Capítulo 21
1935palavras
2022-12-13 11:45
Dirigir o próprio carro não era proibido. Mas era algo que meu pai detestava que fizéssemos. Eu não gostava de acelerar muito e costumava respeitar os limites de velocidade. Mas naquela noite, especificamente, estava ansiosa demais para cumprir as regras de trânsito.
Quando cheguei em frente ao Cálice Efervescente, estava tudo às escuras. Estacionei próximo a única porta do prédio e não havia nada, sequer um bilhete avisando o que estava acontecendo.
Fui até a lanchonete ao lado, quase sem clientes.

- Oi... Você sabe me dizer... O que houve com o Cálice Efervescente?
- Ele não abre hoje. – A atendente foi seca. No celular estava e lá ficou, sem sequer olhar na minha direção.
- Ok... Obrigada.
Ela nem se dignou em responder. Voltei para o carro e fui para casa, tentar dormir, o que era quase impossível sendo que cada vez que fechava meus olhos, via um cantor lindo que me enlouquecia e não me deixava ter sossego.
Andei até o vidro e olhei a noite estrelada:
- Será que podemos estar olhando na mesma direção neste exato momento, Charles? E admirando a mesma estrela? E pensando... Em tudo que vivemos? Parece que não o vejo há séculos... E isso acaba comigo.

- Falando sozinha?
Me assustei ao ver minha mãe de robe, parada atrás de mim.
- Mãe?
- Eu não queria assustar você. – Ela me abraçou por trás, dando um beijo na minha cabeça.

Continuei olhando para a noite lá fora, tocando as mãos macias dela envoltas no meu corpo.
- Eu vi que você saiu.
- Eu... Não fiz nada errado. – Virei na direção dela, já me defendendo.
- O que está acontecendo, Sabrina?
Como eu queria confiar na minha mãe. E de certa forma confiava. Mas sabia que ela fraca com relação ao meu pai. Por mais que tentasse não contar meu segredo, se ele quisesse, tirava dela. Porque Calissa amava Jordan Rockfeller e fazia tudo que ele pedia.
- Nada... Não foi nada.
- Hoje eu consegui impedir Colin de vir até a mansão. Mas não vou conseguir fazer isso amanhã.
Suspirei:
- Eu não quero falar com ele.
- Sabe que precisa fazer isso.
- Não há possibilidade de reatarmos nosso relacionamento.
- Terá que dizer isso na cara dele... E convencê-lo. Ele vai tentar fazer você mudar de ideia... De todas as formas possíveis.
- Mãe... Me desculpe. Eu não queria ter causado tanta confusão. Obrigada por ter dado conta de resolver tudo naquela noite. O que fez com a comida da festa? Como conseguiu evitar que tudo saísse na mídia?
- Paguei todas as pessoas que consegui. Sabe que todo mundo é comprável, não é mesmo?
- Não... Eu não sabia.
- Sim, todo mundo tem um preço. E agora você sabe disso. Quanto à comida, eu soube que Noah e Mel Collins deram um jeito de doar tudo. Alguma instituição comeu carne Wagyu, caviar e ainda chocolates Knipschildt.
- Aposto que foram muito felizes depois das trufas de chocolates Knipschildt. – Observei, sorrindo.
- Isso não é legal, Sabrina.
- Doar?
- Ironizar.
- Mãe, estou cansada.
- Não... Não está. Estava observando as estrelas e não parecia estar com sono.
- O que você quer, mãe?
- Quanto tempo vai ignorar sua irmã?
- Não estou ignorando-a. Mas ainda não estou preparada para perdoá-la.
- Isso quer dizer que vai perdoá-la um dia?
- Eu espero... – Olhei na direção dela, deitando na cama em seguida.
Calissa sentou no colchão e puxou o edredom, cobrindo-me:
- Eu amo vocês duas... Não quero vê-las brigadas.
- Eu sei.
- Nem com seu pai, Sabrina.
- Mãe... Ele me bateu.
- Filha, tente compreendê-lo.
- Mãe, não há como aceitar isso.
Ela suspirou:
- Está sendo difícil para ele também.
- E para mim, acha que não foi?
- Querida, você poderia não ter entrado naquela igreja. Mas preferiu vingar-se de Colin e expor sua irmã.
- Vingar-me de Colin? Ah, mãe, eu não me vinguei dele ainda. – Arqueei a sobrancelha.
- Sabrina, não seja imatura com tudo que houve.
- Não estou sendo. Fui muito tranquila. Tem noção do que houve? Fui traída pela minha irmã e meu noivo... Mãe, foram quatro anos ao lado de Colin para ele fazer isso comigo.
- Eu sei, mas...
Meu telefone tocou. Peguei rapidamente. Minha esperança sempre era uma chamada de número desconhecido e cada vez o celular tocava, meu coração acelerava. Mas não... Era Colin Monaghan, que um dia estava descrito como “Amor” e agora era simplesmente “Traidor”.
Silenciei a chamada:
- É ele.
- Acabe logo com isso.
- Não quero ouvir a voz dele.
- Sabe que os Monaghan são boas pessoas.
- Exceto Colin.
- Exceto Colin. – Ela concordou.
- Vou fazer isso o mais rápido possível... Prometo. Mas não hoje.
Ela me deu um beijo e levantou:
- Quando vai voltar para faculdade? Seu pai está preocupado.
- Amanhã. – Falei, sem empolgação.
Ela sorriu satisfeita:
- Fico feliz.
Minha mãe saiu. Calissa Rockfeller era linda e perfeita. Nunca a vi perder a classe. Ela defendeu-me quando meu pai tentou me bater uma segunda vez e se pôs na minha frente. Eis uma atitude que eu não esperava dela. Talvez eu falasse com Colin, em consideração à minha mãe e a amizade que ela tinha com os pais dele, que eram boas pessoas e não tinham culpa do filho da puta que era o filho deles.
O restante da semana eu me dividi entre a faculdade, fugir de Colin e tentar encontrar meu cantor na internet.
Charles tinha algumas fotos, uns poucos vídeos gravados por fãs... Mas nada além do Cálice Efervescente. Não tinha rede social ou perfil pessoal. O que eu queria? Encontrar o endereço e telefone dele num acesso mundial? A parte boa é que descobri que na quinta-feira o Cálice Efervescente abria.
E até quinta eu não vivi... Sobrevivi.
Recusei o motorista naquele dia e fui para faculdade no meu próprio carro. E não assisti a aula da noite. Fui para o bar de beira de estrada, com o nome escrito em letras neon.
Assim que estacionei meu carro na frente, chamando a atenção de todos que estavam próximos, meu coração acelerou.
Tentei fingir naturalidade e não me preocupei com os olhares curiosos da mulher saindo da Ferrari num bairro suburbano. Saber que eu veria o amor da minha vida fazia com que nada mais tivesse importância naquele momento.
Entrei no bar, sentindo o aroma já não mais tão estranho, de certa forma até familiar. Fui diretamente até o palco e não havia nenhum instrumento ali. Confusa, me dirigi até o bar, tentando identificar o barman que havia emprestado a casa para nós naquela noite.
- Sabrina?
Olhei para o homem claro, alto, de olhos mel, que sorria para mim. Sim, era um dos barman’s.
- Oi... Sou eu.
- Charles pediu para lhe entregar uma coisa.
Ouvir o nome dele me fazia acreditar que não havia sido um sonho e que ele realmente existia.
Enquanto o homem andava e eu o seguia, perguntei:
- Onde ele está? Não vai tocar hoje?
- Não... Ele foi demitido. Não toca mais no Cálice Efervescente.
Parei, sentindo meu coração bater descompassadamente e o chão como se estivesse abrindo naquele momento, me engolindo.
- Como assim demitido? – Gritei, para ser ouvida.
- Ele discutiu com o dono.
Fiquei muda, sem conseguir pronunciar uma palavra sequer. Ele me entregou um papel dobrado:
- Guardei... Ele tinha certeza que você viria.
- Sim, mas... Por que ele não veio? Tudo bem que não toca mais, mas poderia...
Enquanto ele me olhava eu percebi que de nada adiantava questioná-lo. Balancei a cabeça e sorri:
- Obrigada.
- Por nada.
- Você... Sabe onde ele mora?
- Eu sabia... Mas ele estava de mudança. O aluguel estava caro e Charles conseguiu um lugar mais em conta. Não cheguei a conhecer. Mas era perto daqui.
- Ok, obrigada.
Apertei o papel na minha mão e saí, contando os segundos para abrir. Fui até a fachada da lanchonete ao lado e recostei-me na parede externa, debaixo de uma lâmpada.
“Garotinha, não tenho palavras para o que sinto dentro de mim e me pego a pensar se foi real ou fruto da minha imaginação.
Sequer sei se você vai encontrar este bilhete, que escrevo na esperança de que tente me reencontrar.
Sim, eu fui um idiota ao lhe entregar minha jaqueta com o seu número no bolso. Voltei e tentei convencer o zelador a me dizer onde você morava, mas não consegui. Aliás, nem chantagem resolveu.
Sobre o Cálice Efervescente: eu cansei de seguir ordens e cantar o que me mandam. Mandei todo mundo se foder.
Viajei às pressas. Fui chamado para uma audiência e espero que consiga pelo menos visitar meu filho, já que até então nem isso eu posso fazer. Embora a distância seja um problema, já que ir a Noriah Sul com frequência é difícil para mim, estou disposto a fazer o possível para conseguir vê-lo novamente. Saber que ele está crescendo e não estou por perto acaba comigo e me faz carregar uma culpa inexplicável.
Também me mata a saudade que sinto de você. Preciso revê-la e decidirmos juntos o que faremos, garotinha. Porque não sei se consigo ficar longe de você. Eis meu número novo anotado aí. Não perca minha jaqueta, pois vou querer de volta. Não molhe o bilhete ou seja tonta de pôr num bolso e doar a roupa para alguém, como este idiota aqui fez.
Jamais olharei o mar novamente sem lembrar de você e tudo que vivemos juntos. Você nasceu para ser minha, Sabrina.
O homem que não acreditava no amor, na relação a dois e nem na fidelidade está de joelhos: amando, prestes a viver eternamente ao lado de uma só pessoa e certo de que jamais irá “foder” outra mulher a não ser você. Talvez você esteja contando os dias, as horas, os minutos ou os segundos de tudo. Eu só fico a me questionar: é possível enlouquecer por uma mulher em tão pouco tempo? E a resposta é sim. Aguardo ansiosamente sua ligação.”
Sorri, sentindo uma lágrima molhar o papel. Peguei meu celular e digitei o número que ele deixou. Meu coração parecia que explodiria dentro de mim.
A chamada caiu direto na caixa de mensagens.
Frustrada, tentei inúmeras vezes, sem resultado. Pus o bilhete dobrado dentro da capa do aparelho celular e fui para o carro.
Assim que girei a chave, observei a noite limpa e clara, sem nuvens. Tinha tantas estrelas no céu que parecia a praia onde estive com ele.
Sorri e dirigi para lá. Era como se estar naquele lugar o trouxesse para mais perto de mim. E eu precisava senti-lo ou morreria.
Enquanto guiava o carro pela autoestrada quase deserta, abri a bolsa e retirei a carteira de dentro, pegando a concha que Charles me deu. Beijei-a e pus no bolso do blazer.
Parecia que de moto era mais perto o trajeto. Ou estar sozinha fazia parecer mais longe.
Eu já disse que sempre segui limites de velocidade e placas sinalizadoras? Naquela noite não era o caso. Eu queria chegar depressa na “nossa casa”, sentir meus pés afundando na areia e ouvir o barulho do mar. Queria estar olhando a estrela mais brilhante quando ouvisse a voz dele do outro lado da linha.
Olhei o limite de velocidade:
- Sabrina, você está passando dos 120 km/h. O que seu pai diria disso? – Comecei a rir sozinha, enquanto minha mão tentava alcançar o celular na bolsa.