Capítulo 50
2362palavras
2023-02-08 10:06
Deus! Me perdoe, pois eu matei mais um animalzinho da minha filha. Que tipo de pessoa eu sou? Horrível, a pior de mãe de todas.
Subi correndo as escadas e a vi no topo, com o animalzinho sem vida em suas mãos.
- Docinho, me perdoa!
- Você disse que o meu hamster era prioridade. – Ela lamentou.
- Culpada, culpada, mil vezes culpada. Me dê um castigo, por favor.
- Ok, você nunca mais vai cuidar dos meus animais de estimação.
Peguei o corpo do hamster das mãozinhas pequenas dela e propus:
- Vamos enterrá-lo?
- Gui vai ficar muito triste... Porque o hamster que ele me deu morreu.
- Talvez ele seja compreensivo com a mamãe.
- Assim como eu?
- Assim como você... – Assenti, pegando-a pela mão.
Enquanto eu cavava o buraco, ela preveniu:
- Cuida a Tuga, mamãe.
- Vou cuidar... Prometo.
Assim que o buraco foi cavado, pusemos o hamster dentro e cobrimos com terra. Assim que acabamos, ela disse, sentando-se no chão, sobre a grama:
- Mãe, você acha que estamos fazendo um cemitério de animais no nosso quintal?
- Não! Não diga isso! O hamster será o último animal que morreu nesta casa.
- Agora nós teremos que morar aqui para sempre. Porque eu não posso abandonar meus bichinhos que estão enterrados no quintal.
Sentei no chão, ao lado dela e trouxe para o meu colo:
- Eu acho que nós não vamos nos mudar daqui, docinho. Mas um dia você vai crescer... Será que vai querer continuar aqui, com a mamãe? Eu iria gostar. – Confessei.
- Sim, eu vou ficar aqui. Mas vamos ter que fazer outros quartos, porque eu vou ter cinco filhos.
- Cinco?
- Sim... E todos vão ter animais.
- E eu prometo...
- Não, mamãe... Você não vai cuidar deles. Eu que vou cuidar.
Comecei a rir e a enchi de beijos:
- Me perdoa mesmo?
- Eu perdoo... Porque você é a minha mamãe. – Ela me abraçou.
- Eu amo você.
- Também amo você... E a Tuga, e o hamster e o Solitário I, que foi embora da nossa casa.
- Acho que nós não podemos ter um animalzinho de estimação. A mamãe trabalha demais e você também para pouco tempo em casa.
- Tomara que o Gui me perdoe... Assim como o Do-Yoon me perdoou pela tartaruga.
- Gui vai perdoar você sim. – Apertei o nariz dela.
- Mamãe, você está namorando o Gui?
A encarei, confusa. Melody me deixava sempre sem respostas para suas perguntas.
- Não... Não estou namorando o Gui.
- Eu acho o Gui bonito.
- Eu também. Mas seu pai é muito mais.
Ela começou a rir:
- Mamãe gosta do papai... – O dedinho apontou para mim.
- Um pouquinho. – Juntei meu polegar com o indicador.
Ela levantou do meu colo e disse:
- Boa noite, hamster. Boa noite, Tuga...
- Agora vamos preparar o jantar para nossa família.
Sim, “nossa família”. Porque era isso que Do-Yoon e Yuna representavam: família.
O jantar foi agradável e eles demoraram para ir embora. Assim que me despedi, pus Melody para dormir. Dei-lhe um beijo estalado nas bochechas e ela perguntou:
- Mamãe, você acha que meu pai vai cantar para eu dormir?
Eu sorri:
- Tenho certeza que sim. E aposto que ele vai fazer uma música para nossa garotinha... Afinal, você é a nossa Melodia.
Ela sorriu satisfeita e virou para o lado, fechando os olhos.
Ouvi a campainha tocando e desci. Já passava da meia-noite. Senti meu coração acelerado ao pensar na possibilidade de ser Guilherme. Eu não queria ter que explicar-lhe tudo novamente sobre meus sentimentos e o motivo de termos que nos afastar.
Abri a porta e vi Rachel, me encarando.
- Rachel?
- Olá, professora.
- É sábado. Eu não dou aulas hoje.
- Eu sei... Só para os garotos, não é mesmo? – Ela sorriu de forma irônica.
- Rachel, vá embora. Nos falamos na segunda-feira na escola, seja lá o que você tem para me dizer.
- Deixe-me ver o que eu tenho para dizer... – ela pôs o dedo indicador na boca, mordendo levemente a unha postiça vermelha e comprida – Eu vi a minha professora de Matemática sobre a mesa na sala de aula... E meu ex-namorado estava praticamente nu, enfiando seu pau gostoso nela. Fiquei muito enciumada... Penso que vocês poderiam me deixar participar da brincadeira, para ficar mais interessante. Ele dá conta de nós duas... Gui é insaciável. Já gozou duas vezes seguidas, sem deixar de ficar excitado um segundo sequer entre uma e outra. Bem, não preciso lhe dizer, afinal, você sabe, já que ontem mesmo tiveram uma noite bem prazerosa, não é mesmo?
Senti o sangue ferver dentro de mim e a primeira coisa que deu vontade de fazer foi dar uma bofetada na cara dela. E nunca na minha vida eu senti vontade de agredir uma pessoa fisicamente antes.
Mas me contive. Respirei fundo e falei, no mesmo tom que ela:
- Não sei do que você está falando... Mas posso apostar que sim, é ciúme. E uma menina mimada e ciumenta é capaz de tudo, inclusive inventar mentiras.
- Sim, eu também acho. Mas quando ela tem provas, não é bem uma invenção.
- Do que você está falando? – Peguei o braço dela com firmeza, apertando.
- Não fique nervosa, professora – debochou – Eu só tenho um videozinho.
- Eu não sou como você pensa, Rachel. Eu preciso deste emprego. Tenho uma filha para sustentar.
- Devia ter pensado nisso antes de se envolver com o “meu homem”.
- Seu homem? Você tem 17 anos, porra!
- E você 23. Ele não é para você, Sabrina.
- E nem sua propriedade. Guilherme é jovem e pode se envolver com qualquer pessoa. E não falo de mim... Ele conhecerá outras garotas e você seguirá sendo somente a ex. Se o garoto quisesse você, estariam juntos. Vou te dar um conselho de mulher, mesmo você não merecendo: se dê o valor e pare de correr atrás dele e se humilhar. Vá viver a sua vida e encontre alguém que a valorize e goste de você.
- E eu vou te dar um conselho como... Bem, acho que como ex namorada ciumenta e vingativa: deixe Gui em paz ou vou postar o vídeo na internet.
- Você não pode fazer isso. Eu a processaria.
- Eu sou de menor.
- Seus pais pagariam por seus atos.
- Eles têm dinheiro.
- Eu acabaria com você e o nome da sua família para sempre.
- Tem noção que se eu abrir a minha boca, você vai ser demitida e nunca mais conseguirá um emprego na sua vida? Você é uma professora vagabunda que deu para seu aluno gostoso.
Não, aquilo não estava acontecendo. Como me deixei ser filmada? Como fui tão idiota e ingênua? Eu demorei anos para me reerguer e agora via tudo ruir novamente, por conta de alguns minutos de inconsequência, que pensei com a boceta e não com o cérebro.
- O que você quer?
- Diga para Gui que não o quer mais. O deixe em paz.
- Eu já fiz isso.
- Saia da escola.
- Eu... Não posso sair. É o meu emprego. Corri atrás disso a vida inteira.
- Eu não tenho nada a ver com isso.
- Rachel, você quer Gui. Eu quero o meu emprego. Embora não ache que ele seja uma moeda de troca, aceito.
- Saia da Escola Progresso, Sabrina.
- Não vou fazer isso. – Fui firme, mesmo me sentindo amedrontada e sem alternativas frente ao que ela tinha contra mim.
Ela riu:
- Vamos ver quem vence.
- Gui jamais vai perdoá-la se me prejudicar. E me pergunto: você vai chantagear as pessoas a vida toda por ele? Sabe que haverá outras garotas... E vai enfrentar cada uma delas?
- Sim, eu vou. E destruirei uma a uma, como fiz a vida inteira.
Ela virou as costas e saiu. Corri atrás dela e segurei-a pelo braço, fazendo-a me encarar:
- Por favor, eu não vou mais aceitar que ele se aproxime de mim. Deixe-me provar que estou disposta a me afastar completamente. Mas eu preciso do emprego.
- Eu vou pensar. Podemos negociar, afinal, minhas notas não estão muito boas. Quem sabe você pode mudar isso? E conversar com alguns professores sobre mim, dizendo o quanto sou esforçada e dedicada?
- Mas você não é...
- Mas eles não sabem. – Ela sorriu sarcasticamente.
Soltei o braço dela, que virou as costas e se foi, entrando num carro com motorista que a esperava.
Sim, uma menina mimada e cheia de vontades, que não aceitava perder nada. Se achava dona de tudo e todos, inclusive pessoas. Eu conhecia alguém assim... E ele chegou tão longe que expulsou a própria filha de casa, por status e dinheiro.
Sentei-me no chão, olhando as estrelas no céu, deixando as lágrimas escorrerem, tentando acalmar meu coração. Estaria Charles olhando o mesmo céu que eu naquele momento? Por que eu estava pensando nele, quando novamente o mundo estava desabando na minha cabeça?
- Eu sou uma idiota... Mil vezes idiota. E ainda por cima, assassina de animais fofinhos. – Deitei no chão, em frente ao quintal de minha casa, quando passava da meia noite, parecendo uma louca.
E quem não era um pouco louco na vida? Afinal, era possível não enlouquecer quando se trabalhava um dia inteiro para aproveitar a vida algumas horas antes de dormir? Porque sempre que amanhecia, era preciso trabalhar... E era um círculo vicioso.
Era possível não enlouquecer quando você passou quatro anos da vida ao lado de uma pessoa que um dia antes do casamento dormiu com sua irmã?
Era possível não enlouquecer quando você foi multimilionária e hoje estava nas mãos de uma adolescente sem vergonha e doente que me chantageava da pior forma possível e eu me via obrigada a ceder porque precisava de dinheiro?
Era possível não enlouquecer quando você conheceu o amor da sua vida e o perdeu, porque era uma azarada sem nenhuma explicação da vida?
Era possível não enlouquecer quando seu corpo cedeu a excitação momentânea e você foi burra o suficiente para deixar um aluno tocá-la dentro da sala de aula?
Era possível não enlouquecer quando você matou uma tartaruga, um hamster e viu um peixe ser assassinado à sangue frio na sua frente, partindo o coração da pessoa que você mais amava no mundo?
- Ok, eu vou no Psiquiatra. Ele certamente vai atestar que sou louca e me medicará. Então eu vou voltar a ser normal.
Mesmo com a disponibilidade de assistência ao professor dentro da Escola Progresso, eu procurei um médico Psiquiatra particular, indicado por Yuna. Não podia expor meu caso aos profissionais da escola onde eu trabalhava.
Recebi medicamentos para controle da ansiedade e para acalmar-me. Segundo ele, eu estava muito “acelerada” e estressada, normal da profissão. Se eu falei o que tinha acontecido entre mim e Gui? Claro que não. Eu tinha vergonha até de pensar naquilo, que dirá contar para alguém.
Consegui uma semana de atestado o médico. Tempo suficiente para Rachel me esquecer por um tempo e acreditar na minha boa vontade em deixar Guilherme de vez.
Gui me ligou várias vezes, mas eu não atendi. Numa delas, respondi com uma mensagem, dizendo que eu estava bem, mas precisava de um tempo longe dele, para pensar.
Sabia que precisava me desligar dele de vez. Mas algo me dizia que não seria fácil e Gui não aceitaria tão facilmente.
A campainha tocou e saí correndo para abrir a porta. Naquele dia eu não pensei em Rachel e mais nada. Minha mente só tinha lugar para Charlie B... Meu “el cantante’. Enfim, o grande dia chegou.
Yuna me olhou dos pés a cabeça e riu:
- Ele não vai acreditar que você tem a jaqueta depois de cinco anos.
- Isso prova meu amor por ele. – Também ri.
Ela retirou os calçados e perguntou:
- Onde Medy está?
- No quarto, olhando um filme e esperando por você.
Ela levantou uma sacola e disse:
- Trouxe doces. Hoje pode?
- Na verdade, qualquer dia pode aqui em casa. – Confessei.
- Mamãe permissiva demais. O que falamos sobre isso?
- Sabe que tento compensar a falta do pai dela.
- Com doces? – Ela arqueou a sobrancelha.
- Eu não sou muito boa num monte de coisas...
- Ainda assim é uma mamãe excepcional. Está ansiosa?
- Meu coração está batendo tão forte... É como se fosse um encontro.
- Mas você sabe que as chances de se falarem é mínima, não é mesmo?
- Sim, eu sei, Yuna. – Revirei os olhos.
Ela me abraçou:
- Boa sorte, Sabrina.
- Obrigada. Vou precisar... De muita sorte, na verdade. E isso é uma coisa que eu não tenho muito na vida.
Fechei a porta e fui para o carro. Vestia uma calça jeans, blusa preta e a jaqueta de “el cantante” por cima, com um coturno nos pés.
Eu não ia a um show há muitos anos. Eu não saía de casa sozinha há uma eternidade. Parecia minha primeira vez. Sentia-me uma adolescente, embora com 23 anos e mãe de uma filha de 5, que por vezes parecia mais madura do que eu.
Deixei o carro no estacionamento do local e me dirigi ao Centro Desportivo. Havia muita gente. E isso me deixava triste, pois a possibilidade de encontrar “el cantante” pessoalmente era praticamente impossível, mesmo eu tendo comprado um ingresso para a primeira fileira na frente do palco.
Ele tinha muitas fãs... E por incrível que pareça, 95% do público era feminino.
Eu fui para a fila e ouvi duas mulheres conversando, atrás de mim:
- Parece que ele fez todas as músicas para a mesma mulher.
Senti meu coração bater ainda mais e toquei meu peito, um pouco assustada e amedrontada.
- Eu li isso também. Mas você tem que concordar comigo que ele fala pouco sobre a vida pessoal.
- Sim. Deve ser a namorada ciumenta que o proíbe.
Virei-me para elas:
- Ele tem namorada?