Capítulo 34
2193palavras
2022-12-13 12:02
Despertei e demorei para me dar conta de onde estava. Parecia um pesadelo acordar naquele lugar pequeno e claustrofóbico.
Assim que virei de lado na cama, dei de cara com Yuna, abrindo o armário e pegando um casaco:
- Bom dia, madame. Está frio na rua. Precisa pegar um casaco, caso queira sair.

- Que horas são? – Ainda estava sonolenta e minha voz saiu fraca.
- Sete.
Pus a coberta por cima da cabeça, tentando pegar no sono novamente.
- Não querendo bancar a chata nesta história toda de amor e injustiças, mas acho que você deveria trabalhar.
Pus a cabeça para fora, encarando-a:
- Eu não sei fazer nada.

- Ninguém nasce sabendo fazer alguma coisa.
- Mas... Estou grávida.
- Gravidez não é doença. Acha que vai sobreviver como? Por acaso pensa que vou trabalhar para pôr comida na mesa para você?
Arqueei a sobrancelha, confusa. Yuna era dura e fria. E parecia querer me ferir o tempo todo.

- Entendi que você e Do-Yoon iriam me ajudar.
- “Ajudar” não significa trabalhar para você. Estamos lhe dando abrigo e isso por si só é muito, acredite. Querida, você foi mandada embora por seu próprio pai e foi acolhida na casa de estranhos. Então, acredite, eu e meu irmão somos o melhor que você pode encontrar.
- Eu... Posso tentar fazer o café da manhã. – Ofereci.
- Quem sabe amanhã? Hoje eu já preparei. É o mínimo que pode fazer por nós.
- Você... Acha que a minha presença aqui é ruim? A atrapalho em alguma coisa?
- Tirando a minha total privacidade... Não.
- Mas... Poderia ter negado a minha vinda.
- Não, não poderia. Foi um desejo de minha mãe. E nós temos por hábito ouvirmos os mais velhos e respeitá-los.
- Se isso é uma indireta, saiba que se eu ouvisse meu pai, estaria fazendo um aborto neste momento. E não é minha intenção tirar este bebê. Acha que eu quis vir para cá, um lugar que não conheço, morando com pessoas que nunca vi na vida? Vocês foram não minha última, mas única opção. E sou grata.
Ela balançou a cabeça:
- Tenha um bom dia.
- Você também. E... Caso eu precise, onde fica o controle das cortinas?
Ela gargalhou, fazendo com que eu enrugasse a testa. Saiu e fechou a porta.
Levantei e percebi que ela não estava mais na casa. Do-Yoon também estava de saída.
- Bom dia... – Acenei, esperando uma melhor recepção matinal por parte dele.
- Bom dia, Sabrina. Tem pão sobre a mesa. Café passado e leite no fogão. Não sei se é seu hábito pão no café da manhã...
- Sim. – Mal sabia ele que eu comeria qualquer coisa.
- Caso precise sair, vou deixar a chave na porta. Tranque e leve-a junto.
- Eu vou sair. Preciso comprar alguns itens de primeira necessidade, como escova de dentes, de cabelos, maquiagem, perfume, roupas, sapatos... Eu não tenho nada.
Ele me encarou um tempo e disse:
- Quer que eu peça um táxi ou usará o transporte público?
- Transporte público? – Que diabos eu faria num transporte público?
- Acho que seria melhor usar o transporte público. Assim já se habituaria um pouco com tudo por aqui. – Sugeriu.
- Vocês não têm um carro?
- Não.
Suspirei, tentando entender tudo sobre aquelas pessoas e seu modo de vida tão simples e peculiar.
- Sua irmã acha que eu devo procurar um emprego.
- Não sei se conseguiria, no seu atual estado.
- Ela disse que gravidez não é doença.
- Realmente não é – ele me olhou demoradamente – Quem sabe eu dou uma carona para você?
- Mas... Você não tem um carro.
- No transporte público, no caso.
Eu poderia dizer que não e voltar a dormir. Mas fiquei amedrontada de não conseguir chegar ao meu destino de compras caso ele se afastasse.
- Fico pronta em dez minutos. – Garanti.
- Tem cinco. – Ele olhou no relógio.
Corri e fui até o banheiro. Fiz xixi, lavei o rosto e fiz bochecho com muito creme dental. Passei os dedos nos cabelos e corri até a cozinha, pegando um pão puro.
- Acho que levei... Três minutos. O que acha da minha nova roupa? – Dei uma volta.
Ele riu:
- Ainda bem que você ri de si mesma.
- Chorar não adianta... Já tive a prova.
Ele abriu a porta e depois trancou com a chave, me entregando:
- Para quando voltar.
Pus no bolso da jaqueta, junto da concha. Era tudo que eu tinha, além de um maço de dinheiro dado por Colin, que praticamente salvaria a minha vida.
Segui Do-Yoon até um local coberto, onde ficamos parados, próximos da estrada.
- Aqui é o ponto de ônibus. – Ele explicou.
- Ok.
- Moramos um pouco longe da área central. Aqui as casas são mais em conta... Valores, no caso.
- Vocês alugam?
- Não. É própria.
- Não seria melhor morar perto do local de trabalho?
- Sim, mas no caso seria mais caro o custo com a moradia.
Assim que um ônibus parou na rua, embarcamos. Segui Do-Yoon, fazendo exatamente o que ele fazia. Vi que ele pagou e sentamos juntos num banco.
- O transporte público não é gratuito? – Perguntei.
- Não.
- Por que é público, então?
- Porque todos podem usar.
- Desde que paguem?
- Sim.
- Isso é estranho.
- Estranho é você nunca ter usado um transporte público ou sequer saber como funciona.
- Eu acho que não sei muitas coisas.
- Você tem dinheiro, Sabrina?
- Um pouco... Meu ex noivo me deu.
- O que pensa comprar?
- Algumas mudas de roupa... Roupas íntimas... Um tênis. Itens de higiene... Perfume, hidratante, uns óculos de sol... Meus olhos são muito sensíveis à luz solar.
- Ok, siga esta ordem de compra: produtos de higiene, que incluem escova dental, escova de cabelos, desodorante. Depois roupas. Procure comprar mais quantidade por um preço razoável e não se importe com marcas.
- Mas... Não posso pegar qualquer coisa. Porque roupas baratas não tem boa qualidade.
- Não precisamos de qualidade. Queremos que você tenha opções de roupas. Logo sua barriga vai começar a crescer.
Enruguei a testa, tentando entender:
- Vou... Ver como faz isso.
- Perfume, hidratante, óculos de sol... Bem, isso você compra se sobrar dinheiro.
- Mas é extremamente necessário cobrir meus olhos da luz solar. Você não tem noção do quanto os raios solares podem ser prejudiciais. Aliás, esqueci de protetor solar facial e corporal na minha lista. Raios ultravioletas causam câncer de pele.
Ele semicerrou um dos olhos, não dizendo mais nada.
Assim que desci do ônibus andei pela zona central de Noriah Sul. O lugar era bonito e ao longe eu pude avistar as torres do castelo, onde moravam os ex príncipes Magnus e Dereck Chevalier, com seus respectivos parceiros. Tive vontade de conhecê-los. Talvez fizesse isso numa outra hora. Eles certamente receberiam um Rockfeller.
Percebi que estava na área mais movimentada do lugar e recheada de lojas de todos os tipos, desde as das marcas conhecidas, que eu usava no dia a dia, até as que nunca ouvi falar na vida.
Eu não tinha noção do quanto o dinheiro valia. Nunca fui privada de comprar nada que quisesse, não importava o preço. Mas era boa em contas e soube imediatamente que a quantia que Colin havia me dado não seria suficiente para tudo que eu precisava.
Então era necessário fazer escolhas. E assim o fiz, priorizando inicialmente itens básicos de higiene, como escovas de dentes, cabelos e creme hidratante de boa qualidade, especialmente para pôr na barriga e evitar estrias conforme ela crescesse.
Depois optei pelas roupas íntimas: tudo do mais em conta.
Estava indo para as roupas quando passei por uma joalheria e vi um cordão em ouro, extremamente fino. Toquei minha concha, já moldada como um pingente. Senti meu coração bater mais forte e fechei os olhos, vendo as duas mãos do “el cantante” fechadas, os olhos verdes dentro dos meus. Deus, como eu conseguiria esquecer tudo que vivi ao lado daquele homem? Onde estaria Charles naquele momento? A dor da perda e a tristeza era tão forte e intensa que chegou a embrulhar meu estômago. A concha e meu bebê era tudo que restava de nós dois.
Contei o dinheiro que restava e o valor da gargantilha. E entrei na loja. Sim, eu optei pelo cordão que levaria a concha.
Saí da loja sorrindo e me sentindo feliz, enquanto tocava o objeto adornando meu pescoço. Com a quantidade restante, consegui comprar um vestido simples, encontrado numa loja de departamentos.
Não sobrou para outros calçados. Óculos de sol? O que era isso? Perfume? Talvez passar bastante sabonete fosse a solução. Filtro e protetor solar? Será que era possível fabricar em casa, comprando os ingredientes?
Eu estava com fome. Encontrei um restaurante agradável e fofo próximo dali. Sentei-me e assim que recebi o menu percebi que não tinha como pagar a refeição. Levantei e menti que havia esquecido algo no carro e não voltei.
Passei por uma praça, simples, central, com um enorme playground e crianças brincando. Tinha também um campo de futebol gramado e algumas árvores no entorno, formando uma sombra gostosa e chamativa.
Sentei-me debaixo de uma das árvores, num banco em madeira. Deitei a cabeça para trás e fiquei olhando os galhos balançando com o vento. Lembrei que o filho de Charles morava em Noriah Sul. Se o destino quisesse ser bondosos e tivesse pena de mim, poderia nos colocar juntos novamente. A questão é o que o destino estava literalmente se fodendo para mim.
Senti o cheiro de comida e meu estômago roncou. A que ponto eu cheguei... Da riqueza à pobreza, sem dinheiro sequer para alimentar-me adequadamente, morando de favor na casa de estranhos que sequer aceitavam minha presença de forma espontânea.
Tentei pensar em onde eu tinha errado ou sido ruim em tão pouco tempo de vida. Porque certamente algo eu estava a dever à Deus.
Toquei minha barriga e senti que já estava saliente. Suspirei, sorrindo e me apegando àquilo como um presente tão perfeito que fazia tudo o mais ficar insignificante. Meu bebê estava comigo e tudo o mais não importava. Eu precisava de duas coisas na vida: meu bebê e a concha com as letras C e S.
Charles havia virado minha vida de cabeça para baixo. E mesmo ali, sem sequer uma moeda no bolso, mas protegida pela jaqueta dele, do outro lado do mundo, num lugar completamente desconhecido, eu tinha a certeza de que se pudesse escolher entre casar com Colin naquela noite ou reviver os momentos ao lado de “el cantante” novamente, eu escolheria “el cantante”, mesmo que com o tempo contado.
Passei a tarde naquela praça, observando as crianças a correrem, a maioria juntos dos pais. Algumas famílias vinham, outras iam. Das mais variadas constituições: pai, mãe e filho, mãe e filho, pai e filha e assim por diante.
Eu seria uma mãe solo... Pelo menos até encontrar Charles. Eu sabia o quanto ele ficaria feliz ao saber que teríamos uma filha. Ou um filho... Eu precisava trabalhar esta hipótese na minha mente.
Cheguei à casa já era final de tarde, quase anoitecendo. Do-Yoon e Yuna já tinham voltado e ele estava preparando o jantar.
Entrei e pus as sacolas sobre o sofá. Yuna vinha da cozinha e disse, secamente:
- Retire seus calçados sujos e ponha no armário, por favor. Guarde as sacolas.
Retirei os calçados e peguei as sacolas:
- Eu... Não sei onde guardar as coisas. – Falei, apreensiva.
Ela deu de ombros. Do-Yoon veio na minha direção e levou-me até o quarto, que eu dividira com Yuna na noite anterior. Abriu a porta do armário e mostrou-me o espaço vazio:
- Este é seu lado.
- Obrigada.
Olhei as quatro prateleiras e uma gaveta e poderia dizer que o lugar era pequeno e que se fosse há dias atrás não caberia sequer minhas calcinhas, que eram divididas por cores no closet. No entanto, na minha situação atual, sobrara duas prateleiras.
Fiz o processo inverso e escovei os dentes antes da refeição. Não importava o que acontecesse na minha vida, jamais iria para qualquer lugar sem uma escova de dentes novamente.
Assim que sentei à mesa, fiquei em silêncio e tentei não demonstrar o quanto estava morrendo de fome.
- Conseguiu comprar o que precisava? – Do-Yoon perguntou.
- Quase tudo. Levando em conta que o dinheiro foi dado pelo meu ex, estou feliz. Eu não teria absolutamente nada se não fosse ele.
- Não pode entrar na justiça e pedir sua herança? – Yuna perguntou.
Arqueei a sobrancelha:
- Eu não quero nada daquela família. Meu pai me pôs para fora de casa... Me fez escolher entre a família ou minha filha. Disse que se optasse pelo bebê, diria a todos que eu estava morta. Quando saí pela porta, ele disse que não teria mais uma filha chamada Sabrina.
O telefone celular tocou. Yuna atendeu.
- Minha mãe quer falar com você. – Ela me passou o celular.