Capítulo 41
2159palavras
2023-02-08 10:01
Assim que entrei na sala do terceiro ano, tentei transparecer segurança... Uma segurança que eu estava longe de sentir.
Esperava uma algazarra e crianças. Mas me deparei com rostos sérios e garotos e garotas que não pareciam ser tão mais velhos do que eu.
- Bom dia. – Cumprimentei.
- Você pode sentar aqui do meu lado. – Ouvi a voz do garoto com olhos cor de mel, cabelos castanhos e um sorriso simplesmente incrível.
Nos encaramos um tempo. Meu coração bateu tão forte que senti que todos perceberam. Eu só tive aquela conexão uma vez na minha vida, com um olhar que parecia desvendar não só meu corpo, mas também a alma. Depois de anos eu consegui ver “El cantante” na minha frente e toda sua alegria e sarcasmo. Flashes do passado me tomaram de surpresa, trazendo a moto, a praia, o sexo sobre a mesa, no corredor do Cálice Efervescente, o olhar verde esmeralda nos meus, a música do reencontro, o estranho na “nossa” casa, a jaqueta de couro, o papel dentro do bolso...
- Ninguém avisou que tinha aluna nova. – Falou a garota sentada próxima do menino.
- Eu... Não sou a aluna nova. Sou a professora de Matemática de vocês. – Falei, tentando voltar do passado, sentindo meu corpo trêmulo e a vontade de sair correndo dali, procurando novamente por um homem que sumiu, desapareceu, sem deixar rastros.
- Seja bem-vinda, professora! – O garoto disse surpreso, com um sorriso sarcástico, os olhos me desnudando sem tentar disfarçar.
Todos começaram a rir da forma como ele falou, percebendo a luxúria nos seus olhos. Tentei fingir que não estava me importando:
- Sou Sabrina... Rockfeller. – Me apresentei.
- Sou Gui Bailey. – Ele levantou a mão, fazendo uma contingência, debochado, o meio sorriso dissimulado.
- É um prazer conhecê-lo, Guilherme Bailey. Se gosta de Matemática, creio que vamos nos dar bem.
- Não gosto de Matemática. Na verdade, detesto. Mas confesso que posso começar a gostar a partir de agora... A professora me agrada... Muito.
- Fico feliz em saber. – Fingi não perceber o tom das palavras dele.
Sim, eu tentei dar aula. Mas não houve uma vez sequer que não me senti observada por ele, os olhos me comendo viva. E das vezes que olhei em sua direção, os olhos mel estavam sobre mim. Quase seis anos depois do meu relacionamento de amor conturbado com “el cantante” e meu coração voltava a bater de novo, de um jeito diferente.
Quando deu o sinal, estava a guardar meu material enquanto os alunos iam saindo da sala. Fingi não ver quando ele pôs as duas mãos sobre a minha mesa, mostrando a altura exagerada, os braços fortes demais para o corpo magro, mas bem definido.
Fechei a bolsa e o encarei:
- Precisa de algo, senhor Bailey?
- Senhora Rockfeller, eu não entendi a matéria.
Suspirei, pensando no que dizer:
- Posso revisar na próxima aula... Está bom para você?
- Pode me chamar de Gui. Não sou um “senhor”.
- E você siga me chamando de senhora Rockfeller, por favor.
- Mesmo não sendo uma senhora?
- Eu sou uma senhora. – Afirmei.
- Não, não é... Você é uma gostosa. – Ele disse saindo, sorrindo, os lábios carnudos debochados, as sobrancelhas grossas e bem definidas.
Respirei fundo e disse para o meu coração não me trair. “É só um garoto, Sabrina. Isso deve ser a sua falta de sexo gritando.” Sim, senti minha intimidade encharcar-se enquanto olhava a bunda dele. Era redonda como a de Charles. Dava vontade de apertar.
Ah, Deus, eu sou uma tarada. Uma pedófila. Uma...
- Ele é meu. – Ouvi alto e claro a voz da garota loira, de olhos claros.
- Senhorita Roberts, exijo respeito.
- Então se dê ao respeito. – Ela foi enfática.
A encarei e ela foi firme:
- Gui e eu somos namorados.
- Eu fico feliz por vocês.
- Ele dá em cima de qualquer mulher.
- Eu sou a professora dele... E sua. Guilherme vai ter que me respeitar, assim como você.
- O corpo dele é perfeito sim... E ele faz sexo como ninguém. A questão é... Não vai fazer com você.
- Rachel! – Falei seriamente.
- Vai fazer o que? Chamar a minha mãe? – Ela riu.
- Tenha um bom dia e até a próxima aula. Caso tenha dúvidas sobre a matéria, assim como seu colega, por favor, avise que retomo.
Dizendo isso sai, deixando-a sozinha na sala.
Assim que cheguei no corredor, Guilherme estava escorado na parede, com as mãos nos bolsos:
- Ela não é minha namorada.
- Pouco me importa. – Falei, saindo, enquanto ele tentava me alcançar.
- A questão é que ela não aceita o término.
- Não sou psicóloga, sou professora. Resolvam esta questão com a senhora Taylor.
- Eu realmente tenho dificuldade em Matemática.
- Como eu lhe disse, tiro suas dúvidas na próxima aula. Agora, se me der licença... Eu tenho outra turma para dar aula. – Parei e o encarei, tentando encerrar a conversa.
- Até a próxima aula, professora Sabrina.
- Senhora Rockfeller, por favor.
- Sabrina. – Encurtou a inda mais.
Balancei a cabeça e saí, sem olhar para trás, sentindo o olhar dele sobre mim, um frio percorrendo meu estômago.
Peguei Melody na escola, o que eu não fazia há muito tempo. Assim que me viu, ela correu, pulando no meu colo:
- Mamãe, você vem me buscar sempre agora?
- Sim. E adivinha?
- O quê?
- Eu tenho uma surpresa no carro.
- Adoro surpresas de mamãe.
- Eu sei. Mas quero muitos beijos.
Ela começou a me beijar demoradamente, enquanto me apertava contra si. Assim que a pus na cadeira de contenção, lhe entreguei o peixe beta num vidro redondo transparente, nadando em círculos.
- Um peixe! – Ela sorriu.
- A parte boa é que ele não precisa de sol.
- Então não vai morrer queimado.
- Exatamente.
- Eu gostei, mamãe.
- Fico feliz.
- Ele vai se chamar Solitário.
- Que nome triste.
- Mas ele é Solitário... Como você.
- Eu não sou solitária – contestei – Eu tenho você.
- Mas precisa de um namorado. A mãe da minha amiga Tess se separou do pai dela e arranjou um namorado. A Tess me disse que ele é legal e eles saem pra comer pizza.
- Hum, você quer é comer pizza, estou certa? Podemos fazer isso só nós duas.
- Não... Hoje não dá. Eu preciso cuidar do Solitário... E dar uma flor para a Tuga. – Ela abriu o bolso da mochila e pegou uma flor de papel.
- Que flor linda.
- Eu que fiz... Com giz de cera.
- Tuga vai gostar... Muito.
- Mamãe, por que você não namora com Do-Yoon?
Me engasguei com a saliva e comecei a tossir. Deus, aquela menina acabava comigo.
- Do-Yoon é meu amigo. Não posso namorar com ele. Além do mais... Eu amo o seu pai. E sei que nós vamos encontrá-lo um dia. Ele precisa saber que temos a filha mais linda do mundo.
- Que tem os olhos iguais aos dele.
- Exatamente... Os mais lindos.
- Acha que ele vai gostar de mim?
- Claro que sim... Você é a nossa melodia.
- Mamãe, eu amo você.
- Não... Eu que amo você.
- Acha que algum dia nós três vamos ficar juntos?
- Eu tenho certeza... – Limpei a lágrima que caiu, sem pedir permissão.
- Podemos passar o Natal com ele?
- Mas... – suspirei – O Natal é logo.
- É que eu já fiz minha cartinha para o Papai Noel. E pedi para passarmos o Natal com o meu pai.
Deus, já que nunca me ouviu, ouça pelo menos o pedido deste anjo. Ela só quer conhecer o pai... E eu só quero reencontrá-lo.
- Acho que você deve pedir para o Papai Noel para encontrá-lo também, mamãe. Então ele vai ver que isso é um pedido muito sério.
- Eu... Vou pedir. Mas mais perto do Natal. Porque agora ainda é muito cedo. Não quero me antecipar muito com o pedido... Até porque ele já sabe, visto que peço há cinco anos a mesma coisa.
Chegamos em casa e pedi uma pizza enquanto seguia desencaixando coisas que estavam pela casa, entre móveis e utensílios novos que comprei para mobiliar nosso espaço de acordo com os gostos meus e de Melody.
Pusemos a flor de papel no lugar onde Tuga estava enterrada e depois mandei Melody tomar banho. Trouxemos os brinquedos dela para o andar de baixo, para que eu conseguisse repará-la enquanto seguia minha organização que não tinha fim.
Estava atenta à conversa dela com as Barbie’s e Ken’s. Quem ouvisse da rua acharia que tinha umas três crianças brincando naquela casa, de tanto barulho que ela fazia, imitando vozes enquanto gritava em alguns momentos.
- Eu quero sentar à mesa. – Ela imitou uma voz fina.
- Não, você não vai sentar à mesa conosco. – Agora a voz masculina.
- Mas eu quero.
Observei a Barbie morena tentando sentar à mesa onde estava um Ken e mais duas Barbies, uma loira e a outra com cabelos vermelhos, pintados de canetinha.
- Você vai comer na rua. Não poderá sentar-se à mesa com a gente.
Achei muita crueldade o que eles estavam fazendo com a Barbie. Parei e perguntei:
- Medy, por que eles não a deixam sentar à mesa? Coitada... Só quer comer acompanhada.
- Não dá, mamãe... Ela é lésbica.
Engoli em seco. Como assim? A minha filha só tem cinco anos. Não basta o fato de usar a palavra “lésbica”, ela ainda está agindo de maneira discriminatória e preconceituosa.
- Mas... O que é lésbica? – Me fiz de desentendida.
- Como assim? Você não sabe? – Ela seguiu com a Barbie “lésbica” na mão, enrugando a testa, apavorada que sua mamãe não sabia o que significa aquilo.
- Bem... Eu quero saber o que você entende por isso.
- Lésbica é alérgica à leite. – Ela seguiu brincando, sem importar-se muito com minha interferência.
Charles, como vou fazer para tomar conta desta menina sozinha? Ela simplesmente me surpreende o tempo todo. E cada dia que passa, sinto mais pelo tempo que você está perdendo ao lado dela.
- Medy, precisamos falar sobre o que é ser “lésbica”...
A campainha tocou e fui pegar a pizza. Enquanto arrumava a mesa, com dois pratos perdidos em uma caixa, pus o aquário redondo com o peixe beta próximo da janela da sala.
- O que acha de Solitário ficar por aqui?
- É longe de mim... Mas fica legal porque ele enfeita a nossa sala. – Ela riu, ponto a Barbie “lésbica”, que no caso era “alérgica a leite”, junto dos demais na mesa.
Enquanto eu abria a caixa, ouvi ela cantando baixinho:
“Garota riquinha
Ela vive em seu mundo elegante
Aposto que ela nunca teve um homem simples
Aposto que sua mãe nunca lhe disse o motivo
Vou tentar conquistar uma garota riquinha”...
- O que falamos sobre esta música? Não é para crianças.
- Nós cantamos esta música hoje na aula. A professora deixou.
- Como assim? Não é uma música infantil.
- Ela disse: “Ah, meu Deus, já que vocês insistem nesta música, vamos cantar.” – Sorriu divertidamente, fechando os olhos.
- Eu vou ouvir esta música... E ver de onde você está tirando estas coisas.
- Da escola – ela balançou a cabeça afirmativamente – Você disse que a escola nos ensina coisas boas.
- Mas neste caso, não me parece ser...
- Ah, mamãe, todo mundo canta.
- Típico refrão de cantores de uma música só.
- Minha professora disse que o cantor é muito bom. E ouvi ela dizendo para a professora de informática que a outra música é melhor ainda.
- O que estas professoras fazem, afinal?
- Falam sobre o cantor da música da Garota Riquinha? – Ela ergueu os ombros.
Vi ela dar uma mordida enorme na pizza e disse:
- Hum, está com fome?
- Sim... E que bom que não sou alérgica a leite, como a Barbie.
- Sim, muito bom.
- Porque se eu não pudesse comer queijo e chocolate, eu ficaria muito triste, mamãe.
- Eu também.
Brindamos com nossas xícaras cheias até em cima de chocolate quente. Sim, éramos mãe e filha que comiam pizza com chocolate quente.
No dia seguinte acordei com uma ligação de Yuna.
- Yuna? Aconteceu alguma coisa? – Sentei na cama, preocupada, tentando me localizar no horário.
- Não, não aconteceu nada. Mas eu vou ficar em casa hoje, pois vou ter uma folga. Será que poderia passar a manhã com Medy? Depois do almoço eu a levo à escola.
- Ah, você me assustou. Pode sim. Vou chamar Medy e você precisa vir buscá-la porque saio dentro de quarenta minutos.
- Estou saindo de casa.