Capítulo 46
2350palavras
2023-02-08 10:04
Eu poderia me entregar àquele beijo, mesmo sabendo o quanto era arriscado. Mas não consegui. Porque eu não sentia Guilherme e sim Charles naquele momento. Minha mente enganava-me tanto que até o perfume barato de “el cantante” tomou conta do lugar.
Empurrei-o com certa dificuldade, os lábios dele me deixando vagarosamente, a sensação de querer seguir, mas o medo de as lembranças me deixarem ainda mais vulnerável.
- Não podemos, Gui... Não!

- Não me deixe assim... Eu estou completamente louco por você. – Os olhos dele brilhavam e meu coração parecia que sairia de dentro do corpo.
Desvencilhei-me dele e peguei minha bolsa, indo até a porta e abrindo-a, enquanto saía pelo corredor. Não havia nenhum estudante naquele andar. Desci as escadas sentindo o suor escorrendo pelas minhas costas enquanto ouvia os passos dele atrás de mim.
Assim que cheguei ao último degrau, ele pegou-me pelo braço:
- Você não pode negar que também me quer, Sabrina.
- Fale baixo, porra! – Olhei para os lados, temendo ser observada.
- A professora fala “porra” – ele sorriu de forma debochada, daquele jeito que me encantava e deixa-me sem chão – Eu gosto disso... Gosto muito.

- Deve ter câmeras por aqui, meu Deus!
- Não há, eu garanto. Tentaram colocar há um tempo atrás, mas os estudantes foram contra.
- Mas... E a segurança que elas trariam?
- Isso tira toda privacidade.

- E o que os pais acharam disso?
- Os pais fazem o que os filhos querem.
- Que mundo estamos vivendo! – Puxei meu braço e segui, com ele ainda atrás de mim.
- Um mundo onde o aluno se apaixona loucamente pela professora.
- Guilherme, tire isso da sua cabeça.
- Eu estou apaixonado por você, Sabrina.
- Por Deus, fala baixo.
- Então diz que vamos continuar o que começamos, em outro lugar.
- Não!
- Se não disser que nos encontraremos de novo, fora daqui, eu vou gritar para toda a escola que estou louco por você.
- Não... Você não faria isso. – Fiquei amedrontada.
- Eu faria qualquer coisa por você, Sabrina.
- Seu doido.
- Doido por você.
- Guilherme, por favor, me deixe em paz. Foi um erro... Um terrível erro.
Enquanto falávamos baixo, Sibila estava saindo da sua sala, encaminhando-se para o espaço onde os professores ficavam no intervalo.
Nos observou curiosamente, vindo em nossa direção:
- Tudo bem por aqui? – Sorriu.
- Sim... Eu... Estava explicando para Guilherme que acho que ele deve tentar um curso na faculdade que envolva as Ciências Exatas. Ele é muito bom na Matemática. – Inventei rapidamente.
- Já pensou no que fazer, Guilherme? – Ela o olhou.
- Estou levando em conta o que a professora Sabrina me disse... Afinal, ela é uma ótima profissional.
- Fico feliz que esteja gostando das aulas dela.
- Sim... As aulas dela são muito práticas. E isso nos faz aprender mais. São coisas que certamente usarei no dia a dia. – Ele riu, divertindo-se às minhas custas.
Cheguei a ficar trêmula, temendo que Sibila pudesse entender o que ele dizia nas entrelinhas.
- Que bom, Guilherme. Agora vá para o local do intervalo e deixe sua professora descansar.
- Claro! Bom intervalo, senhorita Rockfeller. Aguardarei ansioso para terminarmos a discussão sobre meu futuro.
Sorri, daquela forma nervosa, e segui para a sala dos professores.
Peguei Melody na escola e pedi uma pizza para o jantar. Sabia que ela não podia de viver de pizza, mas eu estava cansada demais para preparar algo mais saudável.
Meu pequeno docinho falava sem parar de como havia sido seu dia, mas eu não conseguia prestar atenção, porque minha mente estava ocupada demais.
- Quer dormir comigo esta noite? – Convidei.
- Você promete não me derrubar da cama?
- Bem... Eu vou tentar. – Comecei a rir.
- Então eu durmo com você. – Ela aceitou.
Deitamos juntas na minha cama e contei-lhe uma história antes de dormir. Assim que acabei, ela fechou os olhos e dei-lhe um beijo:
- Boa noite. Eu amo você.
- Também amo você, mamãe. Mas não estou dormindo... – Ela disse sem abrir os olhos.
- Não? Então o que está fazendo?
- Descansando meus olhos... Só isso... – Falou enquanto a respiração ficava mais fraca.
Alisei sua bochecha e percebi que ela já estava adormecida. Deitei e a puxei de encontro a mim, sentindo seu corpinho quente e macio. Melody tinha cinco anos e ainda exalava perfume natural de bebê. Ou seria simplesmente cheiro de filho?
- Eu acho bom você manter este cheiro, meu docinho. Porque seu pai precisa senti-lo... Não cresça tão rápido... Ele precisa vê-la assim, tão linda e perfeita, a cópia dele.
Ela virou-se para o outro lado e cobri-a até o pescoço. Medy não gostava de dormir comigo porque reclamava que eu ocupava muito espaço na cama.
Deitei no travesseiro e comecei a pensar em Guilherme e o que havia acontecido entre nós naquela manhã. Deus, eu estava louca! Aquilo não podia ocorrer. Era o meu emprego, o que colocava comida na minha mesa, alimentava a minha filha, lhe dava a oportunidade de frequentar uma boa escola e ter as coisas que ela precisava. Eu não podia ser tão inconsequente. Ele era um adolescente, mas eu não.
O relógio despertou duas horas depois que eu consegui pegar no sono. Sim, Guilherme havia tirado meu sono.
Embora eu sempre levantasse cedo, saía de casa às pressas.
- Mãe, tem que comprar comida para o hamster. Ele já comeu tudo que o Gui deu.
- Ok, a gente compra na volta. Você me lembra, ok?
- Está bem.
Joguei um punhado de comida para Solitário II e fomos correndo para o carro. Deixei Melody na escola e fui para a Escola Progresso.
Assim que cheguei, encontrei Sibila entrando em sua sala.
- Bom-dia, Diretora!
- Bom dia, Sabrina. Será que poderia descer logo depois que encaminhar uma atividade para sua turma? Eu preciso conversar com você e não dá para esperar.
Senti um frio na barriga. Eu estava fodida! Sabia que aquilo ia acontecer mais cedo ou mais tarde. E eu era culpada. Nem adiantava pôr a culpa no garoto. Deixei acontecer.
- Eu... Farei isso, sim. – Falei, subindo imediatamente.
Naquele dia eu não tinha aulas no terceiro ano, felizmente. E o fato de eu ser demitida não me faria envolver-me com Guilherme por não ser mais a professora dele. Nós dois... Simplesmente não podia acontecer. Porque Guilherme era um garoto.
Estava entrando na sala do primeiro ano quando o vi escorado na porta da sala do terceiro, mexendo no celular, com os pés cruzados, os tênis de marca estilizados.
O observei enquanto ele tirou os olhos do celular, me encarando. Eu deveria entrar na sala, mas fiquei um tempo ali, observando o garoto que me era proibido, mas ao mesmo tempo tirava meu sono e fez sentir-me viva depois de tantos anos.
Ele acenou e não disse nada. Retribui o aceno, sentindo meu coração bater mais forte e entrei na sala, fechando a porta.
Encaminhei os exercícios em dez minutos e desci, certa da minha demissão, com todas as minhas coisas já na bolsa, que levei comigo.
Bati na porta e entrei na sala. Sibila estava lendo alguns relatórios. Retirou os óculos vermelhos, com armação grossa, completamente harmonizados com sua roupa e pele e me encarou, fazendo sinal para eu sentasse.
- Quando decidi contratá-la, por indicação de Do-Yoon, confesso que não acreditei muito no seu trabalho. – Ela começou.
- Não? – Senti um nó na garganta.
- Achei você muito jovem para trabalhar aqui. E acreditei que lhe faltasse experiência.
Eu não disse nada, só fiquei olhando-a.
- Mas por consideração a Do-Yoon, optei por lhe dar uma chance.
- E eu... Agradeço. Desculpe se não correspondi às expectativas. Tentei dar o meu melhor, eu juro.
- Sim,... Eu sei. A questão é que vi desde o início seu esforço em prol da aprendizagem dos alunos e também sua boa relação com a maioria deles.
Arqueei a sobrancelha, curiosa e amedrontada.
- Hoje recebi algumas ligações, iniciando pela família de Guilherme Bailey...
- A mãe de Guilherme?
- Não... A avó. Disse que o neto está muito concentrado nos últimos dias, estudando com eloquência. E que inclusive tem planos para a faculdade. E afirmou que isso era por conta da professora de Matemática, pela qual ele tem uma carinho e respeito muito grandes.
Carinho, ok. Mas respeito? Gui não consegue me respeitar... Nunca conseguiu.
- Eu... Fico feliz em saber. Tenho tido algumas conversas com ele a respeito da faculdade... – Me ouvi mentindo descaradamente.
- A questão é que ela desligou o telefone e depois eu recebi mais exatamente três ligações de pais do terceiro ano também com intuito de elogiar a professora de Matemática.
- Isso é... Estranho. – Me ouvi dizendo.
- Achei também, inicialmente. Mas depois percebi que talvez você tenha feito a diferença na aprendizagem deles.
- Eu... Será? – Fiquei confusa.
- Conversei com o grupo que coordena o financeiro da escola e decidimos lhe dar um aumento de salário.
- Um... Aumento de salário? – Quase não acreditei.
- Sim. Você foi contratada não recebendo tanto quanto os demais professores, afinal, era uma iniciante. Mas seu contrato de experiência já está acabando, então creio que seja hora de deixá-la ainda mais satisfeita em trabalhar na Escola Progresso, contagiando mais e mais alunos na área da Matemática.
- Eu... Sou grata... Muito grata, Sibila.
- Seu próximo contracheque já virá com o valor que passará a receber.
- Obrigada...
- Agradeça aos seus alunos, minha cara. E continue fazendo a diferença na vida destas crianças. Agora pode ir.
- Obrigada mais uma vez.
Levantei e enquanto subia a escada, percebi o quanto eu estava sendo hipócrita. Sim, eu dava o meu melhor e até sabia que gostavam das minhas aulas e se interessavam por elas. Mas não podia fingir que aquilo não era coisa de Guilherme e sua liderança frente ao terceiro ano. Certamente convenceu seus amigos a convencerem os pais de que amavam minhas aulas.
O que ele queria de mim? Bem, na verdade eu sabia exatamente o que ele queria. E Sibila havia chamado eles de “crianças”. Se ela soubesse o que eu tinha feito com Guilherme Bailey dentro da sala de aula de terceiro ano, estaria desempregada. A notícia se espalharia. A avó dele quereria a minha cabeça. e eu nunca mais conseguiria emprego.
Precisava dar um basta naquilo, definitivamente. Meu emprego era o que eu tinha de mais importante naquele país e não podia perdê-lo. Eu não pretendia voltar a Noriah Norte nunca mais.
Dei minhas aulas e evitei o aluno do terceiro ano que tirava meu sono e sanidade.
Busquei Melody na escola e enquanto voltávamos para casa, ela disse:
- Mamãe, precisa comprar comida para o hamster.
- Eu vou comprar amanhã. Porque hoje a gente vai sair, docinho.
- Onde vamos?
- Jantar fora, só nós duas. Para comemorar.
- Comemorar o quê?
- Mamãe vai receber um aumento de salário.
- Isso é bom, não é mesmo?
- Sim.
- Podemos levar o hamster junto? Ele está com fome, eu acho.
- Não podemos... Não hoje. Amanhã eu juro que compro a ração dele. Me lembra, ok?
- De novo?
- Sim, mas eu vou comprar mesmo.
- Tá bom. Meu hamster não pode ficar com fome.
- Não mesmo. Mas ele não vai morrer de um dia para o outro. Eu vou pesquisar se ele gosta de vegetais ou frutas.
- Eu acho que ele pode gostar de pizza.
- Será?
Assim que chegamos em casa, tomamos banho juntas e escolhi um vestido rodado, rosa, cheio de laços, que ela adorava usar.
Enquanto eu me arrumava, ela girava feliz, olhando-se no espelho:
- Mãe, você acha que eu estou linda... Ou muito linda?
- Bem... Na minha opinião você está muito linda.
- Você acha que meu pai vai gostar de me ver com este vestido?
Senti meu coração acelerar e respirei fundo:
- Eu tenho certeza de que seu pai vai gostar de vê-la de qualquer jeito, docinho. Charles vai amá-la imediatamente... Assim como eu a amei...
- Quando me viu do tamanho de uma sementinha. – Ela completou.
- Exatamente.
- Dai você se apaixonou por mim, não é mesmo?
- Sim... – Comecei a rir enquanto a pegava no colo para descermos.
- Você está cheirando bem, mamãe.
- Hum, e olha que não é meu aroma preferido.
- Qual é o seu preferido?
- É o seu cheiro. Cheiro de docinho da mamãe! – Comecei a enchê-la de beijos, manchando o rosto dela com meu batom.
A pus no carro, afivelando o cinto e verificando se estava seguro. Enquanto me dirigia para o banco do motorista, perguntei:
- O que vamos comer?
- Comida. – Ela riu divertidamente.
- Engraçadinha.
Liguei o carro e segui em direção ao centro de Noriah Sul:
- Prefere pizza, massas ou hambúrguer?
- Qualquer um... Mas podemos convidar meu pai para comer junto? Você disse que ele vai gostar do meu vestido... Eu quero mostrar para ele que gira muito.
Agora o meu coração partiu em mil pedaços e estilhaçou no chão e os olhos lacrimejarem:
- Medy, você sabe que não dá... Sei que fez a cartinha, mas ainda é cedo para o Papai Noel realizar desejos.
- Eu acho que ele veio mais cedo para mim, mamãe. Porque certamente no dia do Natal vai estar muito ocupado.
- Medy... Entenda que nem sempre Papai Noel pode dar o que a gente pede.
- Eu gostaria muito de jantar com meu pai. – Ela lamentou, com a voz chorosa.
- Eu também, meu docinho. Era o que eu mais quereria, no mundo todo.
- Então vamos até o Ginásio de Esportes de Noriah Sul e chamá-lo para comer conosco.
Eu ri:
- Por que no Ginásio de Noriah Sul?
- Porque é lá que ele vai se apresentar hoje à noite, cantando a música da Garota Riquinha.