Capítulo 23
2315palavras
2022-12-13 11:46
Olhei-o, incrédula com a agressividade nas palavras dele. Meu pai sabia que eu não tinha escolha. Não tinha para onde ir, nem como viver. Precisava dele... Ou melhor, do seu dinheiro. E se saísse de casa, ficaria sem nada.
Assim que chegamos em casa, desci do carro e fui para o meu quarto. Quando entrei, minha mãe estava sentada na poltrona, de frente para a cama, me esperando.
Calissa Rockfeller usava uma camisola vermelha e um robe longo por cima, um chinelo de plumas branco, comprado na última viagem à França, completava o look dela de dormir.

Eu estava confusa. Parecia que tudo estava errado naquele lugar e nada fazia sentido.
- Como está? Tentei ir junto, mas seu pai...
- Não deixou – completei – Porque é ele que manda... Na casa, na empresa, nas mulheres Rockfeller, incluindo as filhas e a esposa. Porque é só isso que ele sabe fazer: mandar e dar ordens.
- Por Deus, o que houve com você?
- Roubaram meu carro... E antes tivessem me roubado junto. Estou farta disso tudo.
- O que este desgraçado fez com você, Sabrina?

A encarei, com desdém:
- Até você, mamãe? Como pode chamá-lo assim se nem o conhece?
- Nem você o conhece... Sabe que não. Este envolvimento não é de longa data... É recente. Porque eu sei que você gostava de Colin.
- Colin, Colin... Tudo gira em torno da porra do meu relacionamento morno com Colin Monaghan.

- Se seu pai encontrar este rapaz, vai destruí-lo e você sabe disto.
- Ele já está destruído, mamãe... Ele nasceu destruído. Papai não pode fazer mais...
O passado de Charles era mesmo destruído... Ainda assim ele tentava se levantar no presente e o futuro... Ah, o futuro dele era promissor. Eu não o via sendo um cantor de bar noturno. Ele era muito bom para aquilo. Charles brilharia um dia... Como o bom músico que era.
- Querida, você precisa se acalmar. E parar de falar besteiras. Quero que fale com Colin de uma vez. E lhe tire as esperanças que ele ainda tem.
- Esperanças? – Olhei-a, atônita.
- Segurei-o o máximo que consegui. Mas agora não há mais como impedi-lo. Vocês precisam conversar. Não pode fugir disso.
- Mãe, vocês estão querendo me enlouquecer... É isso?
Calissa me deu um beijo na testa e disse:
- Estou tranquila, pois sei que você está bem. Felizmente levaram só o carro e isso pouco importa. Tome um banho e descanse. Procure dormir.
Olhei-a, sem dizer nada.
- Quero minha doce e sensata filha Sabrina Rockfeller de volta. – Ela sorriu tristemente e saiu, fechando a porta.
Aquela Sabrina não existia mais. Ela foi traída... E conheceu um homem que virou seu mundo de cabeça para baixo. E ela não tinha como voltar... Sabrina Rockfeller estava em construção.
Na manhã seguinte, finalmente decidi descer para o café da manhã em família. Há dias que eu não fazia aquilo e que ninguém se preocupava ou tentava me convencer a participa da refeição de forma conjunta.
Quando sentei, meus pais e Mariane já estavam à mesa.
- Bom dia, filha. – Minha mãe sorriu, satisfeita.
- Bom dia, família! – Não consegui conter o tom de deboche.
Eu não sabia o que era melhor: enfrentá-los ou fingir demência.
- É bom tê-la de volta à mesa conosco. – Mariane pôs a mão sobre a minha, que retirei, tentando não ser agressiva.
De uma hora para outra, olhar minha irmã era estranho. Eu imaginava ela e Colin juntos, transando e rindo da minha cara. E eu gostava dela. Então não conseguia entender porque aquilo não saía da minha cabeça.
- Seus jornais, senhor Rockfeller. – Min-ji entregou uma pilha de jornais em papel para ele.
- Até quando vai usar estas leituras em papel, papai? O tablet ou celular são bem mais práticos... E não agridem o meio ambiente. Sabe quantas árvores foram cortadas para produção destas folhas? – Começou Mariane seu discurso hipócrita de quem se preocupava com tudo e todos.
- Os recursos digitais usam baterias e é preciso recarregá-los, usando energia. Ou seja, tudo agride o meio ambiente. E eu estou “fodendo” para isso. – Ele respondeu.
- Jordan, estamos à mesa, no café da manhã... Com nossas duas filhas. – Calissa criticou.
Ele olhou na nossa direção, sem retirar o jornal da frente do rosto e disse:
- Sua filha mais nova sabe um repertório de palavrões que poderia produzir uma música de má qualidade só com eles. E dormiu com um homem que sequer sabe o nome... E a mais velha? Bem, ela dormiu com o noivo da mais nova.
A tensão tomou conta da refeição. Íamos mesmo falar sobre o que minha irmã fez comigo? Ok, talvez eu estivesse gostando daquela situação.
- Uma filha da puta fodida e traidora. – Me ouvi dizendo em alto e bom som.
O jornal caiu sobre a mesa e vi o semblante duro dele. Os olhares de Calissa e Mariane estavam sobre mim.
- Não vai se defender? – olhei para minha irmã – Diga a todos por qual motivo dormiu com meu noivo, Mariane?
Ela me olhou e não disse nada... Absolutamente nada.
Meu pai levantou, jogando o jornal sobre os alimentos que estavam sobre a mesa, chamando nossa atenção:
- Seu carro foi encontrado, Sabrina. Os ladrões presos.
- E... Meu celular?
- O celular e a bolsa não encontraram.
- O que vai fazer com o carro? – Minha mãe perguntou.
- Vender... E Sabrina não precisa de outro. Afinal, ela vai andar só com motorista a partir de agora.
- Como assim?
- Só uma câmera funcionava naquela loja de conveniência. E eu não pude ver a cara do desgraçado... Somente de costas... Com a jaqueta e calça surradas. Agora entendo porque você não sabe o sobrenome dele... Porque talvez ele nem tenha, a julgar pelas vestimentas. Espumante? Tequila? Cerveja?
- Pai...
- Ele não vai se aproximar de você... E eu não vou desistir de encontrá-lo. E quando isso acontecer, juro que vou denunciá-lo, por embebedar minha filha... E machucá-la.
- Ele não me embebedou. Foi tudo, absolutamente tudo consensual.
- Quero ver ele provar... E alguém acreditar em você.
- Esqueceu que eu serei advogada, pai? Por que me subestima?
- Este desgraçado simplesmente levou minha menininha... E deixou você no lugar.
Meu Deus... Enfrentá-lo ou ficar quieta?
- Vai seguir as minhas ordens, Sabrina. Ou acabo com ele... E com você.
Dizendo isso, Jordan Rockfeller saiu, deixando o aroma de seu perfume forte e imponente no ar.
- Sabrina, você precisa parar com esta rebeldia contra seu pai.
- Mãe, ele me trata como uma criança.
- Queremos o seu bem, Sabrina. Amamos você.
- Não... Ele não me ama. Ele mesmo confessou que ama a outra Sabrina. E ela não existe mais. Eu cresci...
- Não há dúvidas de que o homem é mais velho do que você... Embora não pudemos ver direito o rosto dele.
- Até você está metida nisto, mãe?
- Não vou deixar um qualquer tomar minha filha. Tivemos muito trabalho para criar vocês. E seu pai sempre deixou bem claro que jamais poderiam se envolver com alguém que não fosse do nosso nível social. Será que não entendem que qualquer um que se aproxima de vocês e que não tem condições financeiras quer algo em troca? Não podem aceitar serem usadas desta forma.
- Mamãe, o que você acha pior: se envolver com um homem que não tenha o mesmo nível social nosso... Ou com o noivo da irmã? – Perguntei, olhando na direção de Mariane.
Mariane levantou, jogando o guardanapo em tecido brilhoso sobre a mesa, em cima do jornal de nosso pai:
- Estou farta. Já pedi desculpas... Não posso fazer mais que isso.
- Mariane... Estou feliz por você. – Disse minha mãe.
- Feliz por ela? Por quê? – Perguntei, estufada.
- Sua irmã ganhou o próprio espaço dentro da J.R Recording e oficialmente receberá os próprios artistas para gerenciar. – Minha mãe disse, orgulhosa.
Olhei na direção dela, que usava um vestido com corte reto e clássico e um blazer da mesma cor. Sapatos pretos com solado vermelho embelezavam e davam vida ao look, que foi completado com um batom vermelho e argolas em ouro, de tamanho médio. Sim, ela estava com cara de empresária da J.R Recording.
Mariane Rockfeller podia ser empresária de artistas... Eu tinha que ser a porra de uma advogada, porque meu pai decidiu assim, sendo que nunca perguntou o que eu realmente queria fazer.
Levantei e joguei meu guardanapo sobre a mesa. Eu estava farta de tudo. Era hora de dar a virada. E viver a minha vida.
Saí, encontrando Min no meio do caminho. Dei um beijo carinhoso nela.
- Onde vai, menina?
- Concretizar minhas decisões, Min.
- Não faça besteiras, querida.
- Não se preocupe.
Fui até o carro, onde o motorista me esperava. Sentei no banco traseiro e peguei meu celular novo na bolsa, com número atualizado, todas as informações anteriores perdidas, pois não salvava na nuvem.
- Para onde, senhorita Rockfeller?
- Faculdade, por favor.
Enquanto ele dirigia, eu comecei a printar as poucas fotos que encontrei de Charles na internet. Não havia nenhuma informação sobre ele que me ajudasse a encontrá-lo.
- Me diga uma coisa... O que faz uma pessoa que quer ser famosa e reconhecida nacionalmente não ter rede social e ser quase um fantasma na internet?
O motorista, e atualmente meu segurança, olhou pelo retrovisor:
- Está falando comigo, senhorita?
- Sim, com você.
- Bem... A senhorita não tem uma rede social.
- Meu pai não deixa.
- Talvez... Alguém não o deixe. Ou... A pessoa tenha medo de alguma coisa... Ou tente esconder-se de algo... Ou alguém.
Arqueei a sobrancelha, olhando a imagem perfeita do meu “el cantante” na tela do meu celular.
- O que você tenta esconder, meu amor?
- Falou comigo, senhorita?
- Não... Estou falando sozinha.
Assim que ele estacionou dentro das dependências da faculdade de Direito de Noriah Norte, a mais conceituada do país, desci. Antes que desse um passo, o motorista estava ao meu lado:
- Eu... Sinto muito, senhorita Rockfeller. Mas seu pai me mandou acompanhá-la em todos os lugares.
Dei de ombros. Acho que já esperava por aquilo. J.R mandou alguém me vigiar, para impedir-me de encontrar Charles.
Mal ele sabia o que o esperava.
Fui diretamente para a Secretaria e pedi para cancelar minha matrícula.
- Mas... Senhorita Rockfeller... Aconteceu algo que queira nos comunicar? Por que desta decisão? És uma boa aluna.
Eu ri. Não, eu não era uma boa aluna. Tinha algumas provas escritas nas quais tirava notas péssimas e os professores me pediam para refazer até que ficassem dentro da média. Eu não participava das aulas de dicção e oratória por timidez e nas práticas sempre escolhia bons grupos para poder ficar com notas elevadas e poder me esconder por trás de outras pessoas mais capacitadas.
Eu nunca quis se advogada. Mas nasci com aquilo sendo colocado na minha mente desde sempre. Sabrina Rockfeller vai ser advogada na J.R Recording e seremos todos uma família unida, trabalhando juntos para sempre.
- Vou pensar melhor... Acho que quero trocar de curso.
- Mas... A senhorita seria uma ótima advogada.
- Não... Não seria. – Garanti, virando as costas.
Saindo dali, passei numa joalheria no Shopping e mandei fazer um colar com a conchinha como pingente. Como não ficaria pronto na hora, decidi almoçar por ali mesmo.
Estava terminando o almoço quando vi o número de Colin chamando no meu celular. Sim, alguém já tinha dado meu número novo para ele. E eu ainda não tive tempo para bloquear.
Num ímpeto, atendi:
- Oi, Colin.
- Sabrina? Você... Me atendeu?
- Sim, eu atendi você, Colin. O que quer?
- Precisamos conversar, Sabrina.
- Não... Não “precisamos” conversar, Colin. “Você” precisa falar comigo, isso?
- Sim.
- Eu... Estou ocupada agora. Mas pode me encontrar em casa... Antes do jantar.
- Estarei na sua casa pontualmente às 18 horas.
- E eu vou esperá-lo, Colin.
- Obrigado, Sabrina... Obrigado por me atender... E... Me deixar falar com você.
Desliguei, sem dar resposta. Sim, era hora de finalizar aquilo para sempre.
No meio da tarde, a gargantilha ficou pronta. Gostei do resultado quando a vi no meu pescoço: delicada e diferente. Havia mandado pôr nossas iniciais no fecho, escritas no ouro.
- Ficou linda! – Disse a atendente da joalheria.
- Também achei... – Falei ao tocar a concha adornando meu pescoço, sentindo Charles mais perto de mim.
Assim que cheguei em casa, tomei um banho e arrumei-me para esperar Colin Monaghan. Chamei inclusive meu cabelereiro, que merecia, por espalhar para boa parte da sociedade de Noriah Norte que Colin tinha pinto pequeno.
Antes das dezoito horas, mirei-me no espelho e vi que estava ótima.
Desci as escadas lenta e elegantemente. Ele estava na sala principal, bebendo com meu pai. Levantou quando percebeu minha presença.
Quando ficamos frente a frente, eu não senti nada além de raiva. Mas mesmo este sentimento era menos intenso do que eu esperava sentir. Imaginei que quando o visse, depois de tudo que houve, teria vontade de arrancar a cabeça dele fora. Mas não...
O que vi foi um homem bonito, magro, com olhos fundos e semblante entristecido. Os últimos dias pareciam ter sido péssimos para ele.
- Sabrina... Você está linda. – Ele veio na minha direção e pegou minha mão, dando um beijo no dorso dela.
- Não posso dizer o mesmo de você, Colin. – Fui sincera.
- É... O que a falta de você faz comigo.
Sorri gentilmente e disse:
- Será que poderíamos conversar na outra sala... Sozinhos?
- Claro... Fiquem à vontade, minha filha. – Disse meu pai, sorrindo feliz, certamente imaginando que iríamos reatar nosso relacionamento.