caramba, Sabrina... Sabe há quanto tempo eu não faço sexo?
- Ah, que fofo... Se guardando para mim.
Ele riu e balançou a cabeça:
- Você não tem jeito.
- Tenho sim... – Puxei-o pela mão, apressando o passo.
A casa tinha dois andares e estava pintada de amarelo escuro com branco. Para acessá-la, tinha uma escadaria de pedras, que partia do andar da piscina. As janelas eram envidraçadas, sem venezianas e estavam por todos os lados. Todos os quartos tinham sacadas de frente para o mar.
Palmeiras altas, plantadas de forma estratégica, deixavam tudo ainda mais perfeito. E a parte dos fundos dava para uma vegetação que fazia parte de um morro.
- Gosta de praia? – Guilherme perguntou.
- Gosto.
Assim que chegamos perto dos demais, subimos todos juntos as escadas. Entramos na casa, que estava do mesmo jeito de anos atrás. Os móveis ainda estavam novos, mesmo antigos, pois tinham pouco uso.
Não lembro de termos usado aquele lugar nos últimos anos que morei com os Rockfeller, a ponto de Colin não conhecer o lugar.
- Sintam-se em casa. – J.R falou.
- Claro... Afinal, estamos em casa. – Falei, dando alguns passos pela sala envidraçada.
- Acho que vai chover... – Minha mãe olhou para o céu.
Realmente o céu começava a ficar cada vez mais encoberto e escuro.
- Pelo menos temos onde nos abrigarmos – falei – Neste caso, uma casa. Então, se eu não for mandada para rua, com a roupa do corpo, creio que esteja segura... Junto da minha filha, é claro. – Sorri, sentando num dos sofás e retirando meus calçados, me sentindo “em casa”.
Melody jogou-se sobre mim e acabei deitando com ela por cima:
- Mamãe, vamos no mar? Eu quero conhecer o mar. – Ela estava ansiosa.
A beijei e disse:
- Eu tenho que trocar de roupa... Desfazer as malas...
- Os empregados desfarão suas malas. – Calissa disse.
Sim, esqueci desta parte. Havia empregados que faziam as coisas por nós.
- Jura? Tem alguém para lavar a louça também? Eu já lhes contei que Sabrina adora lavar louça? – Yuna foi irônica.
Nós duas começamos a rir.
- Bem, não é caso de adorar lavar louça, mas digamos que peguei prática, já que tive que aprender para sobreviver – falei – Acho que podemos falar sobre meus empregos depois da janta, quando estivermos todos reunidos em família. O que acham? – Sugeri.
- Eu gostaria muito de ouvi-la, meu amor. – Guilherme entendeu o meu tom.
- Claro que seus pais também querem ouvir... Vão se divertir bastante. – Yuna ajudou.
- Sabrina... Eu... – Meu pai começou.
- Eu... – Incentivei, arqueando a sobrancelha, curiosa com o que ele diria.
- Um pinheiro. – Melody saiu do meu colo e saiu correndo em direção ao pinheiro decorado com bolinhas coloridas.
Fomos todos até lá. O pinheiro era enorme e estava todo enfeitado. Havia presentes embaixo dele.
- Tem luzinhas? – Ela perguntou.
- Sim... Montamos para você. – J.R disse.
- Vocês fizeram coisas legais pra mim. – Ela observou, pegando as caixas uma a uma e sacudindo.
- Os presentes são todos de verdade aí dento... Para você. – Calissa explicou.
- Todos?
- Sim.
- Mas... O que eu pedi para o Papai Noel não cabe numa caixa.
- E o que você pediu? – J.R perguntou.
- O meu papai.
O silêncio tomou conta do ambiente.
- E Mariane? – perguntei, tentando mudar o assunto, com coração partindo-se em pedaços – Passará o Natal conosco?
- Sim. Ela foi buscar o namorado no aeroporto. Já devem estar chegando.
- Namorado? Mariane tem um namorado? – Fiquei impressionada.
- Sim, novamente envolvida com um músico. Mas ela já está adulta, então não há o que fazer. – Disse J.R, parecendo contrariado.
Deus, no dia seguinte, quando desse meia-noite, Melody quereria o pai. E ele não estaria ali. Minha filha era tão inteligente, no entanto havia posto na cabeça que Papai Noel realizaria seu desejo. E dizer que aquilo não era possível seria como destruir todas as esperanças e crenças dela.
- Não fique assim... – Gui observou minha tristeza.
- Eu... Estou bem. – Menti.
- Deixe que a levaremos para conhecer a praia... Por favor. – Pediu Calissa.
Olhei-a, incerta sobre deixar minha filha sob a responsabilidade deles.
- Eu vou junto. – Falou Yuna, como que tentando me convencer de que tudo ficaria bem.
- Ok... Pode ir, Medy.
Ela deu pulos e retirou o calçado, a fim de sentir a areia da praia.
Eles desceram e fiquei ali, com Guilherme, próximo do pinheiro.
- Acha que um dia ela encontrará o pai? – Ele pegou minha mão.
- Eu... Não sei. – Confessei.
Subi e verifiquei onde havia ficado minhas malas. Orientei que as coisas de Medy ficassem comigo, pois dormiríamos juntas na cama de casal. Mandei colocarem Guilherme ao lado do nosso quarto e Yuna do outro lado. Sabia que o quarto de meus pais ficava ao final do corredor.
Abri uma das portas de frente para meu quarto e vi que haviam roupas sobre a cama. Aproximei-me e achei ser de Mariane. Ou seja, ela já estava na casa. Quem seria o namorado de minha irmã? Talvez eu devesse dormir com ele, para ela sentir na pele o que era ser traída por quem você mais confia.
Do nada, uma das janelas voltou com o vento, quebrando o vidro. Percebi que o tempo tinha realmente virado e estava escurecendo rápido demais, com nuvens escuras cobrindo o céu.
- Precisamos pegar Melody. – Gritei para Guilherme.
Descemos correndo as escadas e fomos para a rua. O vento estava forte e a areia cobria parte da paisagem, dificultando a visão.
Meus pés afundaram quando desci o degrau que dava para a praia, caminhando com dificuldade. Um carro aproximou-se, ao mesmo tempo que vi J.R, Calissa, Yuna e Melody voltando.
J.R segurava Melody no colo e ambos colocavam as mãos na frente do rosto, tentando não cegar os olhos com a areia.
Ao pé da escadaria, chegaram os que estavam no mar ao mesmo tempo que a porta do carro abriu-se e Mariane desceu, acompanhada de...
- “El cantante”? – Fiquei imóvel, achando que pudesse ser um devaneio da minha mente.
- Sabrina? – Charles me olhou, a expressão de surpresa misturada com pavor.
- Pai? – Guilherme deu um passo para trás.
- Pai? – Olhei para Guilherme, confusa.
- Pai? – Melody me olhou, confusa, os olhos marejados, não sei se pela areia ou por ter reconhecido o pai, naquele exato momento.