Capítulo 27
2245palavras
2022-12-13 11:50
Bebi até a última gota do leite, sentindo o estômago contrair.
- Retire as panquecas daqui, Min-ji... Por favor. – Calissa pediu.
Min-ji pegou a bandeja e olhou-me. Em seguida perguntou para minha mãe:
- Senhora... Quanto tempo esta fúria dele vai durar?
- Até hoje – Calissa garantiu, enquanto me punha na cama – Ou ele para com isso ou vou embora desta casa, junto das minhas filhas.
Olhei-a, confusa, não falando nada, ainda sentindo a ardência, embora mais fraca.
- Sim, foi seu pai que fez isso. Juro que tentei entendê-lo de todas as formas, mas agora isso passou dos limites.
- Como... Ele pôde?
- Ele está bêbado... Mas não justifica seu ato desprezível.
- Quer... Que eu faça panquecas novas, querida? – Min perguntou.
- Não... Obrigada. Não quero mais nada... Nem sei se vou conseguir voltar a comer novamente nesta casa.
- Eu juro que isso nunca mais vai acontecer. – Calissa garantiu.
- Boa noite, Sabrina. Se precisar de qualquer coisa, é só me chamar. Estarei acordada... Até me certificar que você dormiu. – Disse Min-ji, saindo.
Deitei e tentei me acalmar, sentindo uma raiva incontida dentro de mim. Mas minha mãe ficou ali, alisando meus cabelos. Depois de um tempo, senti sono. Fechei os olhos e percebi o beijo dela na minha bochecha e a claridade diminuir. Ouvi o som da porta se fechando.
Abri os olhos e senti meu coração bater forte. A boca ainda ardia. Levantei e fui para o closet. Se meu pai achava que era uma guerra, eu mostraria que também sabia lutar.
Peguei uma mala grande e comecei a jogar roupas aleatoriamente dentro. Iria embora dali, para sempre. Meu corpo estava quente, o rosto avermelhado e as mãos suavam frio.
Quando a mala encheu eu não consegui fechá-la. Sentei sobre ela e fechei os olhos. Comecei a rir, ao perceber que peguei somente casacos, pois era o que tinha naquela área do closet. Quem preparava-se para ir embora levando somente casacos?
A quem eu queria enganar? Não sabia nem para onde ir. Não conhecia ninguém. Não tinha dinheiro. Sair da mansão Rockfeller era o mesmo que morar na rua.
Eu precisava ser paciente. E aguardar para conseguir a minha independência e poder enfim deixar aquela prisão... Uma gaiola de ouro.
Fui até a parte dos sapatos. Vários deles eu comprei em viagens ou fiquei até na fila para conseguir o par único e exclusivo. Eu e minha irmã tínhamos livre passagens nos desfiles dos estilistas mais concorridos internacionalmente, pois éramos ótimas clientes.
De que me adiantava ter tantos sapatos se eu não podia sair para usá-los? Comecei a jogá-los para todos os lados, descontando minha raiva neles. O vidro superior do armário de jóias se quebrou. Então vi o par rosa pink. Peguei-o e coloquei nos pés, lembrando onde havia estado com eles. Era para ser meu sapato de casamento... No entanto me levou à praia e aos dias felizes ao lado de Charles. Toquei a concha no meu pescoço e sentei no chão, olhando-me no espelho, completamente destruída:
- Onde você está, Charles? Eu preciso de você... Me leve daqui...
Despertei sentindo dor no pescoço. Estava deitada no chão do closet, abraçada aos sapatos rosa. Levantei e fui até a cama, cambaleando. Havia vestígios de saliva que escorreram pela boca, mas estava tão cansada e dolorida que nem me preocupei.
Acabei pegando no sono de novo, de forma leve.
- Pai? – Encolhi-me ao vê-lo sentado na cama, ao meu lado.
Ele alisou meu rosto, enquanto eu tentava pôr a coberta para cobrir qualquer parte que ele quisesse tocar.
- Me perdoe... Por favor.
O encarei, incerta do que dizer. Lembro de ter falado para minha irmã que não a perdoava, mas também não a odiava. Era exatamente o que eu sentia naquele momento por ele.
- Sei que eu errei... Eu fui um péssimo pai.
- Quando mandou fechar o Cálice Efervescente?
- Não... Quando mandei a cozinheira colocar pimenta na sua comida. Fiquei cego de raiva...
Me mantive em silêncio, temendo o pedido de perdão dele vir com algo pior depois.
- Me ligaram da faculdade. Você vai receber uma bolsa... E fazer tudo de forma gratuita.
- Como assim?
- Deixarei que faça a faculdade de Matemática. E escolha a profissão que vai seguir. Se quer ser professora, eu aceito, embora não concorde.
- Está mesmo dizendo isso?
- Sim. E espero futuramente ter orgulho de você, Sabrina.
O abracei e senti os braços dele me envolverem:
- Talvez você esteja mesmo crescendo e eu preciso aceitar. Agora desça e vamos tomar café da manhã, todos juntos... Como costumávamos fazer a poucos meses atrás.
- Eu... Estou sem fome.
J.R se afastou e pegou meu queixo, dando um sorriso daqueles que mal abria a boca:
- Prometo que não vou colocar pimenta na sua refeição.
- É um bom começo. – Sorri.
- Sua mãe mandou fazer panquecas de chocolate com morangos... E vai te chocolate quente.
Eu sorri:
- Eu desço se o senhor comer comigo: panquecas e chocolate quente.
- Ainda está com medo que eu tenha posto pimenta? – Ele riu.
- Só para garantir. – Pisquei.
- Ok, vou comer panquecas... E beber chocolate quente. Agora vá escovar os dentes e desça... Não precisa se trocar.
- Ok.
Ele saiu e eu fui até a banheiro, escovando os dentes e penteando os cabelos. A pimenta causou algumas feridas na minha boca, que incomodavam.
Desci e todos estavam à mesa. Senti uma boa sensação ao ver que me esperavam para começar o desjejum.
- Bom dia, meu amor. – Cumprimentou minha mãe.
- Bom dia, mãe. Bom dia, Mariane.
- Bom dia. – Ela sorriu, empurrando um prato cheio de panquecas com morangos enormes e muitos confeitos de chocolate coloridos.
Olhei para Min-ji, agradecida:
- Espero que goste. – Ela sorriu.
Peguei parte das panquecas e pus no prato vazio do meu pai, que ficou me observando divertidamente.
Min-ji serviu-me de chocolate quente e eu avisei:
- Papai também quer chocolate quente, Min.
- Seu pai vai beber chocolate quente? – minha mãe riu – Não... Ele não fica sem o café descafeinado dele.
- Vou... Provar o chocolate quente. – Ele garantiu.
- Também vou querer. – Mariane empurrou a xícara, que Min encheu com o líquido grosso e fumegante.
- Ok... Vamos ver se isso é bom. – J.R bebeu um gole, ficando com o buço manchado de leite.
Começamos a rir. Pus calda quente nas panquecas dele e esperei-o comer antes de provar as minhas.
Coloquei toda a calda que tinha na jarra em inox nas minhas panquecas e provei. Estava maravilhoso: o quente da calda, misturado aos morangos frescos e levemente ácidos com o chocolate extremamente doce.
Fechei os olhos, sentindo uma ótima sensação invadir meu corpo.
- Seus jornais, senhor. – Min-ji colocou-os sobre a mesa.
Ele abriu o primeiro e disse:
- Olhe, está também na capa do jornal. Li algo ontem sobre isso... Um rapaz procurando uma garota... Ou fama. Acho que quer seus quinze minutos sob os holofotes.
- Eu vi também... Está em todo lugar – disse Mariane – É só o que se fala: “El cantante procura garotinha”. Achei fofo.
Levantei a cabeça:
- O quê? – Peguei o jornal das mãos dele, sentindo minha mãos trêmulas.
Meu coração batia tão forte que parecia que sairia do peito. Imediatamente senti meu estômago pesar. Empurrei o prato de panquecas e vi todos olhando na minha direção. Ok, eu precisava me acalmar e fingir que aquilo não tinha nada a ver comigo.
Pus o jornal de volta na mesa e tentei disfarçar:
- Não tem nem foto...
- Sim, sem foto. Ele cantou uma música também, na internet. Mas o rosto dele não aparece. Ele toca... E canta. A composição é dele. – Disse Mariane.
- Como sabe que é dele? – Meu pai perguntou.
- Porque nunca ouvi antes a música... Ele é bom... Muito bom. A voz é doce e firme e a canção, embora clichê, tem potencial. Ele não desafinou em momento algum.
- Quer chamar a atenção – Meu pai falou – Em breve alguém vai lhe oferecer uma proposta. Será o típico cantor de uma música só... Estoura um ano e depois ninguém vai lembrar que ele existiu.
Peguei o jornal de novo, fingindo desinteresse:
- O dólar subiu de novo...
- Sim... Bom para nós financeiramente... Aos menos neste momento.
Comecei a ler a notícia, breve e sem imagens: “Cantor procura fã que conheceu em um dos shows. Conhecido como “el cantante”, usou a internet para tocar uma música de sua composição, causando barulho na Web e alcançando milhares de visualizações em pouco tempo. No vídeo em que o rosto do galã desconhecido não aparece, dono de uma bela voz e uma música romântica daquelas que não saem da cabeça, ele marca um encontro secreto com a jovem que procura, a qual chama de “garotinha”. Impossível saber se ela comparecerá ao local marcado, pois ele não menciona, então ninguém sequer imagina onde fica. Esperamos que o amor vença neste caso de amor que quase enlouqueceu a internet em menos de 24 horas.”
Cobri meu rosto com o jornal e sorri, quase gritando de emoção. Agora precisava saber onde seria o nosso encontro, embora meu coração já imaginasse.
Levantei e pus o jornal sobre a mesa, ao lado da pilha.
- Onde vai? – Minha mãe perguntou.
- Vou... Até a faculdade.
- Mas... Você nem comeu. – Meu pai olhou para o prato cheio.
- Perdi a fome. Estou empolgada demais... Com a faculdade nova.
- E seu desejo de panquecas de chocolate com calda quente? – Min-ji perguntou.
- Eu tive desejo ontem... – falei, me afastando – Não hoje. Mas não pude saciar a vontade... Tinha pimenta. E não tenho certeza se algum dia vou conseguir comer panqueca com calda quente de novo sem lembrar do ocorrido.
Fui quase correndo para o meu quarto e tranquei a porta. Peguei o celular e pus para busca: “El cantante procura garotinha”.
Lá estava o vídeo... As mãos dele fortes segurando o violão... Os dedos precisos tocando a melodia que ele criou, com a letra que arrancou lágrimas dos meus olhos:
“Você nunca sabe quando vai conhecer alguém
E todo o seu mundo, muda de uma hora pra outra completamente
Você apenas está andando quando de repente
Tudo o que você sabia sobre amor sumiu
E você descobre que tudo estava errado
E todas as minhas cicatrizes não parecem importar mais
Porque elas me levaram até você
Eu sei que vai levar um tempo
E eu tenho que admitir que esse pensamento passou em minha mente
Que isso pode acabar como deveria
E eu vou dizer o que eu preciso dizer
E peço a Deus que isso não te assuste
Não quero ser mal interpretado
Mas eu estou começando a acreditar que
Isso pode ser o começo de algo bom
Todo mundo sabe que a vida tem altos e baixos
Um dia você está no topo do mundo
Até que um dia você é um palhaço
Bom, eu já fui os dois pra poder saber
Que você não vai querer se meter no meio de algo quando está dando certo
E agora está dando certo
Você vê meu coração, eu o deixo aberto
Porque eu não consigo mais esconder
Eu sei que vai levar um tempo
E eu tenho que admitir que eu pensei que isso
Que isso pode acabar como deveria
E eu vou dizer o que eu preciso
E peço a Deus que isso não te assuste
Eu não quero ser mal interpretado
Mas eu estou começando a acreditar que
Isso pode ser o começo
Porque eu não sei aonde nisso vai dar
E tem uma parte de mim que adora não saber
Não deixe que acabe antes de começar
Você nunca sabe quando vai conhecer alguém
E todo o seu mundo, muda de uma hora pra outra completamente
Eu sei que você pode levar um tempo
E eu tenho que admitir que eu pensei que isso
Que isso pode acabar como deveria
E eu vou dizer o que eu preciso
E peço a Deus que isso não te assuste
Eu não quero ser mal interpretado
Mas eu estou começando a acreditar
Mas eu estou começando a acreditar
Mas eu estou começando a acreditar que isso pode ser o começo de algo bom
Yeah yea, o começo de algo bom
Yeah yea, o começo de algo bom
Yeah isso pode ser o começo de algo bom.”
Quando acabou a música, ele disse: “Te encontro no sábado, “garotinha”. Na “nossa casa”. Estarei lá do nascer ao pôr do sol, esperando por você. Se isso tudo foi uma brincadeira de mau gosto do destino... E eu sei que foi... Nós vamos mudar esta porra.”
Eu comecei a gargalhar. Larguei o celular e pulei sobre a cama, como fazia quando criança, quase alcançando o lustre do teto.
Pulei até cansar e começar a suar. Depois beijei o celular, ouvindo a música novamente:
- Nós vamos nos encontrar, “el cantante”... Não acredito. Em exatamente cento e quarenta e quatro horas estarei sentindo seu gosto... Seu cheiro... Vou beijá-lo até enjoar... E nunca mais vou deixá-lo partir. E vamos embora, juntos... Para qualquer lugar. Porque simplesmente não consigo viver sem você.
ATENÇÃO!
SOBRE A MÚSICA:
- COMPOSIÇÃO: Brett James/Chris Daughtry
Retirada de: https://www.letras.mus.br/chris-daughtry/1989713/traducao.html acesso em 15/11/2022.