Capítulo 49
2412palavras
2023-02-08 10:06
Se Yuna disse que não poderia contar, Melody realmente não contaria, pois levava muito a sério o que a “tia emprestada” falava.
- Eu... Vou indo. – Gui tentou me entregá-la, sem sucesso.
Melody grudou-se nele, as pernas enroladas em seu corpo:

- Gui, vamos tomar chocolate quente todos juntos? Eu, você e minha mamãe. – Ela pegou a minha mão, fazendo-me aproximar-se deles.
A respiração de Guilherme ainda estava ofegante. Eu tentava me recompor e pôr os pensamentos em ordem.
- Filha, é tarde, muito tarde. Gui tem aula amanhã e precisa dormir e descansar.
- Mas amanhã é sábado. – Ela lembrou.
Revirei os olhos e sentei no sofá. Guilherme sentou ao nosso lado, com ela ainda no colo.
- Mamãe, eu quero um copo bem cheio de chocolate quente.

Peguei a térmica que ele havia trazido e fui até a cozinha, enchendo as canecas. O cheiro estava bom.
Me vi pondo água atrás do pescoço, tentando apagar completamente o fogo que me consumia há minutos atrás.
Respirei fundo, apoiando-me no balcão da pia e segui, com as canecas de chocolate fumegantes.
Sentei-me no sofá e eles estavam com a televisão ligada, olhando um filme infantil, que Melody já havia assistido no mínimo umas vinte vezes, só naquele mês.

Melody estava sentada no sofá e Gui ao lado dela. A pus no meu colo e assoprei o líquido da caneca dela, tentando esfriar seu chocolate.
Os olhinhos dela estavam vidrados no filme, mas vez ou outra ela contava para Gui o que iria acontecer, ou falava junto do personagem, já tendo decorado exatamente todo o diálogo.
Bebeu seu chocolate, sem dizer nada, pois estava muito concentrada.
Vi a caneca de chocolate na altura da minha boca. Gui a segurava, para eu conseguir beber:
- Prove enquanto está quente. – Ele disse.
Aceitei o gole do líquido escuro, cremoso e doce. Estava maravilhoso. Encontrei seus olhos, que estavam fixos nos meus, esperando por um veredito.
- Obrigada... Está muito bom.
- Fico feliz que tenha gostado. – Sorriu, de uma forma tão natural, ficando ainda mais lindo, em nada parecendo aquele garoto forçado da escola.
Enquanto Melody repousava sobre meu colo, Guilherme segurava a caneca para eu beber. Aquilo me deixou encantada e sentindo-me segura e acolhida, depois de tantos anos.
Sim, ele era um garoto de 18 anos. Eu com 18 anos fui mãe. E a maternidade, que veio junto com a expulsão de casa, me pondo num choque de realidade, me fez amadurecer e crescer.
Eu fui acolhida por Yuna e Do-Yoon. E se não fosse os dois, jamais teria conseguido. Me ajudaram financeiramente e me ensinaram a ser uma pessoa melhor. Cuidaram da minha filha e acreditaram que eu superaria todos os obstáculos.
Mas sempre me senti solitária. E talvez por este motivo fiz uma espécie de bolha ao redor de mim e Melody. E decidi que viveria com e para ela. E me pus de lado... Esqueci que eu não era só Sabrina Mamãe... Eu era Sabrina mulher. E me anulei completamente. Por cinco anos eu não saí, não bebi, não fiz nada do que uma pessoa normal da minha idade faria.
E não sentia falta de nada daquilo. Porque minha filha me bastava e pronto. Até que Guilherme Bailey atravessou meu caminho. E se eu disser que não houve interesse da minha parte desde o primeiro momento que o vi, estaria mentindo. Porque sim, meu coração bateu mais forte por ele e eu nem conseguia entender o motivo. Afinal, precisava de motivo? Eu bem sabia a resposta. E era não... Não precisava de um motivo para o coração encontrar alguém.
Eu tentei fugir de todas as formas daquele sentimento ou desejo que sentia pelo meu aluno, porque não conseguia distinguir o que acontecia dentro de mim, não sabendo como identificar se era meu coração ou meu corpo que o queriam.
Escorei minha cabeça no encosto do sofá, fechando os olhos e lembrando de tudo que eu tinha feito, horas atrás, por Charles.
Ele estava de volta na minha vida e isso mudava absolutamente tudo.
Charles era meu único e verdadeiro amor. E eu precisava encontrá-lo e mostrar-lhe nossa filha. E mesmo que ele sequer lembrasse de mim ou do que houve entre nós, ainda assim a verdade precisava ser dita. Melody precisava daquilo.
Senti Gui me puxando para perto dele e deitei no seu peito. Pus as pernas para cima do sofá e aconcheguei Melody à mim. Me senti segura, depois de tanto tempo. Me senti... Desejada, amada, importante para alguém. Amor de homem fazia falta... Sexo fazia falta. Ser mulher fazia falta.
Meus olhos seguiam fechados, e eu não conseguia mais abri-los. Estava cansada... E a última imagem que me veio à mente foi a foto gigante de “el cantante” na parte externa do Ginásio de Esportes.
Despertei nos braços de Guilherme, com Melody abraçada a mim, a boquinha entreaberta, completamente adormecida.
Pela claridade, não era muito cedo da manhã. Pegamos no sono, os três. A televisão ainda estava ligada.
Pus cuidadosamente Melody no sofá, arrumando-a para que não acordasse. Coloquei uma almofada sob sua cabeça e fui ao banheiro.
Me olhei no espelho e fiquei contemplando meu rosto cansado e os olhos inchados. Não tinha sido um sonho... Charles era agora Charlie B. E eu estive tão perto dele... E não o vi.
Pus creme dental na escola e comecei a escovar os dentes, ainda encarando a mim mesma. Eu quase transei com meu aluno do terceiro ano. Eu usei a palavra “foder” com ele, de tão louca e insana que me encontrava.
Lavei meu rosto sem pressa e penteei os cabelos. Quando abri a porta, dei de cara com Guilherme.
- Bom dia! – Ele disse, os olhos levemente estreitados, mexendo nos cabelos, parecendo confuso e sem jeito.
- Bom dia! – Fiquei parada onde estava, não conseguindo me mover.
Ficamos um tempo assim, nos olhando, cada um imerso nos seus próprios pensamentos. No meu caso, a cabeça estava vazia. Me faltavam palavras ou ações para aquele momento constrangedor.
- Ela... Ainda está dormindo. – Ele disse, talvez para puxar conversa.
- Sim... Você... Quer usar o banheiro? – Ofereci.
- Sim... Obrigado.
Ele entrou e fechou a porta. Fui até a cozinha e preparei um café, leite e arrumei a mesa, pondo alguns biscoitos decorados com confeitos, cereais matinais de chocolate e açucarados.
Guilherme escorou-se no batente da porta e cruzou os braços, os olhos passeando pelo meu corpo:
- Você consegue acordar ainda mais linda!
- Gui, por favor, não!
- Eu nem acredito que você dormiu nos meus braços, Sabrina.
- Olha só, isso não deveria ter acontecido.
- Se Melody não tivesse chegado, você sabe que teria acontecido. E não minta que não queria... Porque eu sei que queria, tanto quanto eu.
- Por sorte fomos interrompidos. Porque isso é uma loucura.
- Não, não é.
- Você... Quer café? – Ofereci.
Ele pegou um biscoito e analisou, sorrindo:
- Tem formato de elefante... E confeitos.
- Medy adora animais.
- Você é uma mãe maravilhosa, Sabrina. Melody tem sorte.
Servi-me de café e leite e bebi, enquanto o questionava:
- E a sua mãe?
- Por aí... Aparece vez ou outra. Minha avó é a referência que tenho de família, mãe e pai.
- Eu... Sinto muito.
- Eu não. – Ele disse, mordendo o biscoito, enquanto o analisava.
- Mas... Eu soube que você chegou a morar com a sua mãe.
- Sim, quando ela temeu que meu pai conseguisse a guarda. Só fingiu que era uma boa mãe e se preocupava comigo.
- Melody é tudo que eu tenho, Gui. Por ela eu mato e morro. E não quero que ela pense que nós... Bem, que nós estamos juntos. Ela é pequena... E cria expectativas.
- Eu posso superar as expectativas dela com relação a nós dois, Sabrina – ele sorriu – Podemos ser um casal. Eu sei que ela aprovaria.
- Não... Não agora.
- Como assim? Por que não “agora”?
- Porque nós encontramos o pai dela.
Ele ficou me olhando, enquanto a boca parava de mastigar imediatamente:
- Vocês encontraram com ele?
- Ainda não. Mas é questão de tempo.
Ele veio na minha direção e eu fui andando para trás, até ficar entre o corpo dele e a pia.
- Sabrina, eu sou louco por você.
Eu não disse nada. Meu coração disparou e senti minhas bochechas ruborizarem.
- Eu penso em você a porra do tempo inteiro – a voz ficou mais alta – Desde a hora de acordo até quando vou dormir. E você está até nos meus sonhos. Ir à escola ficou mais interessante desde que você chegou. Eu gosto do seu cheiro, da forma como se veste, de como tenta fingir ser forte o tempo todo... Eu sou louco pela forma como você trata sua filha e todo carinho e atenção que tem com ela.
- Você está tentando transmitir seus sentimentos com relação à sua mãe para mim, Gui.
- Eu não desejo minha mãe, Sabrina. Não confunda as coisas. Eu não disse isso.
- Nós não podemos, Guilherme. Isso é loucura.
- Eu sonho com seu corpo nu debaixo de meu... A pele macia e quente ao alcance das minhas mãos. Senti seu gosto e sei o quanto você é perfeita. Eu fico de pau duro só de pensar em você, porra. E me imagino fodendo-a de todas as formas: em cima de você, você sobre mim, metendo em você de quatro... Eu já gozei inúmeras vezes imaginando seus olhos nos meus quando chega ao orgasmo. Consigo visualizar seu rosto, sua boca, seu gosto, seus gemidos...
- Minha melodia... – Me ouvi dizendo, tão longe que talvez nem fosse capaz de voltar.
Sim, eu fui jogada imediatamente naquela casa de praia, com um moreno de olhos verdes e barba bem desenhada, que me comia literalmente de todas as formas que Gui mencionava. Vi o rosto dele enquanto me possuía enlouquecidamente, me fazendo chegar ao orgasmo inúmeras vezes.
Senti minha calcinha inundar de desejo e sabia que “el cantante” estava cravado não só no meu coração, mas também na mente, no corpo e na alma.
Nada nem ninguém poderia me fazer esquecê-lo.
- Gui, eu preciso de um tempo para assimilar tudo que está acontecendo. – Falei, tentando afastá-lo.
Se era uma esperança que eu lhe dava? Não sei. Mas precisava que ele se afastasse para eu conseguir raciocinar, sem pressão. E naquele momento, dizer não era o mesmo que sim. Ele estava cego. E me parecia que era de paixão.
Esperava tudo naquele momento, menos um abraço. Mas foi o que ele fez. Retribui, sentindo seu corpo magro junto do meu. Eu gostava do menino. Se dissesse o contrário, estaria mentindo. E estava confusa... Muito confusa.
Quando Melody acordou, fomos gastar meu dinheiro antes mesmo de receber. Comprei um carro novo. Sim, a mulher que perdeu um emprego por achar parcelamento de compras algo ridículo, inaceitável e abusivo já tinha adquirido uma casa e agora um automóvel nas condições de dezenas de parcelas, pagando quase dois produtos ao final.
A vida real, fora da minha bolha de multimilionária, me mostrou que para ter alguns bens era preciso fechar os olhos e se endividar. E que dinheiro não era só algo que me dava a chance de ter tudo que eu quisesse... Era uma coisa que tinha valor e era preciso optar, fazer escolhas, pois a minha nova vida não me dava tudo que eu queria.
A entrega do carro havia ficado para a semana seguinte. Passei antes na bilheteria do Ginásio de Noriah Sul e comprei um ingresso para o show de Charlie B. que ocorreria no sábado seguinte, exatamente sete dias depois, na área desportiva da Universidade de Noriah Sul.
Sim, agora eu era uma “stalker” do pai da minha filha. Uma fã alucinada, que acompanhava cada passo que ele dava.
Assim que pus Melody no seu assento e fechei seu cinto, dei-lhe o ingresso.
- O que é isso? – Ela arqueou a sobrancelha.
Respondi depois que liguei o carro e segui nosso caminho:
- Isso é um ingresso para eu ver o seu pai... Dentro de uma semana.
- Uma semana? – Ela sorriu, batendo palmas.
- Desta vez você não vai poder ir. Porque não me deixariam entrar e ficaríamos nós duas do lado de fora novamente.
- Você vai falar com ele?
Suspirei:
- Não sei se vou conseguir... Mas juro que vou tentar. “El cantante” está ficando tão famoso que vai fazer um show atrás do outro. E os espaços que ele usa estão ficando maiores. Embora eu torça para o sucesso dele, vou rezar para que poucas pessoas apareçam...
- Assim ele consegue ver você, não é mesmo, mamãe?
- Isso mesmo... Quero que ele me veja, no meio da plateia... Entre centenas ou milhares de pessoas. Seria pedir demais?
- Eu sei que ele vai ver você, mamãe. E então vocês vão casar.
Eu ri, olhando rapidamente para trás:
- Isso foi fofo... E eu juro que não vou chorar.
- Eu vou ficar com pena do Gui.
Arqueei a sobrancelha:
- Como assim?
- Porque eu gosto do Gui... E o Gui gosta de você... E você gosta do meu papai...
- A vida não é muito justa às vezes, não é mesmo?
- Não mesmo... Por isso você precisa comprar comida para o meu hamster. Precisa ser justa com ele.
Dobrei a primeira esquina, rapidamente, fazendo-a rir quando o corpo inclinou-se levemente com a volta que demos.
- Vamos comprar comida para o seu hamster. Isso é a prioridade do dia.
- Oba! – Ela levantou os braços para cima, feliz.
Compramos a comida e voltamos para casa. Já era final de tarde e eu só queria esperar pelos 7 dias, 168 horas para encontrar “el cantante”.
Estacionei o carro e Melody desceu correndo com a ração do hamster, abrindo a porta e subindo as escadas.
- Não corra, Medy. Você precisa descer as escadas caminhando. Pode cair e se machucar. – Gritei, tentando ser ouvida.
Fui guardar algumas compras e organizar os ingredientes que Do-Yoon usaria no jantar, já que convidamos ele, Lianna e Yuna para comerem em nossa casa.
- Mamãe? – Melody gritou do alto da escada.
- O que foi? – Perguntei enquanto guardava os itens de geladeira.
- Não precisa mais ração.
- Por quê?
- Meu hamster morreu de fome.