Capítulo 42
2004palavras
2023-02-08 10:02
Entreguei Melody para Yuna, com a mochila pronta para a aula à tarde. Combinamos que eu as encontraria no parque, quando saísse da escola.
Subi e tomei um banho tranquila, já que não precisava ficar de olho em Melody. Troquei-me e fiz um chocolate quente para ir bebendo no caminho. Quando cheguei na sala, vi um gato sobre a mesa, ao lado do aquário. E nem sinal de Solitário.
- Seu malvado... Comeu um peixe inofensivo... Gatuno! Vou processá-lo.
Ele balançou o rabo e foi lentamente para a janela, saindo sem pressa, pouco se importando com minhas palavras.
Fui até o aquário vazio, sentando no sofá, desolada:
- Deve ser uma sina que eu tenho com animais. Isso não pode ser real. Medy vai se sentir triste. Morreram dois animais em menos de quarenta e oito horas.
Fechei o vidro da janela e saí, sentindo-me péssima. Vi o gato entrando na casa ao lado, sem ter certeza se era o lar dele ou estava indo terminar o desjejum com outro animalzinho indefeso.
Quando cheguei na Escola Progresso, encontrei Do-Yoon na sala dos professores.
- Vi Medy hoje cedo. Estava falando sem parar com Yuna. – Ele riu.
- Yuna quis passar a manhã com ela.
- Não tem ideia do quanto sentimos falta dela.
- Tenho ideia sim, Do-Yoon.
- Ela me contou sobre a tartaruga.
- Eu... Sinto muito. Fui tão esquecida.
- Medy entendeu.
- A questão é que eu comprei um peixe para ela, ontem. E um gato acaba de comê-lo, inteiro... Não deixou nada. O aquário está lá... Vazio.
- Nossa, parece um carma! Talvez deva mandar fazer uma limpeza na casa, com ervas. Ou jogar coisas velhas fora... Pois trazem azar.
- A coisa mais velha que tem na casa sou eu. Tudo foi comprado novo.
- Se você, com 23 anos se considera velha, o que sobra para mim.
- Bom dia. – Cumprimentou a mulher, que pelo olhar sobre Do-Yoon já imaginei ser Lianna.
- É ela? – Perguntei, baixinho.
- Sim. – Ele confirmou, corando imediatamente.
- É bonita. Como foi o jantar?
- Foi bom... Acho que vou falar com os pais dela amanhã.
- Como assim? – Arqueei a sobrancelha.
- Já nos encontramos. Vou pedir a mão dela.
- A mão dela? Isso...
Ouvimos o sinal tocando e todos os professores saindo da sala.
- Não pode fazer isso... Não deve pedir a mão. – Falei baixinho enquanto saía.
Olhei minha grade de horário e respirei fundo ao ver que era novamente o terceiro ano. Foi a turma que mais mexeu comigo. Nas demais, havia sido tranquilo.
Subi as escadarias e assim que entrei na sala, os jovens estavam todos sentados sobre as carteiras, conversando animadamente.
Cumprimentei e pus meu material sobre a mesa e eles seguiram o que estavam fazendo, fingindo não notar a minha presença. Procurei Guilherme e não o vi por ali. Não sabia se aquilo era bom ou ruim.
- Pessoal, vamos começar a aula, por favor?
Me ignoraram por completo. Rachel estava sentada de frente para o encosto de uma cadeira, de saia e com as pernas completamente aberta em direção aos colegas.
Deus, o que eu faço? Lembrava que Sibila havia dito que não deveria ir contra eles. Isso significava que se não quisessem assistir aula não o fariam?
A porta se abriu e Guilherme entrou, com a mochila nas costas. Nossos olhos se encontraram e houve um breve silêncio na sala com a presença dele.
Veio até minha mesa e entregou-me um bilhete, com o horário que havia chegado na escola e a autorização para entrar.
- Por acaso estava me esperando para começar a aula? – Ele arqueou uma sobrancelha, inquisidor e ao mesmo tempo com um sorriso debochado.
- Não... Na verdade, estava esperando seus colegas perceberem que cheguei.
- E não perceberam? – ele me olhou dos pés a cabeça – Eu percebo você, professora Sabrina. Sua presença é totalmente relevante e indispensável nesta escola.
Senti meu coração disparar e não falei nada. Ele virou-se e sentou na primeira classe, de frente para o quadro.
- Quero assistir a aula de Matemática. – Falou em tom de voz alta, sem olhar na direção dos colegas, enquanto abria a mochila e retirava seu material.
Incrivelmente a conversa foi diminuindo e todos sentando, como se ele fosse o diretor, a pessoa que comandava tudo.
Aspirei o ar profundamente, tentando me acalmar. Eu não o olhava, mas percebia o olhar dele sobre mim. E por incrível que pareça, era como se minha pele queimasse. Por mais que eu tentasse agir normalmente, não conseguia.
Meus movimentos ficavam mais leves e de certa forma sensuais, mesmo eu não querendo. Era como se meu corpo não me obedecesse.
- Hoje vamos estudar a Geometria analítica.
- Estou louco para analisar isso, professora. – Guilherme gracejou e todos riram.
- Que bom que está interessado, Guilherme. Quero ver sua nota depois.
- Vai ser a melhor. – Afirmou.
Enquanto eu explicava o conteúdo, meu celular começou a tocar. Ignorei a ligação e segui. Mas tocou novamente.
- Professora, você não vai atender? – Guilherme perguntou.
- Não... Eu... Esqueci de desligar.
Fui até o telefone, dentro da bolsa e ia desligar quando vi o nome de Yuna. Sabia que Melody estava com ela e me preocupei:
- Vocês me desculpem, mas... É minha filha. E pode ser algo sério. – Expliquei, aceitando a ligação.
- Mamãe?
- Medy? Está tudo bem?
- Eu esqueci de alimentar o peixe.
Senti uma tranquilidade tomar conta de mim, ao mesmo tempo que fiquei furiosa por ela ter me ligado para falar sobre aquilo:
- Medy, estou no trabalho.
- Desculpe, mamãe.
- Eu... Preciso desligar.
Todos me observavam. Voltei à explicação, enquanto me peguei pensando em como dizer à ela que Solitário estava morto... E que nem poderíamos enterrá-lo junto de Tuga, já que ele estava na barriga do gato do vizinho.
Quando terminei a explicação, passei alguns exercícios na lousa e sentei-me até que terminassem. Não demorou muito e senti o perfume do adolescente com os olhos cor de mel, a pele clara e os cabelos castanhos escuros.
Levantei o rosto na direção dele e fiquei a pensar se ele tinha barba ou fazia tão bem-feita que deixava seu rosto completamente liso.
Peguei o caderno dele e comecei a olhar as contas, todas corretas.
- Você é casada? – Ele perguntou.
- Não. – Me ouvi dizendo.
- Não percebi aliança no seu dedo.
- Eu posso ter alguém e não usar uma aliança. Aliás, é uma mera joia, não tem significado algum.
- O que sua filha queria?
- Isso é pessoal.
- Sabe que eu a ajudei agora pouco. Eles não parariam se eu não pedisse.
- A professora aqui sou eu.
- É a professora, mas não a autoridade.
- Estou aqui só para dar a minha aula.
- E eu para terminar esta porra de Ensino Médio.
Olhei na direção dele:
- Não pode falar palavrões.
- E desde quando porra é um palavrão?
Juro que ouvi a voz de Charles naquele momento. Senti um frio na espinha e meu corpo amolecer completamente.
- Você está bem? – Ele abaixou-se, aproximando-se ainda mais de mim.
- Sim... Estou... – Menti, balançando a cabeça.
Guilherme pegou o caderno e falou:
- Desculpa.
- Está... Desculpado.
Enquanto ele voltava para o lugar, percebi vários olhares na minha direção, curiosos.
Levantei e disse:
- Bem, eu vou compartilhar uma situação com vocês. Ontem eu dei um peixe para minha filha. Ela amou. E hoje... Quando eu estava saindo para vir para cá, vi um gato ao lado do aquário e nem sinal do peixe beta. Ou seja...
- O gato comeu o peixe, professora. – Um dos alunos falou.
- Sim... E agora não sei como contar para ela. Já tivemos uma perda recente... No caso, uma tartaruga.
- Sua casa é um Zoológico? – Rachel debochou e alguns riram.
- Quantos anos ela tem? – Guilherme perguntou.
- Cinco... Segundo a contagem ocidental.
- E na oriental?
- Faz seis em breve.
- No ano novo chinês. – Ele me surpreendeu novamente.
- Sim...
- Compra um peixe novo e ponha no aquário antes de ela chegar em casa. Peixes betas são todos iguais. Ela não vai perceber. – Guilherme sugeriu.
- É... Uma ótima ideia. Obrigada. – Sorri, visualizando uma alternativa.
- Quantos anos você tem, professora?
- Segundo a contagem oriental ou acidental? – Questionei-o, ironicamente.
- Gui?
Ele virou-se para Rachel, que arremessou uma régua na direção dele. Infelizmente ela mirou muito bem e pegou no supercílio do garoto, cortando.
Vi o sangue escorrendo e peguei a régua metalizada na mão. Olhei para ela, que já estava ao lado dele:
- Gui, perdão! Eu não queria machucar. Era só uma brincadeira, eu juro.
Ele retirou a camiseta e pôs sobre o corte, tentando estancar o sangue.
- Rachel, venha comigo agora! – quase gritei – Guilherme, venha também. Vou levá-lo até a enfermaria.
Os dois levantaram e abri a porta. Eles passaram na frente, sabendo exatamente onde ficava cada lugar naquele prédio. Enquanto descíamos as escadas, observei as costas dele, fortes, bem definidas, lisas. Me deu vontade de tocar para me certificar de que era enrijecida. A calça jeans clara estava com a cintura envolta num cinto marrom desgastado propositalmente. Parte da cueca branca estava aparente. O tênis de marca mostrava sua boa condição social.
Ele parou num dos degraus de repente e virou na minha direção, surpreendendo-me enquanto eu o analisava minuciosamente.
Percebi Do-Yoon vindo. Assim que se deu em conta de que era eu, ele se encaminhou até nós:
- O que houve? – Olhou-me, inquisidor.
- Rachel arremessou uma régua de metal na direção dele... E cortou.
Ele retirou a camisa, mostrando o ferimento.
- Foi no supercílio. Sangra bastante mesmo. Venha, vou levá-lo para a enfermaria.
- Não... A professora me leva. Afinal, deixou que isso acontecesse na aula dela.
Olhei-o, amedrontada. Só faltava agora ele me culpar pelo ocorrido. Eu precisava daquele emprego.
- Rachel, não deveria ter feito isso. – Do-Yoon falou.
- Foi sem querer. Eu amo Gui e todos sabem disso. Fiquei enciumada.
- Enciumada? – Guilherme perguntou furioso.
- Porque você fica dando em cima da professora nova.
Do-Yoon encarou-me e disse:
- Vou levá-la para conversar com Sibila, Rachel. A enfermeira está num curso de primeiros socorros. Mas há tudo que precisa na sala, Sabrina. Se não conseguir fazer um curativo, me chame.
- Ok.
Guilherme seguiu até o último degrau e foi pelo corredor. Eu fui atrás dele, pois não lembrava onde era a Enfermaria.
Assim que ele parou em frente a sala com uma porta de vidro jateado, branco, eu a abri com a chave mestra. Havia duas macas perfeitamente cobertas com plástico resistente e uma mesa pequena, branca, com cadeira confortável, contendo blocos e cadernos. Um armário descrito como “Primeiros Socorros” foi o que abri. Peguei um antisséptico, gaze e um soro.
Ele estava sentado sobre a maca, os pés descansando na pequena escada.
- Deixe-me ver o ferimento. – Pedi.
Ele retirou a camiseta branca, toda manchada de sangue. Fui até a mesa e pus uma luva.
- Acho que você é muito azarado – observei – Quem se fere deste jeito com uma régua?
- Sou azarado porque Rachel me persegue. E talvez isso não acabe nunca.
- Já conversou com ela a respeito? – Perguntei, enquanto limpava o ferimento com a gaze e o soro.
- Estou numa fase que não quero mais falar com ela, porque definitivamente não resolve de nada.
O sangue continuava a sair, porém o corte era pequeno, embora um pouco profundo.
- Feche os olhos. Vou passar o antisséptico.
Ele obedeceu. Passei delicadamente o medicamento e ele comprimiu os lábios, certamente sentindo dor.
A pele dele era lisa e os lábios grossos. Me peguei umedecendo os meus próprios lábios quando ele abriu os olhos, me surpreendendo.