Capítulo 61
1991palavras
2023-02-08 10:14
Melody estava ansiosa e ainda mais falante. Nunca havia andado de avião na vida.
Sentei-me ao lado dela. Guilherme e Yuna ocuparam os assentos à nossa frente.
Assim que o avião decolou, senti um mal-estar imediato e uma leve tontura. E aquilo me deixou extremamente preocupada.
- Tudo bem com você? – Yuna perguntou.
- Sim... – Falei, fingindo que sim.
- Você parece preocupada. – Guilherme disse.
- São cinco anos longe... Esperavam o que?
- Não se preocupe, mamãe. Eles vão amar você. – Melody pegou minha mão.
A comissária de bordo veio até nós, enquanto ainda nos divertíamos com Melody.
- Desejam algo para comer ou beber?
- Não... A viagem é curta. – Yuna falou.
- Eu quero cupcakes com confeitos... E você tem chocolate quente? – Melody perguntou, com os olhinhos brilhantes.
Ela sorriu:
- Bem, eu não tenho os cupcakes com confeitos, mas posso providenciar algo bem divertido. E tenho chocolate quente.
- Eu quero. – Melody falou imediatamente, batendo palmas.
- Qualquer um compra você com confeitos coloridos. – Gui brincou.
- Eu amo confeitos coloridos. – Ela confirmou.
- E você? – Ela perguntou para Guilherme.
- Não... Nada. Estou satisfeito.
Ela me olhou e já respondi:
- Não.
- Há algo especialmente para a senhorita neste jato. – Ela sorriu.
- O que seria? – Arqueei a sobrancelha.
- Vueve Cliqcuot.
Suspirei:
- Vou confessar que isso é música para meus ouvidos.
- Aceita uma taça?
Eu diria sim... Mas não me senti segura para beber nada alcóolico.
- Não... Talvez depois mais.
- Se precisarem de algo, só chamar. Vou providenciar o pedido da garotinha.
Ela estava saindo quando perguntei:
- Você sabe me dizer a quem pertence o jato?
Ela pensou um pouco antes de responder:
- Aos Monaghan.
- Obrigada pela informação.
Assim que a moça saiu, olhei para Yuna e Guilherme, confusa:
- Colin Monaghan está patrocinando nossa viagem? Isso é um pouco estranho.
- Não tanto... Como eu disse, é visível o interesse dele ainda por você.
- Eu e Colin é um passado... Distante e enterrado.
- Como a Tuga e o hamster? – Melody olhou na minha direção.
- Como a Tuga e o hamster. – Confirmei.
- Pretende enterrar mais alguma coisa do seu passado? – Guilherme me questionou e eu sabia exatamente do que ele falava.
- Sim... Pretendo.
Peguei a concha na minha mão e a olhei. O C e o S estavam quase apagados completamente, assim como as lembranças entre Charles e eu. Retirei-a, carinhosamente e fechei-a no pescoço de Melody.
A minha filha olhou-me, sorridente e tocou a concha, sabendo o quanto aquilo significava para mim:
- Vai ser minha agora?
- Sim – sorri – Eu acho que você já pode carregar isso.
- Meu papai deu esta concha para minha mamãe. – Ela olhou para Guilherme, que engoliu em seco.
- Agora não tem mais mamãe e papai... Mas tem Medy e papai. Quando chegarmos, eu vou fazer um M para você.
- M de Medy?
- Sim. – Confirmei.
- Gui, minha mamãe já lhe disse que quando meu papai aparecer você não vai mais se o namorado dela?
Eu e Guilherme nos olhamos.
- Mas... Quem disse que eles estão namorando? – Yuna perguntou.
- Eu vi... Eles beijando... E foi na boca.
- Deus... Quando você viu isso? – Perguntei, sentindo um nó no estômago.
- Eu vi... – Ela limitou-se a dizer, enquanto pegava a concha e olhava atentamente.
- Medy, nós... Não estamos namorando... Por enquanto. – Guilherme disse, com a voz terna.
Ela olhou-o atentamente antes de proferir:
- Então nem comece!
- Medy! – Chamei a atenção dela.
- O Natal está chegando e meu papai vem junto com o Noel. E a gente vai ficar juntos, só nós três, como uma família. – Ela olhou novamente para o colar, desinteressada em qualquer coisa que fosse contrária à sua ideia.
- Mas... Você não gosta mais de mim? – Gui questionou.
- Gosto. Mas você não é o meu papai.
- Eu não desejo ser o seu papai... Mas ainda assim eu amo você.
- Também amo você... Mas amo mais o meu papai... E minha mamãe vai ficar com ele. – Ela levantou os ombros, dando a conversa por encerrada.
- Preciso... Ir ao banheiro. – Falei, sentindo o mundo caindo sobre a minha cabeça.
As palavras de Melody simplesmente acabaram com o restante do meu pobre coração. O que eu faria no Natal? Infelizmente Papai Noel não existia... E o presente não viria. E minha pequena ficaria arrasada. E ela não me deu sequer uma opção de presente comprável. Só queria o pai.
Faltava três dias para o Natal. Eu não conseguiria encontrar Charles neste meio tempo... Era praticamente impossível.
Fechei a porta da cabine onde era o banheiro. Sentei-me no vaso, fechado, e deixei as lágrimas caírem. Minha vida já estava virando novela mexicana. E quando enfim decidi tirar definitivamente “el cantante” do meu coração, mesmo sabendo que era praticamente impossível, Melody decidia que seríamos um casal.
Senti uma forte cólica e me contraí. Levantei e olhei-me no espelho. Era tempo de eu menstruar. E no mês anterior não tinha descido quase nada. Como minha vida era turbulenta e meu fluxo desregulado, não dei importância.
Toquei meus seios que seguiam doloridos. Não tive isso na gravidez de Melody. Mas também nunca ficaram doloridos em época de menstruar. Senti tontura e mal-estar no avião. Isso foi muito parecido com os sintomas quando Melody estava no meu ventre.
- Ok, não se preocupe – falei com minha imagem no espelho – Cólica talvez seja um bom sinal... Que você vai menstruar. É só aguardar. Vai descer e tudo se resolverá... Foque na volta para os Rockfeller... Só isso.
Ouvi uma batida na porta, do lado de fora, e temi que fosse Gui, tentando transar no banheiro. Eu não faria aquilo. Minha filha estava ali, praticamente junto de nós. E eu não transaria com ele a primeira vez numa pequena cabine de banheiro de avião.
Abri a porta e vi Yuna.
- Agora você fala sozinha? – Ela arqueou a sobrancelha.
Puxei-a para dentro e fechei a porta:
- Preciso lhe dizer uma coisa.
- Pela sua cara... Não é bom. Parece apavorada. E eu entendo... Medy está sendo bem cruel com Guilherme.
- E o que você achou disso tudo?
- Sinceramente? Acho que era hora de virar a página do “el cantante”.
- Eu virei... Só que ele voltou numa delas... Então eu passei outras...
- E...
- Acho que talvez eu tenha que colocar outra letra na concha.
- O G? – ela arqueou a sobrancelha.
- Não...
- Não estou entendendo. O que você está tentando me dizer que não sai desta boca?
- Estou tentando dizer que... Se eu não menstruar... Talvez esteja grávida.
Ela recostou-se na porta, ficando pálida:
- Vai ter um filho do garoto? Deus... Isso é loucura.
- Eu nunca transei com Guilherme.
- Sabrina... Você está louca?
- Lembra que você me xingou que eu me preocupei em fazer sexo com Charles e não contei sobre nossa filha, no nosso único encontro?
Yuna sentou-se no vaso sanitário, aturdida:
- Nunca lhe ensinaram, no seu mundinho de “garota riquinha”, “elegante” e “selecionado”, o que era um preservativo?
- Yuna... Você decorou a música da “Garota riquinha”?
- Sabrina, não troque de assunto. O que você tem nesta cabeça além de vento, números e fórmulas?
- Amor...
- Amor? Amor não fica na cabeça e sim no coração. Aliás, isso é mentira. Teoricamente fica só numa das partes do cérebro.
- Já imaginou eu chegar para Charles e dizer que ele tem uma filha de cinco anos... Daí espero um tempo para ele assimilar e ficar feliz... Então completo: temos outro.
- Ele não vai acreditar que é dele.
- Eu o mato... Duas vezes... Primeiro por me deixar por outra mulher e segundo por não acreditar em mim.
- Ele fez o certo: virou a sua página, como você deveria ter feito com a dele.
- Ainda assim estou puta com ele.
- Você precisa fazer um exame, assim que chegarmos.
- A casa de praia da minha família fica no pé de um morro. Não há nada próximo.
- Mas tem um heliporto. Ou seja, é possível chegar um teste de gravidez.
- Eu acho que não quero fazer. – Confessei.
Ela levantou e me pegou pelos ombros:
- Você vai fazer, sim. E se der positivo, eu mesma vou atrás deste homem, para me certificar de que ele é mesmo real.
- Se não fosse... – toquei meu ventre – Eu não teria... Outro bebê dele? – Fiz em tom de pergunta, tentando me acostumar com a ideia.
- Deus... Sua barriga está maior... É visível.
- Não... Não seria de tanto tempo... Quase dois meses... Sete para oito semanas. Eu comi bastante nos últimos dias... Estresse. – Sorri, nervosa.
- Você é louca... Inconsequente...
- Eu sou só amor, Yuna... Este homem entrou na minha vida para ficar em cada pedacinho do meu ser...
- Amor deixa as pessoas burras.
- Você só vai me entender quando amar alguém.
- Deus me livre! E por mais que eu ame, vou conseguir ser forte o bastante para pegar um preservativo na hora H.
- Eu ganhei uma filha...
- Poderia ter ganho HPV, sífilis, AIDS.
- Mas foi um bebê... E foi só uma vez... Ou melhor, duas.
- Disse também a mulher que ganhou a AIDS: não vou contrair uma doença, seria muita falta de sorte, foi só uma vez.
- Você está sem graça hoje.
- Ok – ela levantou e respirou fundo – Vamos até lá... Medy não está sendo muito delicada com seu quase namorado.
- O que está acontecendo com esta menina?
- Decidiu que vai guardar você para o pai... Só isso.
- Deus...
- Isso é só o começo. O que você vai fazer com Guilherme?
- Acabar tudo.
- Sabrina, vocês começaram ontem... Ou melhor, hoje.
- Não posso namorar com ele grávida de outro homem.
Ela balançou a cabeça:
- Ainda bem que eu fiz pediatria. Porque não teria paciência para ser psicóloga, pois estou com vontade de torcer o seu pescoço.
- Claro que foi bom ter feito Pediatria. Sou jovem... Sabe-se quantos encontros ainda terei com “el cantante”... Então não sei quantos filhos podemos fazer.
Abri a porta e dei um passo para trás, com medo de apanhar dela.
- Você não tem vergonha nesta sua cara. Ainda se diverte com a situação. Eu no seu lugar estaria chorando nesta hora.
- Melhor rir de tudo... Já chorei demais com o que a vida me fez passar.
Ela me abraçou e disse no meu ouvido:
- Estou aqui... E você sabe disto.
- Eu sei... Por isso estou segura. Não importa o que aconteça, eu tenho você e Do-Yoon.
- E eu vou pôr camisinhas na sua bolsa. E quando sair, colocarei também nos seus bolsos.
Fomos abraçadas até as poltronas. Sentamos e em pouco tempo o avião pousou.
E como prometido, um helicóptero nos esperava, com destino à praia dos bilionários de Noriah Sul... Inclusive os falidos.
Melody ficou encantada quando viu o mar ao longe. Ela não conhecia o litoral... Sendo que foi feita numa casa de praia.
Desci do helicóptero com Melody pela mão. Guilherme fez questão de levar nossas malas, junto de sua mochila. Mas já havia uma pilha de empregados esperando por nós e a bagagem.
Não precisei andar muito para ver meu pai, de óculos escuros, com o braço sobre os ombros da minha mãe, que tentava tirar os cabelos que ficavam no seu rosto, por conta do vento.
Conforme nos aproximamos, Guilherme parou.
- Gui... O que houve? – Perguntei.
- Você... É filha de J.R, porra? Por que não me contou?