Capítulo 26
2005palavras
2022-12-13 11:49
Na manhã seguinte, não desci para o café da manhã. Recebi a esteticista e a massagista, que minha mãe havia mandado chamar. O problema é que mesmo depois da visita delas, eu continuava com a cara péssima.
Meu problema não era estético. Ele era interno... Dentro do meu coração.
No final da manhã, pedi para o motorista me levar na Faculdade de Ciências Exatas de Noriah Norte.

Depois de demonstrar meu interesse em ingressar no curso de Matemática, fiz um tour guiado pelo local.
Embora o prédio fosse metade do tamanho da faculdade de Direito, o local era agradável. E o melhor de tudo: eu poderia cursar sem pagar nada, caso fosse bem numa prova aplicada após a matrícula.
Nunca passou pela minha cabeça que pudesse cursar uma boa faculdade de forma gratuita. Bastava eu ir bem no exame. E eu era boa com números e fórmulas, então tinha boas chances de conseguir atingir a média. E não usar o dinheiro do meu pai para estudar já era um grande passo para a minha independência com relação a ele.
Fiz a matrícula e agendei a prova. Estava ansiosa e de certa forma feliz.
Passei o restante do dia conhecendo os lugares de área comum do prédio, como biblioteca, centro de informações digitais e assisti uma palestra sobre a Matemática para a área docente na atualidade.
Ocupei tanto minha mente que só voltei a pensar em Charles quando entrei no carro novamente, indo em direção à minha casa.

Estava morrendo de fome. Iria pedir para Min-Ji preparar panquecas de chocolate com calda quente. Só de pensar naquilo já me deu água na boca.
Assim que entrei em casa, fui diretamente para a cozinha. Min-ji não estava, mas pedi para as cozinheiras fazerem o que eu desejava mais do que qualquer coisa, como se não comesse aquilo naquela hora, pudesse morrer.
Quando estava indo para o meu quarto, ouvi meu pai, na sala principal:
- Sabrina, venha aqui, por favor.

Suspirei e senti um leve tremor percorrer meu corpo. Nas últimas semanas, não conseguíamos nos entender em nenhuma conversa.
- Oi... Pai.
- Por que foi à Faculdade de Ciências Exatas? – Ele perguntou seriamente.
Respirei fundo:
- O meu motorista é um traidor. Eu quero um carro.
- Não... Só quando merecer.
- Eu não sou uma criança, papai. Eu cresci... Não sou uma... – Eu diria “garotinha”, mas a palavra morreu na minha boca, não saindo.
- Como se sente?
- Melhor.
- Por que não quis aceitar a visita do médico?
- Porque fiquei bem logo depois. Certamente foi algo que comi na rua ontem.
- Ok, então não foi nada sério.
- Creio que não.
- Agora me fale sobre a faculdade.
- Não quero fazer Direito. Por favor, me deixe fazer Matemática.
- Com qual objetivo?
- Estudar... Fazer algo que gosto. Sou boa com números... Tenho talento para isso.
- Então administre a J.R Recording ou faça a parte financeira da empresa. Troque o curso.
- Eu vi uma palestra hoje à tarde sobre dar aulas de Matemática. – Falei, temerosa.
Ele gargalhou e foi até o bar, pegando um copo de uísque e voltando a sentar, de frente para mim.
- Acha mesmo que você, Sabrina Rockfeller, vai dar aulas de Matemática?
- Por que não? Eu... Talvez goste. Ou posso trabalhar pela manhã nisso e à tarde cuidar da parte financeira da empresa, caso aceite.
- Não aceito.
Suspirei:
- Pai... Deixe-me fazer minhas escolhas.
- O que este idiota botou na sua cabeça?
- Não tem nada a ver com “ele”, pai. Aliás, não o vejo... Há tempos.
- Isso eu sei. Porque eu não permiti. Caso eu não deixasse o motorista na sua cola, teria encontrado ele e sei disto.
- Pai, confie em mim.
- Sim... Depois de ter ido para aquela praia ridícula, ter seu carro roubado, pondo em risco sua própria vida.
- Eu... Não vou mais fazer isso.
- O que resolveu com Colin?
- Que... Não vou casar com ele.
- Quem sabe você dá um tempo, minha filha. Colin é um bom homem.
- Pai, ele me traiu.
- Foi um deslize.
- Não justifique a infidelidade dele, por favor... – implorei, num fio de voz – Isso dói...
- Sabrina, você precisa entender que tudo que faço, é para o seu bem. Me desculpe por ontem. Me senti muito culpado.
- Eu o desculpo, pai.
- Sei que às vezes ajo por impulso... Mas se ponha no meu lugar. Eu não quero que um qualquer chegue do nada e pegue a minha garotinha.
- Não... Eu não sou sua “garotinha”... Por favor, não repita isso... Eu imploro.
Ele arqueou a sobrancelha e sorveu todo o uísque do copo, trazendo a garrafa inteira e enchendo-o novamente.
- Como está o caso do artista... Que tem trazido problemas para a J.R Recording? – Tentei puxar assunto.
- Vou perder uma boa quantia de dinheiro... Mas vai dar tudo certo.
- Fico feliz. E... “Ele”, o homem a quem se refere desta forma, não é um qualquer. O fato de não ter a mesma condição social que nós não faz dele uma pessoa ruim.
- Sabrina, várias pessoas se aproximaram e se aproximarão de mim, sua mãe, você e sua irmã por interesse. Suas amigas são a prova disto.
- Não eram minhas amigas.
- Até então frequentavam nossa casa diariamente e faziam uso de tudo que você lhes proporcionava.
- Temos que dar uma chance para conhecer as pessoas. Nem todas são ruins. Min-ji não tem a mesma condição que nós... Ainda assim é a pessoa que você mais confia.
- Ela é minha empregada.
- Mas... Existe afeto... Dela por nós e de nós por ela.
- Não deixa de ser uma empregada. Se você não quer Colin, ok. Mas jamais vou aceitar o seu envolvimento com um homem que não tenha a mesma condição social que nós. E não é por preconceito. É por amor... Amor à você. Passei por muitas decepções nesta vida. Algumas com pessoas que realmente acreditei cegamente. Você é jovem, minha filha e não entende como as coisas funcionam. Um casamento com você ou sua irmã pode deixar uma pessoa milionária. Um envolvimento, uma foto roubada e divulgada pode acabar com a sua reputação e estragar sua vida. Eu não quero isso... Protegi você e Mariane com unhas e dentes, tentando deixá-las longe dos holofotes. Quando sua irmã se envolveu com Hardlles e aconteceu todo aquele escândalo, eu e sua mãe sofremos com ela. E tudo que ele queria, no fim, era promover-se às custas dela. E conseguiu. E Mariane saiu ferida... E demorou para se recuperar.
- Eu não sou Mariane. A começar pelo fato de que jamais dormiria com alguém com quem ela estivesse envolvida.
- Acha que eu concordo com a atitude de sua irmã?
Arqueei a sobrancelha enquanto ele esvaziou a garrafa no copo.
- Não... Concorda?
- Não. Nem com a atitude dele, nem dela. Mas aconteceu... As pessoas erram.
- Pai, eu estou apaixonada pelo homem que mal conheço.
Ele levantou, de forma agressiva.
Imediatamente me arrependi de ter dito aquilo. Mas ao mesmo tempo sabia que só ele poderia me ajudar. Então passou pela minha cabeça que contar que havia perdido Charles pudesse fazê-lo ter um pouco de compaixão e me ajudar.
- Nunca mais vai vê-lo, Sabrina. Eu mandei fechar o bar onde ele tocava.
- Você... O que? – Levantei, aturdida.
- Se depender de mim, nunca mais vai vê-lo. Farei o possível e o impossível para afastá-los para sempre.
- Mas... Como soube?
- Isso não importa.
- Que porra! O que você pensa que está fazendo? – gritei – É a minha vida... A merda de vida que eu quero e você não pode intervir.
- O desgraçado canta num bar fedido e decadente. Quando eu descobrir o nome dele, vou destruí-lo. E você vai voltar à sua porra de vida normal, onde sua única preocupação será qual sapato usar com a roupa que escolheu... Porque era isso que você fazia. Maldito dia que achei sua futilidade ruim.
- Eu não quero ser esta pessoa... – senti as lágrimas escorrerem – Quero ser mais que isso.
- Ponha na sua cabeça que você é uma Rockfeller e nada vai mudar isso.
- Nunca me senti tão amada e desejada do que nos braços dele... Foram os melhores dias da minha vida... Nada até hoje me deixou mais feliz, entende? Não foi só sexo... Foi amor.
- Você não entende de amor ou sexo. Só tem 18 anos. Quando crescer irá me agradecer por eu ter feito o que fiz por você.
- Jamais vou agradecer... Você é insensível, egoísta, só pensa em si e na porra do seu dinheiro. Que se foda esta casa, a empresa, a porcaria do nome Rockfeller.
- Vou pôr pimenta na sua boca. E acabar com o vocabulário “sujo” e impróprio que ele lhe ensinou.
- É tarde demais para pôr pimenta na minha boca... Eu não sou mais a porra da sua garotinha. Eu cresci... E o senhor está se recusando a aceitar isso.
Quando subi as escadas, furiosa, encontrei minha mãe e Mariane no corredor.
- Isso mesmo... Briguei com ele novamente. E isso não vai acabar nunca... Eu não aguento mais. – Gritei.
Entrei no meu quarto e bati a porta com toda a força, ouvindo o estrondo ecoar.
Fui para o banho e tentei não chorar mais. Chegava de ficar o tempo todo sofrendo por conta do meu pai e suas maldades. Bem que achei estranho o Cálice Efervescente ter fechado do nada. Certamente ele denunciou e conseguiu destruir o lugar a tal ponto que o dono vendesse o prédio. O que ele faria se descobrisse quem era Charles? Sim, acabaria com ele e todo seu futuro.
Eu já não tinha certeza se queria encontrá-lo, porque isso significava a ruina da vida de Charles. Fiz certo em não mostrar a ele onde eu morava. Conhecendo-o o pouco que eu conhecia, sabia que não aceitaria as negativas do meu pai.
Pus uma camisola após o banho. Não desceria para o jantar. Parecia que eu só sobrevivia naquele quarto e não mais fazia parte daquela casa.
Ouvi uma batida na porta, quando já estava deitada na cama.
- Entre.
Uma das empregadas entrou, trazendo as panquecas de chocolate.
- Onde está Min-ji? – Arqueei a sobrancelha, curiosa.
- Seu pai não deixou que a senhora Min-ji a atendesse, senhorita Rockfeller.
Ela entrou e pôs a bandeja sobre a mesa. Serviu-me de duas panquecas e arrumou os talheres:
- A calda está quente... Como a senhorita exigiu.
- Obrigada. Pode se retirar.
Assim que ela saiu, senti o aroma do chocolate tomar conta do cômodo e minha boca salivou, desejosa. Corri até a mesa e sentei. Antes de pôr a calda quente, aspirei o cheiro gostoso que emanava da refeição à base de chocolate.
Nada mais importava na vida. Eu só queria comer todas aquelas panquecas com calda quente.
Mas assim que dei a primeira garfada, senti o amargor tomando conta da minha boca.
A ardência foi imediata e a língua ficou dormente, a saliva escorrendo pela boca.
Corri até o banheiro e comecei a cuspir tudo na pia, sentindo uma ardência insuportável, desde os lábios até a garganta.
Jamais faria aquilo se não fosse extremamente necessário: bebi água da torneira do banheiro, sentindo ânsia e não conseguindo impedir o vômito.
Senti alguém elevando meus cabelos e segurando minha testa. Olhei no espelho e vi minha mãe, os olhos vermelhos e tristes.
Ela ficou ali, até eu esvaziar o estômago. Mesmo quando não tinha mais nada para pôr para fora, a ardência continuava. Min-ji apareceu com um copo de leite.
Calissa me ajudou a levantar da pia e Min pôs o copo com o leite frio na minha boca. Tentei recusar, mas minha mãe pegou o copo e disse:
- Beba tudo... É para amenizar o efeito da pimenta.