Capítulo 28
2352palavras
2022-12-13 11:51
O restante da semana foi de felicidade que transbordava por todos os poros do meu corpo. Eu sorria sozinha, cantarolava a minha música aos quatro cantos e creio que talvez saíssem coraçõezinhos pelos meus olhos quando eu piscava.
Nem conseguia acreditar que o reencontraria depois de tanto tempo. Ele não me esqueceu, assim como eu não deixei de pensar nele um minuto sequer. Eu tinha certeza de que estava disposta a deixar tudo por ele.
Charles era minha vida, meu mundo, o ar que eu respirava. O que sentia por ele era simplesmente impossível de descrever, só sentir.
Comecei a faculdade de Matemática gratuitamente. Meu pai nunca se importou com dinheiro e chegou até a ofender-se quando eu disse que queria estudar naquela faculdade.
Enfim, J.R acabou aceitando e tudo parecia ir bem. Eu não havia perdoado Mariane, mas já conseguia manter uma conversa com ela sem acusações ou ironia.
Embora eu gostasse de visitar a J.R Recording, não tinha certeza se queria passar a minha vida trabalhando lá. Já bastava ter Jordan Rockfeller no papel de pai diariamente. Passar mais horas ao lado dele e ainda ter de obedecê-lo como chefe era um fardo pesado demais para carregar.
Mariane se dava melhor com meu pai do que eu. O incrível é que não foi sempre assim, pois há tempos atrás era o contrário. Depois do envolvimento dela com o astro do rock, que era gerenciado por meu pai, a relação deles ficou péssima. Um tempo após o ocorrido, Mariane acabou cedendo e fazendo tudo que nosso pai ordenava. Acho que constatou que as coisas aconteceram exatamente como ele previu. E ela saiu machucada e exposta nacionalmente.
No meu caso, sempre fui a filha correta e fazia absolutamente tudo exatamente como ele queria. Até Colin me trair com minha irmã e eu conhecer Charles e perceber que a vida ia além daquela gaiola de ouro na qual eu vivia presa.
Sim, era assim que eu me sentia. Prisioneira num lugar onde eu tinha tudo que quisesse, desde que obedecesse ao rei supremo: Jordan Rockfeller. Ele nunca soube distinguir família de empregados, lar de trabalho. Nos tratava como se fôssemos funcionários da J.R Recording, esquecendo de que éramos suas filhas.
Na quinta-feira, estávamos jantando em família, quando Mariane disse:
- Pai, o que acha de eu procurar o tal cantor da internet, que compôs aquela música?
- Qual? – Ele levantou os olhos na direção dela.
- O que procura a garota... Que marcou o encontro secreto.
- Não!
- Mas... Por quê? Sabe que irão atrás dele, não é mesmo? E vai perder a chance de tê-lo na J.R Recording.
- Não é o tipo de artista que procuro ou admiro e sabe disso.
- Não procura pessoas talentosas? – Questionei, entrando na conversa.
- Acha ele talentoso? – Minha mãe me encarou.
- Sim. A dele voz é bonita... Diferente. A canção é... Envolvente e cheia de amor.
- Ouviu a música? – Meu pai perguntou.
- Quem não escutou, pai? E se é composição dele mesmo, é perfeita.
- Concordo – Mariane me olhou – Ele é bom. Precisamos dele na J.R Recording.
- Não gosto de pessoas que se escondem. É o caso dele. Por que não mostra o rosto? Do que ele tem medo? Deve ter seus motivos... E certamente não são bons.
- Talvez não queira seus cinco minutos de fama, como você acha e sim encontrar quem procura... Só isso. – Disse minha mãe.
- Todo mundo quer fama e dinheiro. E quem não quer, se corrompe facilmente quando consegue uma das duas coisas. – Ele garantiu.
- Vamos deixá-lo passar então? – Mariane questionou, irritada.
- Por hora, sim. Caso ele seja realmente bom, faço uma oferta irrecusável e o trago para a J.R Recording. Contratos foram feitos para serem quebrados.
- O senhor já teve problemas há pouco tempo por isso. – Observei.
- Faz parte do negócio. – Ele deu de ombros.
Meu telefone tocou. Olhei no visor e era o “Traidor”. Enruguei a testa, curiosa. O que ele queria?
- Com licença... Vou atender. – Falei, me retirando da sala de jantar com o telefone.
Atendi enquanto me dirigia para a sala principal.
- Sabrina?
- O que você quer, Colin?
- Eu... Só queria saber se você está bem.
- Estou ótima. Aliás, nunca estive melhor.
- Eu soube... Que trocou a faculdade.
- Sim. Estou cursando Matemática.
- Está gostando?
- Cedo demais para saber. Tive somente três aulas até agora.
- Eu... Estou feliz por você. Embora ache que você seria uma ótima advogada.
- Não, eu não seria.
- Eu soube também que... Bem... Acho um pouco constrangedor falar sobre isso, mas... Seu pai pôs pimenta na sua comida.
- Você está bem informado sobre a minha vida, Colin.
- Sua mãe contou para a minha... Elas continuam amigas.
- Devolveu o colar para sua mãe? – Perguntei, tocando o meu colar de concha que trazia no pescoço.
- Ela... Mandou agradecer por sua consideração.
- Era isso que queria comigo?
- Eu gostaria de dizer que se estivéssemos casados, seu pai não teria agido desta forma com você. Eu a protegeria.
- E depois iria dormir com a minha irmã? – Eu ri, debochadamente.
- Nunca me perdoará, Sabrina?
- Nunca. O que você fez foi horrível... Nojento.
- Por que não nos encontramos e você diz tudo que pensa sobre mim? Joga toda sua raiva na minha cara... Bata em mim se necessário, mas deixe este ódio ir embora.
- Colin, eu não tenho ódio de você. Confesso que sinto muitas coisas, menos ódio. Talvez tenha ódio de mim mesma, por ter perdido tanto tempo ao lado de alguém como você.
- Fomos felizes e você não pode negar isso, por mais que queira.
- Fomos? Se éramos tão felizes, por que você me traiu?
- Por Deus... Jamais vou me perdoar. E sabe por quê? Porque eu amo você, Sabrina e nunca vou deixar de amar. Vivi quatro anos da minha vida em função de você.
- Agora viva por você mesmo, Colin. Está livre de mim.
- Eu sei seu perfume preferido... Sei que você detesta dividir a cama porque ocupa muito espaço... Conheço seu gosto por sapatos importados e roupas de marca. Sei que detesta batom rosa e prefere os cabelos soltos. Você ama chocolate mais do que qualquer outra coisa no mundo. É uma pessoa correta e faz tudo certo, mesmo quando ninguém está olhando. Acha que as leis foram feitas para serem cumpridas. Seu shampoo preferido é mandado fazer especialmente para você. E definitivamente, Sabrina Rockfeller não tem jeito com animais de estimação.
- E não gosto de mentiras... E não perdoo traição. Você deveria saber isso também, Colin.
- Eu não vou desistir de você, Sabrina.
- Não perca seu tempo, Colin.
Desliguei a ligação e não voltei para o jantar. Eu sinceramente não entendia o que se passava com Colin. Ele achava mesmo que poderia haver volta depois do que ele fez?
Não tinha horário para o encontro com “el cantante” no sábado. Ele havia dito que estaria lá desde o nascer do sol. Eu pus o relógio para despertar às seis horas da manhã. Porque queria chegar cedo à praia.
Levantei e toquei o controle, abrindo as cortinas automáticas e deixando o sol brilhante tomar conta do meu quarto.
Seria um lindo dia. O melhor da minha vida. Porque eu encontraria Charles.
Organizei uma pequena mala com biquíni, saída de banho, protetor solar, shampoo, condicionador, hidratantes, óculos e boné. Encontrei uma lingerie rendada que eu havia comprado para a lua de mel e pus por baixo da roupa. Escolhi um macacão em linho, num corte reto e elegante e sandálias de salto quadrado, em tom caramelo, que combinava com o gelo do tecido da roupa. Meus cabelos ficaram soltos e fiz uma maquiagem leve. Não quis marcar cabelos e maquiagem para tão cedo. Também não queria despertar suspeitas. Por isso fiz tudo sozinha.
Claro que não avisei meus pais que eu sairia. Até porque teria que dar satisfações e embora meu pai estivesse convencido de que eu estava voltando a ser quem era antes de tudo acontecer, não me deixaria sair sem o motorista.
Então a intenção era descer e pegar um carro qualquer na garagem. Quem sabe o de Mariane?
Assim que saí na porta do quarto, com a pequena mala de mão, avistei minha irmã saindo no mesmo momento. Ela vestia um terno preto com blusa branca e scarpin preto. Os cabelos estavam presos num rabo de cavalo baixo.
- Vai sair? – Ela olhou no relógio.
- Vou... Dar um passeio com algumas amigas.
- Que amigas?
- Amigas... Não preciso lhe dizer quais são.
- Ok, não precisa ser rude. Foi só uma pergunta.
- Onde você vai?
- Trabalhar.
- No sábado?
- Papai tem uma reunião importante agora às oito horas com um empresário. Eu vou junto.
Respirei fundo. Não esperava encontrar toda a família na mesma hora que eu saísse.
Mariane pôs a mão na minha concha e virou-a para si:
- “CS”. O que seria? – Arqueou a sobrancelha.
- Nada que lhe importe.
- Eu... Não tinha observado você usando isso. É nova?
- Não tanto...
- Tem... Algum significado?
- Sim... “Sabrina Corna”.
Ela revirou os olhos:
- Definitivamente, eu desisto de tentar fazer as pazes com você.
- Enfim! – Falei, andando na frente dela, sem me importar.
Segui com a mala na mão. Não estava pesada. Enquanto descia a escada, pensei em pedir o carro de Mariane emprestado. Ela iria a reunião com nosso pai, então certamente usariam o motorista ou o carro de J.R. E como ela queria ser perdoada, talvez me ajudasse.
Parei no meio da escada, incerta sobre voltar e falar com ela ou ir.
Olhei para baixo e observei a sala, parecendo longe demais. De uma hora para outra, tudo ficou embaçado e lembro de ter visto os coqueiros ao fundo da piscina começarem a balançar com força, tonteando-me.
Larguei a maleta e segurei-me firme ao corrimão.
- Sabrina, está tudo bem? – Mariane perguntou, no topo da escada.
- Não...
Sem querer toquei a mala com o pé e ela rolou, meus olhos acompanhando o movimento, fazendo-me desequilibrar com a tontura forte.
Não consegui segurar meu próprio corpo e senti que estava desfalecendo.
Despertei sentindo um cheiro forte de álcool. Abri os olhos e vi Min-ji, acompanhada de meus pais. Senti dor no corpo ao tentar me mover.
- Não se mexa até vir a ambulância. – Minha mãe avisou.
- Como assim?
Identifiquei o lugar onde eu estava: a sala principal, deitada no sofá.
- Eu preciso ir... – Tentei levantar, procurando a mala com os olhos.
- Não pode... Você caiu, rolou vários degraus. – Disse Mariane.
- Senhores, a ambulância chegou. – Disse uma das funcionárias da casa.
Quando percebi, estava sendo carregada numa maca por dois socorristas.
- Eu não quero ir... – Tentei reclamar, certa de que não seria ouvida.
Minha mãe entrou comigo na ambulância, que partiu com a sirene ligada. Percebi a mão dela na minha:
- Mãe, eu estou bem – garanti – Será que podemos voltar para casa?
- Não, não podemos. Você já não passou bem no outro dia. Sua irmã disse que você simplesmente desmaiou do nada e caiu, rolando vários degraus. Poderia ter quebrado alguma parte do corpo, querida. Vamos verificar o que está acontecendo.
- Eu não posso! – Quase gritei.
Fechei os olhos e tentei me acalmar. Minha vontade era levantar dali e abrir a maldita porta e correr pela rua, chamar um táxi e encontrar Charles na nossa casa.
Respirei fundo. Teria que enfrentar um médico. Então ele diria que estava tudo bem, meus pais se tranquilizariam e eu poderia encontrar “el cantante”.
Creio que eu estivesse muito ansiosa e por isso fiquei daquele jeito: tonta e confusa.
Quando cheguei ao hospital, fui atendida por dois médicos. Expliquei o que houve, fiz exames de rotina, entre eles de sangue. Segundo o médico, conforme os resultados, talvez tivesse que fazer uma tomografia ou outros procedimentos. A princípio não havia nenhum sinal de quebra de algum osso com a queda.
Quando fui para o quarto, meus pais e Mariane estavam me esperando, ambos sentados num confortável sofá. Meu pai bebia café puro e minha mãe chá.
Quem conseguia beber dentro de um hospital?
Tentei ir caminhando até a cama, mas não permitiram. As enfermeiras me puseram sobre ela.
- Eu não estou doente. – Afirmei, ao vê-los encarando-me.
- Quem vai dizer é o médico. – Meu pai afirmou.
- Onde você estava indo com uma maleta contendo biquínis e itens de praia? – Minha mãe questionou.
- Mãe... Você abriu as minhas coisas?
- Claro que sim. Estava tentando entender onde você iria tão cedo.
- Eu... Tinha marcado uma praia com as colegas da faculdade. – Menti.
- Por que não nos avisou? – Jordan me fuzilou com o olhar.
- Pai, era só um dia de praia.
- Como você iria?
- Uma delas passaria para me buscar. – Menti, certa de que ele jamais saberia que não era verdade.
Um dos médicos entrou no quarto. Era jovem e bem-apessoado. Moreno, olhos castanhos claros, alto e magro.
- E então, doutor? Está tudo bem com ela? – meu pai levantou, preocupado – Já é a segunda vez que ela passa mal, num curto intervalo de tempo.
- Não houve nenhuma fratura. Somente alguns hematomas nos braços, cotovelos e pernas – ele mostrou ao meu pai, cada um deles – Mas poderia ter sido fatal para o bebê. Não houve sangramento, mas vamos fazer uma ultrassonografia de urgência para confirmar se está tudo certo com a criança.
- Criança? Que criança? – Meu pai falou tão alto que pareceu mais um grito.
Eu fechei meus olhos e recostei-me sobre o travesseiro que estava atrás das minhas costas. Era um sonho... Eu tinha certeza. Logo iria acordar e pegar minhas coisas e ir ao encontro de Charles.