Capítulo 40
1992palavras
2022-12-13 12:23
Preferi não perguntar ou confessar que não havia entendido. Eu precisava muito daquele emprego. Eu queria e precisava ser professora ali.
- Será sua primeira experiência dando aula para uma turma inteira?
- Na verdade, não. Eu já dei aulas em cursinhos preparatórios.
- Sala cheia de adolescentes, com hormônios saindo até pelas janelas?
- Não... – Não consegui evitar o riso.
- Então se prepare. Eles não são fáceis. As famílias deles não são fáceis. Mas pagam nossos bons salários.
- Sim, entendo. Sou capaz de trabalhar com adolescentes da classe alta... – Eu já fui uma, pensei.
- A vaga é para o turno da manhã e tarde... Há alguns dias sem aula neste cronograma, mas ainda é preciso verificar a grade de horários para lhe dar certeza.
- Nossa, seria excelente. Um tempinho a mais para ficar com minha filha.
- Tem uma filha? Quantos anos?
- Fez cinco há menos de um mês contando o nosso calendário. Conforme o chinês, ela já fará seis.
- Ótima fase, não é mesmo? – Ela sorriu.
- Sim... Acho que a melhor. Ela ainda me deixa um pouco desnorteada com os porquês... Mas confesso que amo.
- Tenho uma menina também... Mas já tem vinte. Tenho saudades de quando ela era só minha. Agora a divido com o mundo... E o namorado.
- Nem quero pensar nisso... Sou extremamente apegada à minha.
- Ela vai gostar de ter a mãe mais tempo por perto.
- Você fala como se... A vaga fosse minha.
- Mas é – ela arqueou a sobrancelha – Achei que tinha deixado claro.
Minha vontade era gritar e enchê-la de beijos. Mas tentei me conter para não passar por louca e perder o emprego sem nem começar, como acontecia no meu passado.
- Fico grata. – Falei com a voz fraca, contendo todas as minhas emoções.
- Poderia começar amanhã?
- Amanhã? – Fui pega de surpresa.
- Poderia usar o restante do dia para fazer os exames admissionais e amanhã já estaria apta a iniciar seu trabalho na Escola Progresso.
- Eu posso começar sim.
Ela levantou-se:
- Vou lhe mostrar a escola.
Senti meu coração dando saltos dentro de mim. Não acreditava que tinha conseguido. Nem na próxima encarnação eu teria como pagar Do-Yoon por tudo que ele havia feito por mim.
Sibila me acompanhou em todos os espaços de aprendizagem da escola. A parte térrea era composta pela Secretaria, Biblioteca, Laboratórios, Supervisão, Direção, Psicologia, Estudos de Reforço escolar e um grande auditório. O piso superior abrigava as salas de aulas, todas amplas e bem arejadas e iluminadas.
A parte externa era aberta, sem qualquer tipo de muro ou grade. Nos fundos tinha uma espécie de ginásio coberto, com quadras poliesportivas. E também um gramado para prática de esportes.
Terminamos o tour já era próximo do meio dia. Eu estava cansada, mas ao mesmo tempo impressionada com tudo que aquela escola oferecia.
- Temos laboratório de Ciências Exatas também. – Ela disse.
- Nossa... Isso é ótimo.
- Pode usar sempre que quiser. Mas os professores que vão à sala dos alunos. Eles, no caso, permanecem em seus espaços.
- Certamente escolha deles. – Afirmei, certa de que a resposta seria sim.
- Sim. – Ela sorriu.
- Eu agradeço por tudo, senhora.
- Sibila, por favor. Seremos colegas a partir de amanhã. – Ela sorriu simpaticamente.
- Sibila... – corrigi-me – Obrigada pela atenção e pela confiança.
- Se Do-Yoon confia em você, eu também confio.
Ok, ficou claro que Do-Yoon era muito conceituado naquele espaço escolar. E eu sempre soube que ele era um excelente profissional. Eu até já conhecia alguns alunos, porque o ajudava a corrigir provas.
Comi algo dentro do carro, enquanto dirigia para cada lugar indicado para fazer os exames. Sabia que valia a pena todo e qualquer sacrifício.
No final da tarde fui até a casa de Yuna e Do-Yoon buscar Melody.
Assim que retirei meus calçados para entrar, Melody já estava pondo os dela:
- Tudo isso é pressa para ir para casa? – Perguntei.
- Sim... Estou com saudades da Tuga.
Tuga? Sim, Tuga! Eu... Lembrei de tê-la posto no quintal para pegar um solzinho... De quarenta graus. Mas não me recordava de pô-la para dentro.
- Jantam conosco? – Yuna convidou.
- Não... Medy está ansiosa demais para voltar para casa.
- Casa nova. – Ela sorriu, já pronta ao meu lado na porta, me dando os braços para ganhar colo.
A ergui junto a mim e enchi de beijos. Ela usava meu perfume favorito: cheiro de filha.
- Você conseguiu o emprego, mamãe? – Ela perguntou, os olhinhos fixos nos meus.
- Deixe-me ver... – fiz um teatro – Sim! – Gritei.
Ela grudou os bracinhos em torno do meu pescoço, apertando com força:
- Estou feliz, mamãe.
- Eu também.
- Nossa... Isso é ótimo, Sabrina.
- E não é? Do-Yoon está? Quero agradecê-lo.
- Não. Ele foi jantar... Fora.
- Com quem?
- Parece que a tal Lianna convidou-o.
- Não acredito! – Ajeitei Melody no meu quadril, para que ficasse mais confortável.
Yuna pôs meus sapatos, para que eu não precisasse largar minha filha.
- Sim, a mulher foi corajosa.
- Depois de tantos anos, eu teria feito o mesmo. – Comecei a rir.
- Agora só falta tia Yuna e mamãe arranjarem um namorado. – Melody disse.
- Não existe um homem no meu patamar, acredite. – Yuna riu.
- Patamar? O que é patamar? – Melody já começou a perguntar.
Revirei os olhos e interrompi a explicação de Yuna, que costumava ser muito longa e teórica:
- Estamos indo, Yuna. Depois ligo para Do-Yoon para agradecer.
- Não esqueça de explicar para ela o que é patamar. – Ela disse, preocupada que eu não fosse tirar a dúvida da pequena.
- Não vou esquecer... Não se preocupe. Ela não me deixa esquecer de nada.
- Mamãe não vem neste final de semana. Parece que os Rockfeller precisarão dela. Estão organizando as festas de final de ano.
- Três meses antes? Coisa de quem não tem o que fazer. – Observei.
- O que não é o nosso caso. – Yuna deu um beijo em Melody e nos acompanhou até o carro.
Pus Melody no banco de trás, na cadeira de segurança e levantei, encarando Yuna e seu belo rosto iluminado pela luz do poste:
- Amanhã eu mesma pego ela na escola.
- Estou feliz por vocês, Sabrina.
- Obrigada por tudo, Yuna. Se não fossem vocês eu jamais teria conseguido.
- Sim, teria. Porque você sempre esteve disposta a crescer. Foi mérito seu.
- Não sozinha. – A abracei.
- Vou sentir saudade de Medy.
- Acho difícil a gente não se falar todos os dias... Ela não vai aguentar não contar como foi o dia para vocês.
Entrei no carro e acenamos para ela enquanto íamos para casa, finalmente.
- Banho e cama quando chegar. – Avisei.
- E chocolate quente.
- Chocolate quente é quase mais importante que o banho. – Comecei a rir.
- Também acho.
- Como foi seu dia? – Perguntei.
- Foi bom.
Liguei o rádio, mas não pegou nenhuma estação:
- Droga de carro. – Reclamei.
- Ele vai ficar chateado, não faz isso.
- Ok, desculpe carro. Mas bem que você poderia tocar uma música para relaxarmos...
- Eu canto. – Ela ofereceu-se.
- Ok, eu vou adorar ouvir sua voz até em casa... Que tal “Oh meu belo castelo”?
- “Garota riquinha
Ela vive em seu mundo elegante
Aposto que ela nunca teve um homem simples
Aposto que sua mãe nunca lhe disse o motivo
Vou tentar conquistar uma garota riquinha”...
- Isso... Não é “Oh, meu belo castelo”...
- Não mesmo. É uma música nova. Eu aprendi na escola.
- Com... A professora? Ou o professor de música?
- Com meus colegas.
- Não é uma música legal... Para crianças. E é preconceituosa.
- Preconceituosa?
- Quer saber o que quer dizer preconceituosa?
- Eu sei o que é “preconceituosa”.
- Então sabe que o termo “garota riquinha” é preconceituoso, não é?
- Mas todo mundo está cantando.
- Mas você não é todo mundo. Você é minha Medy. Garota riquinha é um termo que por trás quer dizer exibida, mimada, frescurenta...
- Mas eu gosto da música.
- Pode gostar... Mas não é legal cantar.
Ela fez cara feia e se fechou até chegar em casa. Quem escrevia uma música com uma letra tão sem conteúdo para exaltar o nome de uma “garota riquinha”?
Assim que chegamos em casa e abri a porta, Melody retirou o calçado e correu pela escadaria, quase caindo.
- Onde vai, mocinha?
- Quero a minha Tuga. Estou com saudade.
Respirei fundo. Onde eu havia posto o animal? Enquanto ela procurava no quarto, eu fui ver na cozinha, na esperança de tê-la posto para dentro antes de sair. Mas não.
Abri a porta que dava para o quintal dos fundos e vi a caixa de vidro com a qual ela havia chegado à nossa casa. Fui andando devagar até lá, temendo o que o sol pudesse ter causado à ela.
Senti meu coração disparar quando percebi que ela estava imóvel, encolhida num canto. Toquei-a e não se mexeu.
- Vamos, Tuga, você consegue! – Comecei a massageá-la, tentando imaginar onde poderia ficar o coração, rezando para não ser dentro do casco.
- Mãe... Ela morreu?
Eu estava ajoelhada e olhei para Melody, sua sombra tapando a caixa de vidro, os olhinhos brilhantes e tristes.
- Eu... Sinto muito. Acho que ela tomou sol demais.
Ela ajoelhou-se ao meu lado, pegando o animal nas mãos:
- Mãe... Eu gostava dela.
- Eu... Também. Me perdoa?
- Eu acho que entendo porque o seu pai não lhe deixava ter animais de estimação.
- Eu nunca tive muito jeito... Mas sinto muito. Me perdoa, por favor?
- Sim, mamãe. – Ela pôs a tartaruga de volta na caixa e me abraçou.
Comecei a chorar e ela disse:
- Não fica triste, mamãe. Existe um céu de animais. Ela vai ficar bem lá.
Mal ela sabia que eu não estava triste por mim e sim por ela. Que tipo de mãe eu era?
Levantei e procurei uma colher, encontrando mais de dez minutos depois, dentro de uma das caixas. Melody seguia olhando seu animalzinho sem vida.
- Vamos fazer um buraco e enterrá-la.
- Vamos... Assim ela não vai ficar com frio... E nem pegar o sol direito.
- Sim...
Comecei a cavar e ela pôs a tartaruguinha sem vida dentro do buraco, que cobrimos com a própria terra retirada.
- Precisamos plantar flores. – Melody disse.
- Sim... Neste final de semana vamos fazer isso, está bem?
- Mãe, você me dá outra tartaruga?
- Eu... Vou pensar.
Não sei se eu era capaz de cuidar de uma criança e um animal. Porque eu ainda era Sabrina a azarada e desastrada. E esta eu não consegui deixar para trás.
Estava ansiosa para o meu primeiro dia como professora de Matemática na Escola Progresso, a mais conceituada de Noriah Sul.
Escolhi uma calça jeans para usar com a camisa branca com o logotipo da escola. Tênis branco e cabelos soltos, pois eu odiava prendê-los.
Assim que entrei na sala dos professores, fiquei um pouco tímida. Mas fui muito bem recebida por todos os colegas. O clima era ótimo em todo ambiente escolar.
Recebi minha lista com horários das turmas e antes que saísse para enfrentar a primeira aula, com o coração quase saltando para fora do peito, Do-Yoon me preveniu:
- Esta é a turma do terceiro ano. Nela temos nossos dois maiores problemas: Gui Bailey e Rachel Roberts.
- Sinto que está rotulando os alunos, senhor supervisor. – Ironizei.
- Eles são sua prova de fogo. Se passar por eles ilesa, você está dentro.
Respirei fundo:
- Estou pronta para enfrentar Gui Bailey, o adolescente problemático.