Capítulo 47
2312palavras
2023-02-08 10:04
Freei o carro bruscamente, meu corpo arremessado para frente com o impacto. Olhei na direção de Melody, que riu:
- Faz de novo?
- Medy, isso não foi uma brincadeira. Mamãe se machucou. – Toquei meu peito, que doeu com a força do impacto que o cinto fez contra ele.

- Desculpe.
- Medy está falando coisas estranhas. E mamãe pode ficar triste com isso... Principalmente se for mentiras.
- Eu vi a foto dele... É igual a do meu pai... Eu juro. Meu pai canta a música da Garota Riquinha e eu quero ir até lá convidar ele para jantar.
Peguei imediatamente meu celular e digitei no Google: Charles. Eu sequer sabia o sobrenome dele.
Haviam mil Charles... Mas nenhum era o meu. Tentei “el cantante”. Apareceram inúmeros artistas latinos, menos o meu.
- Qual é o nome da música, mesmo? – Olhei para Melody.

- A música da Garota Riquinha.
Digitei somente “Garota”. E lá estava ele... Charlie B. : novo nome, embora quase o verdadeiro. Ou seria Charlie o nome verdadeiro e Charles o que ele usava antes da fama?
Senti meu coração bater tão forte que pensei que pudesse ter um ataque. Minha respiração começou a ficar acelerada e as mãos trêmulas.
Eu rolava a página da internet, via as várias fotos e não conseguia assimilar nada.

- Agora podemos jantar com ele? – Melody mostrou-se presente.
As lágrimas teimosas já começaram a escorrer pelo meu rosto, embaralhando a visão e molhando a tela do celular.
- Podemos... Não só podemos... Nós “vamos” jantar com ele. – Afirmei, limpando as lágrimas.
- Oba! – ela gritou, erguendo os braços – E eu vou pedir para ele cantar a música da Garota Riquinha para mim. Mas eu prometo que vai ser só um pouquinho, porque você não gosta.
- Eu não gosto? – gargalhei – Quem disse? Eu amo esta música.
- Ama? – Ela arqueou a sobrancelha.
- Bem, não tanto a música. Mas amo loucamente o homem que a canta.
Agora foi a vez dela gargalhar:
- Mamãe, você está feliz. – Afirmou.
- Sim... Nós o encontramos, docinho... Enfim, ele vai conhecer nossa Melodia.
- Eu... – Bateu palmas.
- Sim, você. – Sorri, tentando impedir a porra das lágrimas de se apossarem de todo meu ser novamente.
Realmente Charles tocaria na Ginásio de Esportes de Noriah Sul. O show iniciaria às 22 horas. Ainda eram 19 horas. Então teríamos tempo para chegar com tranquilidade até o local.
Liguei o carro novamente e dei a partida. Sintonizei no aparelho a tal música da Garota Riquinha. Mas aquele aparelho velho era uma porcaria.
Então pus a tocar no celular a música que minha filha tanto tentou me mostrar e eu não quis ouvir. Agora entenderia de uma vez por todas o que “el cantante” compôs.
Assim que começou, Melody se empolgou, cantando em voz alta e balançando a cabeça, enquanto eu a observava pelo espelho retrovisor central. Ela não sabia por completo, exceto o refrão.
“Garota Riquinha
Oh, oh
Garota riquinha
Ela tem vivido em seu mundo de riquezas
Eu aposto que ela nunca se envolveu com um homem como eu
Eu aposto que a mãe dela nunca lhe contou o motivo
Eu vou tentar conquistar uma
Garota riquinha (garota riquinha)
Ela tem vivido em seu mundo privilegiado (mundo privilegiado)
Assim como qualquer pessoa normal tem seus desejos (tem seus desejos)
E agora ela está procurando por um homem simples (homem simples)
É isso que eu sou
E quando ela souber o que quer
No seu tempo (no seu tempo)
E quando ela acordar
E se decidir
Ela verá que eu não sou tão durão
Só porque estou apaixonado por uma
Garota riquinha (garota riquinha)
Você sabe que eu a vejo em seu mundo de riquezas (mundo de riquezas)
Ela está se cansando dos seus brinquedos de classe alta (brinquedos de classe alta)
E de todos os presentes dos seus garotos riquinhos (garotos riquinhos)
Ela tem uma escolha
Oh, oh
Garota riquinha
Você sabe que não posso me dar ao luxo de comprar as suas pérolas
Mas talvez um dia, quando minha sorte mudar
Ela entenderá o tipo de cara que tenho sido (tenho sido)
E então eu ganharei
E quando ela está andando
Ela parece tão bonita
E quando ela está falando
Ela dirá que é minha
Ela dirá que eu não sou tão durão (ela dirá)
Só porque estou apaixonado por uma (ela sabe)
Garota riquinha
Ela tem vivido em seu mundo privilegiado
Assim como qualquer pessoa normal tem seus desejos
E agora ela está procurando por um homem simples
É isso que eu sou
Oh, oh
Garota riquinha (garota riquinha)
Ela é a minha garota riquinha
Você sabe que estou apaixonado por uma garota riquinha
Minha garota riquinha
Você sabe que estou apaixonado por uma garota riquinha
Minha garota riquinha
Você sabe que estou apaixonado por uma garota riquinha
Minha garota riquinha
Você sabe que estou apaixonado por uma garota riquinha
Ela é uma garota riquinha”
Inicialmente meu peito se encheu de alegria... Ou não, porque não entendi, exceto o fato de dizer que estava apaixonado por uma garota riquinha, o que ele tentava expressar com o restante da letra.
A música entrava pelos meus ouvidos, passava pelo meu pescoço, ardendo a garganta, descendo pelo estômago, que se retraía, dando um enorme frio na barria e molhava minha calcinha. A voz dele era doce e envolvente. Eu sempre soube que ele estouraria um dia e seria um sucesso. Porque ele era perfeito... E a música... Diferente, carregada de emoção.
E talvez não fosse para mim. Tantos anos haviam passado. E se Charles não lembrasse de mim? Deus, isso seria horrível. Se eu chegasse até ele e mostrasse que tínhamos uma filha e Charles já tivesse uma esposa?
Melody estava tão cheia de expectativas. E por um momento me culpei por ter sempre lhe dito que Charles esperava por nós, em algum lugar e que nos encontraríamos um dia e seríamos uma família feliz. Entenderia ela se não acontecesse como sempre planejamos, ao longo de cinco anos?
Ouvimos várias vezes a mesma música. Depois segui para outra e me deparei com a que ele cantou quando me chamou para o encontro na “nossa” casa de praia.
Eram tantas lembranças, tantas emoções ao mesmo tempo que eu nem sabia direito como agir. Só tinha uma certeza: não poderia continuar chorando na frente da minha filha.
Tentei tantas vezes ouvir novamente a música que ele compôs para mim e não a encontrei mais depois do nosso desencontro na casa. Agora ela estava ali, gravada, com novo ritmo, outros arranjos e acordes, mas ainda assim perfeita, numa mistura de romântico com pop.
Qual seria a gravadora? Por que ele estava em Noriah Sul fazendo show? Como eu não soube nada sobre ele antes? Qual o tamanho da sua fama, afinal?
Chegamos ao Ginásio de Noriah Sul não era nem oito horas da noite. Percebi que havia fila para compra de ingressos e já entrei nela, junto de Melody, em seu lindo vestido e toda sua expectativa de ver o pai pela primeira vez.
Comprados os nossos passaportes para a felicidade, seguimos para um trailer que vendia cachorros quentes na calçada. Estávamos com fome e já anoitecia. Tínhamos o principal, que eram nossas entradas. Não poderia correr o risco de deixar minha filha morrer de fome.
- Você... Conhece Charlie B.? – Perguntei para a atendente do trailer, curiosa.
- Sim, um pouco. Ele é mais famoso em Noriah Norte. Este é o primeiro show dele aqui. E achei bem movimentado. Eu aposto que ele vai se tornar um fenômeno mundial. E não tem como ser diferente, não é mesmo? Você já viu os olhos dele? Parecem...
- Duas esmeraldas... – Completei a fala dela, sem ter certeza se era o que realmente diria.
- Também – ela sorriu – Vou dizer que daria qualquer coisa para deitar naquele peito perfeito. E a boca? Porra, é maravilhosa!
A encarei, sem dizer nada e com cara de poucos amigos. Estávamos falando do meu “el cantante”. Os olhos dele eram iguais aos da minha filha... Deitar no peito dele e receber carinho era maravilhoso. Mal ela sabia que depois do sexo ele acariciava meus cabelos. E gostava de beijar pela manhã. Insaciável, irremediavelmente sexy, “fodia” de forma incansável, todas com muita qualidade.
A boca dele podia chegar em cada pedacinho do corpo de uma mulher... Sua língua era quente e doce. O colo dele era acolhedor. Ele contava sobre o passado com tristeza e temia o que eu pensasse sobre ele. Charlie B. fez uma música para mim... Talvez duas, ou três.
O que aconteceu de tão errado com a gente para termos nos afastado deste jeito, “cantor de bar decadente”? Olhe onde você chegou, meu Charles... Subiu, devagar, mas está lá no alto.
Observei a foto dele num enorme outdoor, de mais de dez metros, ocupando grande parte da área externa do local. Semblante sério, como sempre. Olhos estreitos, sexys. Segurava a guitarra de forma firme. As mãos fortes, dedos finos e longos. A jaqueta de couro que lhe dava o ar ainda mais misterioso.
Ei, “el cantante”, eu guardei sua jaqueta. E aqui está a concha que você me deu, com as nossas iniciais.
Toquei o pingente, fechando os olhos e o vendo como ninguém mais o conhecia: meu Charles, que sorria, que fazia brincadeiras, que era romântico, que confessou seu amor por mim em dois dias e jurou que ficaríamos juntos.
Além da jaqueta, do pingente, eu tenho outra coisa sua, Charles. Olhei para nossa filha, comendo o seu cachorro-quente de forma educada, como Do-Yoon e Yuna a ensinaram. Senti uma lágrima teimosa descendo pelo canto do olho, morrendo no meu queixo... Me diga que vai amá-la tanto quanto a amo. Ela é a nossa melodia... Foi feita durante nosso ato de amor, enquanto eu lhe cantarolava sua melodia preferida: meus gemidos enquanto gozava nos seus braços, sob seu corpo suado e quente. Diga que não me esqueceu... Olhei nos olhos dele como se fosse real. Diga que vai me acolher, mesmo eu estando tão abaixo... Quase no chão.
Lembra da Champagne Vueve Chiqcuot? Eu não sei mais o que é isso... Eu não bebi mais tequila, porque tive medo de ficar no fundo do poço quando lembrasse de nós. Sempre que vejo um espumante, lembro da sua língua no meu corpo adocicado.
Eu deixei minha família, minha casa e tudo que eu tinha pelo que restou de nós: este serzinho perfeito, que tem cheiro de amor, que é esperta e ama animais. Ela sempre soube que você era o papai dela. Eu salvei duas fotos suas no celular... E ela cresceu as vendo. Tanto que o reconheceu... E como não? Afinal, você não mudou nada, meu amor. Um pouco mais magro, mas cada vez mais lindo.
Onde você este nestes cinco anos, Charles? Quem é você, Charlie B.? Você lembra do “el cantante e da garotinha”? Trago na memória sua fala de que este apelido seria só meu e seu.
- Mamãe? – Melody puxou minha mão, balançando meu braço, enquanto eu ainda observava a foto gigante do homem que mudou minha vida para sempre.
- Oi... – Desviei o olhar dele, mirando-a.
- Vamos entrar? Olhe o tamanho da fila... – Ela apontou.
Realmente a fila começava a ficar enorme. Fomos para o final, esperando nossa vez.
Os portões só abriram às 21 horas. E a entrada era lenta.
- Professora?
Olhei para o lado e vi Rachel, junto de uma aluna do segundo ano.
- Boa noite, meninas! – Sorri.
- Quem é? – Rachel olhou para Melody.
- Esta é minha filha, Melody. Medy, estas são minhas alunas: Rachel e Dafne.
Melody acenou para elas. Dafne sorriu para minha filha, enquanto Rachel me encarou:
- Gui sabe que você tem uma filha?
Gui? Eu havia esquecido completamente do “meu menino”.
- Sim... – Falei, confusa.
- Hum, então o relacionamento de vocês está além das paredes da escola?
- Como? – Perguntei, confusa.
- Gui? – Melody a olhou – Gui vai vir?
Rachel sorriu na minha direção, satisfeita com a reação da minha filha:
- Você terá problemas, senhorita Rockfeller. E não serão nada pequenos, acredite.
- Eu não sei do que você está falando. – A encarei, sentindo meu coração apressar a batida.
- Rachel, isso não é momento. – Dafne chamou a atenção dela.
- Senhorita Rockfeller curte Charlie B.? – Ela continuou.
Não respondi. Mas apertei a mãozinha pequena de Melody entre a minha, rezando para que ela não falasse mais nada.
Parecendo me entender, os olhinhos verdes fixaram nos meus, com um leve sorriso. Suspirei e o dedo polegar dela acariciou minha mão.
- Bem, precisamos ir, professora. Foi bom vê-la. – Dafne começou a puxar Rachel.
- Estamos indo, professora... – Rachel disse – Temos ingressos VIP... Neste caso, esta pulseira – ela mostrou – Nos dá direito a entrar no camarim depois do show.
- Como consigo uma destas? – Observei que as duas tinham as mesmas pulseiras nos pulsos, laranjas, com o nome de Charlie B.
- Esgotou em uma hora de venda – ela riu debochadamente – Mas sabe como é... Há coisas e lugares que só algumas pessoas podem ter. Isso inclui Charlie B. e Gui Bailey.
Ela saiu, puxada por Dafne, que soletrou um pedido de desculpas, num sorriso fraco e sem jeito.
- Não gosto dela. – Melody disse imediatamente.
- Acho que nem eu. – Olhei-a e comecei a rir, pegando-a no colo e aspirando o aroma do seu pescoço.
Sim, o cheiro da minha filha era meu calmante natural. Me fazia esquecer tudo... Inclusive o mundo e as pessoas cruéis à minha volta.
*Música: Uptown Girl
Cantada e composta por: Billy Joel.
Tradução: disponível no site Letras e músicas BR.