Capítulo 35
2461palavras
2022-12-13 12:09
Senti meu coração bater mais forte ao receber o aparelho celular nas minhas mãos e ouvir a voz de Min-Ji do outro lado:
- Como está, querida?
- Eu... Estou sobrevivendo.
- Estou feliz em ouvi-la.
- Como está minha mãe?
- Ainda inconsolável.
- Eu... Sinto muito por ela. Sabia que sofreria... Tanto quanto eu.
- Ainda acho que seu pai vai mudar de ideia, especialmente quando ver a criança.
- Acontece que “eu” não vou mudar de ideia, Min. Quando ele me mandou escolher, disse que dependendo da minha decisão, estaria morta para ele. Então... Eu morri. Não sou mais uma Rockfeller.
- Deve estar sem dinheiro. Sua mãe quer ajudá-la.
Senti uma ponta de esperança dentro de mim:
- Como ela faria isso?
- Eu intermediaria tudo. Ela lhe mandaria dinheiro, eu posso entregar... Ela quer conhecer a criança quando nascer.
Fiquei um pouco confusa com tudo. Como assim ela queria conhecer o bebê? Eu não era mais uma Rockfeller, segundo meu pai, e embora soubesse que ela havia sofrido com a decisão dele, não fez nada para mudar aquela situação. Talvez se ela tivesse ido comigo, ele poderia ter mudado de ideia, pois não perderia uma e sim duas mulheres na sua vida.
- Eu... Vou pensar, Min.
- Vou dizer à senhora Calissa que você está bem, Sabrina. Está se dando bem com meus filhos?
Olhei para Do-Yoon, que sorria amavelmente e Yuna, ainda com o semblante fechado:
- Sim... Muito bem.
- Imaginei. Meus filhos são adoráveis.
- São mesmo – olhei-os novamente – Min, poderia por favor avisar Colin que cheguei bem? E que pedi para agradecer por tudo que ele fez por mim.
- Eu... Falarei com ele.
- Ele e minha irmã já estão juntos? – Perguntei, curiosa.
- Não. Sua irmã segue do mesmo jeito. Lembra quanto tempo faz que você partiu? – Ouvi a risada dela do outro lado da linha e imaginava seu semblante naquele momento.
- Se... Eles assumirem um compromisso... Você poderia me falar?
- Posso. Mas não sei no que isso mudaria sua vida.
- Acho que eu aceitaria melhor o que eles me fizeram. Porque se fosse por um sentimento incontrolável, como o amor, teria me sentido menos mal.
- Eu... Preciso desligar, querida. Boa noite.
- Boa noite, Min.
Entreguei o celular para Yuna, que me perguntou:
- Quando decidiu vir para Noriah Sul, qual foi seu objetivo?
- Criar minha filha... Eu só desejo isso.
- E como fará?
- Eu... Não sei. Mas aceito sugestões. Talvez você ache que eu não passo de uma menina mimada e cheia de manias... Mas eu não conheço outra vida além da que vivi, entende? Eu “quero” aprender... Eu “preciso” aprender a viver por mim mesma, sem depender de ninguém. Só não sei como fazer isso. – Enfatizei as palavras “quero e preciso”.
- Se você quer viver sozinha e não depender de ninguém, deve iniciar não aceitando o dinheiro da sua mãe.
- Sim... Ele vem do seu pai. – Disse Do-Yoon.
- Então, se aceitar, teoricamente você continua sendo sustentada por ele, mesmo em outro país. De que adianta fingir uma responsabilidade e maturidade quando por trás de você ainda existe Jordan Rockfeller?
- Eu... Jamais serei independente se aceitar qualquer coisa que venha deles. – Concordei, falando mais para mim mesma, em voz alta.
- Exatamente. – Yuna deu um leve sorriso, que até mostrou parte dos dentes, que nem tenho certeza se eu já tinha visto antes.
- Eu... Posso ligar novamente para sua mãe? – Pedi.
Ela me entregou o celular. Disquei para Min-Ji, que logo atendeu:
- Min... Eu já pensei. Não quero dinheiro de minha mãe... Aliás, não quero nada dos Rockfeller. Minha escolha foi o bebê. E vou sofrer todas as consequências da minha escolha.
- Eu... Eu fico feliz com sua decisão, menina.
- E quero pedir outra coisa.
- O que deseja?
- Não comente com minha família onde estou... Jamais. Não quero ser encontrada, em hipótese alguma. E também não quero saber sobre eles... Nem meu pai, nem minha mãe, tampouco minha irmã. Eu preciso viver o luto da minha família viva... Para talvez poder superar, futuramente, tudo que aconteceu.
- Você vai crescer, minha pequena... E todos terão muito orgulho de você.
Eu sorri, amargamente:
- Ninguém é bom o suficiente para Jordan Rockfeller e você sabe disto.
- Sim, eu sei. Mas apesar das implicâncias, ele sempre apostou em você.
- Sinto muito ter sido uma decepção para ele. Meu pai perdeu a chance de conhecer esta nova Sabrina. E eu garanto que ela é bem melhor do que a outra.
- Eu já percebi, mesmo conhecendo a outra de uma forma que eles não conheciam.
- Amo você, Min.
- Boa noite, menina.
Entreguei o celular para ela.
- Você disse que ama a nossa mãe? – Yuna perguntou.
- Com todo respeito. – Falei imediatamente, tentando me justificar.
Do-Yoon começou a rir. Yuna levantou e disse, arrumando a cadeira no lugar:
- Eu trouxe a comida, Do-Yoon preparou o jantar e você lavará a louça.
- Como eu faço isso? – Perguntei, olhando a louça suja sobre a mesa.
- Esponja, água e detergente.
Ok, três itens. Não devia ser tão difícil. Eu conseguiria.
Yuna saiu e Do-Yoon me mostrou o detergente, a esponja e como abrir a torneira, que tinha todo um jeito para que não esguichasse muita água.
Eu ri:
- Eu sei abrir uma torneira, Do-Yoon.
- Boa primeira lavagem de louça, Sabrina. – Ele desejou.
Peguei um avental e cobri a frente do meu corpo. Liguei a torneira e esperei que esquentasse. Abri as gavetas até encontrar um par de luvas. Espremi o detergente sobre a esponja. Talvez tenha botado muita força, porque caiu a tampa e escorreu todo o líquido, pegando também na pia.
Fui pondo água até fazer bastante espuma. Então fui esfregando os pratos, com calma e atenção, até ficarem muito limpos. Não era uma coisa tão ruim de fazer. Pelo contrário, até me entreti. Fiz de conta que eram pessoas que esperavam na fila do banho.
E assim lavei louça pela primeira vez. Nível um de independência concluído com sucesso.
A semana que se passou foi difícil. Lavar louça era bom, desde que não fosse todos os dias. Fiquei enjoada de esfregar pratos e ao final a brincadeira de serem pessoas na fila do banho já nem deu tão certo, porque elas já não queriam mais tomar banho; pelo contrário, fugiam. Tentei cozinhar, mas definitivamente não tinha habilidade. Optei por não estender a minha cama, pois não fazia sentido, visto que deitaria logo em seguida. Por que se dar ao trabalho de arrumar se logo desarrumaria?
Aprendi a usar a máquina de lavar e precisava liga-la diariamente, já que não tinha muitas opções de roupas. A praça com playground no centro de Noriah virou um dos meus lugares favoritos. Passei a ler debaixo das árvores durante as tardes. Yuna tinha muitos livros que falavam sobre crianças, gestação e fases de desenvolvimento a partir do nascimento.
Numa noite, enquanto eu recolhia os pratos, Yuna disse, antes de sair:
- Já dá para notar sua barriga.
- Obrigada.
- Não é um elogio. – Ela enrugou a testa.
Fiquei em silêncio, não entendendo a ofensa gratuita.
Assim que abri a torneira, ela perguntou:
- Já decidiu se quer parto normal ou cesariana?
- Li que o parto normal é melhor para o bebê.
- Se for uma gravidez sem riscos, sim.
- Melody tem sido tranquila até agora. – Sorri.
- Por que você insiste em chamá-la de Melody, se não sabe o sexo ao certo?
- Sinto que é “ela”... Na verdade, tenho certeza.
- E se for um menino?
- Vou ter que me conformar. Mas Charles... – olhei para ela, lembrando que poderia dizer o nome, sem arriscar a vida dele – Charles é o pai dela. Bem, ele já tem um menino. Então eu creio que seja a menina agora... Para que ele tenha um casal.
- Acha que vai reencontrá-lo um dia?
- Eu sinto que sim... Do fundo do meu coração.
- Não acha que poderia ter tentado mais?
- Às vezes sinto que sim... Mas sabe quanto tudo dá errado? Foi assim. Infelizmente eu tive que fazer uma escolha... E escolhi nossa filha. E acabei aqui... Muito, muito longe dele.
- Mas se o filho dele mora em Noriah Sul, talvez vocês se cruzem por aí, se for o destino.
- A questão é que ele não vê o filho. Então é praticamente impossível.
- Por que o nome Melody?
- Melody vem de Melodia. Charles é músico... Compõe, canta... E ele dizia que o som que eu emitia... – não dei maiores detalhes do que eram os sons - Era a melodia preferida dele. Melody é a nossa melodia.
- Boa noite, Sabrina. Você é estranha. – Ela disse, saindo.
- Você também é estranha... Muito estranha. – Falei em voz alta.
Uma mulher bonita, que trabalhava o dia inteiro e quando chegava em casa se enfiava nos livros, para dormir e fazer exatamente a mesma coisa no dia seguinte. Havia vida fora daquele cubículo para ela?
Do-Yoon também trabalhava bastante. E sempre levava tarefas para casa. Eu ajudei a corrigir alguns trabalhos dos alunos dele numa noite. Ele era agradável e gentil.
Despertei com o som dos movimentos de Yuna no quarto. Abri os olhos e a observei enquanto pegava a bolsa. Ela me olhou:
- Bom dia, senhora lavadora de louças e que não arruma a própria cama.
- Bom dia, senhora que acorda implicando comigo. – Virei para o outro lado.
- Eu deixei sobre a cama o endereço de uma clínica. Fica no centro de Noriah Sul. Quero que consulte com um médico e inicie o pré-natal. Tem também um laboratório no mesmo espaço. Eles fazem exame de sexagem fetal. Tanto a consulta quanto o exame estão pagos.
Sentei, escorando-me na cabeceira:
- Não tenho documentos.
- Tem sim. Minha mãe deixou tudo na sua gaveta, ao lado da cama, na última vez que veio. Mas você não se deu ao trabalho de limpar, então não viu.
- Por que fez isso?
- Porque sou médica e quero que tenha uma gravidez tranquila e a criança nasça com saúde. E não quero me acostumar a chamá-la de Melody caso ela seja um menino.
- Obrigada.
- E só para constar: vou ser a Pediatra dela.
- Dela? Achei que você não concordava muito com o fato de eu achar que é menina.
- Para ver como estou confusa com sua loucura. Faça logo este exame antes que eu me contagie por completo. E caso não tenha deixado claro, não gosto de ser contagiada.
Naquele dia peguei o resultado do exame de sexagem fetal e depois fui para a praça, esperar o sol se pôr, enquanto lia um livro sobre o desenvolvimento infantil até um ano de idade.
Quando cheguei em casa, Yuna estava olhando televisão enquanto Do-Yoon cozinhava.
Fechei a porta e disse:
- Você assiste televisão? Pensei que isso aí nem funcionava. – Ironizei.
- Falta do que fazer. – Ela disse.
- Leia um livro. Achei que gostasse de ler mais do que de viver.
- Algumas vezes sim.
Sentei ao lado dela:
- Do-Yoon, quer saber se é menino ou menina? – Gritei.
Ele veio imediatamente da cozinha, sorrindo, ansioso:
- Já veio o resultado?
- Sim... E vocês vão ser padrinhos de Melody. – Sorri, batendo palmas de alegria.
- Menina? – Yuna quis que eu confirmasse.
Entreguei o resultado por escrito para ela, que leu e disse:
- Sim, é menina.
- Bem-vinda, Melody. – Do-Yoon me abraçou.
- Eu... Nós... Não temos essas crenças religiosas de batismo.
- Tudo bem... Pode ser extraoficial. Eu não vou à igreja também. Mas penso em padrinhos no sentido de... Me ajudarem a cuidar dela.
- Profissionalmente posso fazer isso. – Yuna foi enfática.
Olhei-a e não percebi nenhum tipo de emoção no rosto dela. Abaixei a cabeça e me senti um pouco mal. Era difícil satisfazê-la ou sequer roubar um sorriso daquela mulher.
- Eu vou ajudá-la, Sabrina. Pode contar comigo. – Do-Yoon falou, voltando para cozinha.
Fui para o banho e quando saí, Yuna, ainda sentada no sofá, perguntou:
- Por que você toma dois banhos por dia?
- Para... Ficar limpa? – Respondi em tom de pergunta, confusa.
- Eu... Tenho alguns cremes para o rosto e corpo. São de boa qualidade e surtem efeito. Pode usar, caso queira.
- Obrigada.
Primeiro ela me metralhava com palavras, tentando me quebrar completamente. Depois oferecia seus cremes caros, que eu sabia o quanto eram importantes para ela.
No dia seguinte, quando Yuna chegou do trabalho, me entregou uma pequena sacola brilhosa. Não disse nada e saiu.
Fiquei incerta em abrir ou não. Olhei dentro e tinha uma pequena caixa embrulhada com papel vermelho e fita branca. Curiosa, abri. Dentro continha um anel minúsculo, em ouro.
Enquanto eu observava a joia, ela disse, enquanto me observava à distância:
- É para Melody.
- É... Lindo.
- Para que ela tenha longevidade e prosperidade.
- Obrigada, Yuna.
- Quero acompanhar também o pré-natal.
- Se é seu desejo, não me oponho.
- Vai dar tudo certo, Sabrina.
Olhei novamente para o anel e passei o dedo sobre ele. O primeiro presente da minha filha, dado por uma pessoa estranha. Senti as lágrimas escorrendo. Yuna parecia não gostar muito de mim. Mas se gostasse da minha filha, eu já me dava por satisfeita.
Me pus no lugar dela, recebendo uma estranha na minha própria casa, tendo que dividir minha vida, meu quarto, meu irmão, meus cremes e toda minha intimidade. Até que ela era legal demais comigo.
Do-Yoon entrou pela porta, com duas pastas lotadas de trabalho para casa.
Peguei uma imediatamente das mãos dele e disse:
- Trabalho extra? Vou ajudar a corrigir. – Garanti.
- E eu vou pagar por toda sua ajuda... Com a louça e as correções.
Eu ri:
- Hoje é meu dia de sorte?
- Não, mas quero ser grato.
- Ser grato? Você me dá abrigo e comida. Não precisa fazer mais do que isso.
Ele me entregou uma folha de papel timbrada. Li o nome da Universidade de Noriah Sul. Antes que eu me atentasse ao restante, ele disse:
- Será um empréstimo. Eu inscrevi você na Faculdade de Matemática. E vou pagar. Quando você se formar e arranjar um emprego, me pagará.
- Não... Eu não posso aceitar, Do-Yoon. De forma alguma. – Tentei devolver para ele.
- Não há como devolver, Sabrina. Eu já fiz o pagamento do primeiro semestre. Você começa amanhã.