Capítulo 16
2265palavras
2022-12-11 07:23
- Eu... Eu... Viajei.
- Para onde, sua menina mimada e teimosa? Tem noção do que fez? Deixou seu noivo no altar e sumiu, como se não devesse satisfações para ninguém. – Ele gritava do outro lado da linha.
- E eu realmente não devo... Sou maior de idade.
- Sim, me deve satisfações. Depende de mim para tudo... Ou se acha independente, quando tudo que faz é viver às minhas custas, torrando meu dinheiro sem se preocupar com nada?
Deus, o que estava havendo com ele? Nunca o vi tão furioso. E parecia querer me magoar de todas as formas possíveis. E eu queria entender errado, mas estava claro que J.R me culpava pelo casamento não ter acontecido.
- Pai...
- Volte para casa imediatamente. Com quem você está? Onde está?
- Estou sozinha – menti – Precisava de um tempo para mim... Para pensar no que houve.
- Não precisava pensar sozinha... Já cometeu todos os erros possíveis na noite passada. Quero sua localização.
- Eu não... Não vou dar.
- Sabe que é questão de minutos para eu rastrear a ligação e saber onde você está, não é mesmo?
- Pai, me dê um tempo... Dois dias.
- Nenhum dia... Volte imediatamente para casa.
- Dois dias... Só isso, por favor.
- Mandarei toda a polícia de Noriah Norte atrás de você em minutos se não voltar para casa, Sabrina Rockfeller. E tirarei sua mesada.
Como assim ele estava preocupado com a porra da mesada, como se fosse a coisa mais importante que ele pudesse fazer por mim?
Eu poderia continuar argumentando, mas sabia que ele tinha sim cacife para mandar a Polícia inteira atrás de mim e encontrar-me em qualquer lugar que estivesse escondida naquele enorme país, pois meu pai literalmente mandava em tudo e todos. Coisas que o dinheiro conseguia comprar, literalmente.
Eu não queria e não podia prejudicar Charles. Sabia toda questão que ele tinha com a guarda do filho e meter J. Rockfeller na vida do cantor do Cálice Efervescente era como pedir para destruí-lo completamente. Ele jamais aceitaria que eu parti com Charles porque quis... Tampouco que me envolvesse com o homem que era de um mundo completamente diferente do meu.
- Estou bem, pai. E sozinha.
- Sim... E vestida de noiva? Sem celular, sem dinheiro, sem cartões... Vivendo de que, exatamente? Quem está por trás de você, Sabrina? Juro que destruirei quem a ajudou e sabe que é questão de tempo para eu confirmar o nome e sobrenome.
- Por Deus, pai... Eu... Estarei em casa amanhã às oito horas da manhã. – Tentei.
- Hoje... Agora. Não brinque comigo, menina mimada.
- Pare de me chamar de menina mimada! – Alterei a voz, chamando a atenção de todos no local.
- E o que você é? Uma menina que não usa de sua esperteza e deixa o nome da família correr na boca do povo, além de tentar destruir o noivo e a irmã é o que? Se você fosse madura, teria conversado com Colin e Mariane, como adultos civilizados e não tomado a atitude de entrar na igreja e dizer não para ele por uma vingança idiota e mesquinha.
- Pai, Colin dormiu com Mariane... – balancei a cabeça, sentindo vontade de chorar por estar claro que ele me culpava e sequer pensava na possibilidade de que minha irmã e Colin tinham errado – O que queria que eu fizesse? Acha que deveria fingir que nada aconteceu e ter casado com ele? Passa pela sua cabeça que eles não fossem repetir o que fizeram na noite antes do casamento? Acha que eu merecia ser traída a vida inteira pelo homem que dizia me amar e ser fiel e minha irmã, a quem sempre dediquei meu carinho e admiração?
- Você sequer lhes deu a chance de se explicar.
- E há explicação, papai? Eu não me importo em saber os detalhes de como aconteceu. Porque “aconteceu” e isso é suficiente para mim.
- Não vamos continuar esta conversa por telefone, Sabrina. Quero você em casa.
- Por favor, me deixe voltar amanhã pela manhã. Estou longe e impossibilitada de me locomover esta hora. É... Um pouco perigoso.
Ouvi a respiração dele do outro lado, imaginando que estava furioso.
- Filha?
- Mãe? – Senti meu coração acalmar-se um pouco.
- Como está? Estou preocupada, querida. Como conseguiu desaparecer assim?
- Estou bem... Precisava de um tempo para pensar, só isso.
- Eu... Imagino. Faça o que seu pai está pedindo, meu bem.
- Ele não está pedindo, mamãe... Está mandando, ordenando.
- Se não chegar até oito horas da manhã em casa, vou triturar a pessoa que a ajudou. – Foram as palavras dele, que certamente tomou o telefone das mãos da minha mãe, antes de desligar.
Olhei na direção de Charles, que fingiu não estar prestando atenção, virando para o outro lado.
Senti uma lágrima escorrendo pelo meu olho, que limpei imediatamente. Olhei no relógio de parede velho que ainda funcionava, sobre o caixa. Marcava onze horas e quinze minutos. Eu tinha oito horas e 45 minutos ao lado do homem da minha vida. Se não voltasse para casa, meu pai destruiria Charles e sua possível carreira de sucesso, bem como o lugar onde ele trabalhava a toda e qualquer chance de ele reaver a guarda do filho. Sim, porque era isso que J.R fazia com quem cruzasse seu caminho e atrapalhasse seus planos: esmagava, como um inseto.
Vi ele fazer pessoas crescerem e se tornarem famosas do nada. E também o vi destruir carreiras em dias, transformando ídolos meros mortais, falidos, dependentes do álcool e de drogas, e que perderam inclusive os direitos sobre suas próprias composições, morando de favor em fundos de quintais ou Hotéis de quinta.
Respirei fundo, borrifei álcool em gel na mão e fui na direção de Charles. Encontrei no caminho uma prateleira de chocolates. Ok, chocolates era meu vício, minha perdição. Podia ser branco, preto, mesclado... Eu amava igual. Peguei dois pretos, dois brancos, com castanhas, com confetes e coco. Aquilo era a única coisa que poderia me acalmar.
Charles parou do meu lado. Olhei o cesto que ele segurava, com quatro embalagens de preservativos, cervejas geladas em garrafas e um espumante certamente fabricado num fundo de quintal.
- Vamos trocar o espumante pelos chocolates – sugeri – Eu não bebo cervejas.
- Sim... Só bebe Champagne de marca original e famosa, de um preço absurdo, sendo que uma garrafa custa mais do que ganho numa noite inteira cantando na porra do Cálice Efervescente.
- Está tentando me culpar por algo, Charles? – Arqueei a sobrancelha.
- Não... Só quis deixar claro que eu vou beber as cervejas e o espumante barato, que não são para o seu fino paladar. – Pareceu ofendido.
- Poderia... Pagar os chocolates para mim? – Perguntei, ainda tentando assimilar a raiva repentina dele.
- Ironicamente eu posso – sorriu, balançando a cabeça – Neste momento eu posso. Certamente em alguns dias não terei nada para lhe oferecer, pois quando você voltar à sua vida normal, jamais terei ou serei o suficiente para você, Sabrina.
- Eu... Nunca lhe pedi nada... A não ser os chocolates.
- Me desculpe... – Ele pôs a mão livre sobre meus ombros.
- Tudo bem... – Falei, ainda chateada.
- Vendo você discutir com seu pai ao telefone me fez perceber que nosso tempo está passando, não é mesmo?
Assenti, com um gesto de cabeça, as palavras morrendo nos meus lábios.
- Que porra! – Ele praguejou alto.
- Acha que vale a pena brigarmos por cerveja e espumante? Por que me julga, se nem me conhece?
Ele tocou meu rosto com o polegar:
- Porque eu sou um idiota e você me faz ficar completamente nervoso e confuso. Sei que somos diferentes e ainda tento entender como conseguimos criar uma conexão tão forte e um sentimento tão profundo, sendo que não temos quase nada em comum.
- Se queremos fazer isto dar certo, é preciso começar por não julgarmos um ao outro.
- Sim, como você fez... Não me julgou quando falei sobre meu filho. Me compreendeu e me apoiou, confiou no que eu lhe disse... Ficou ao meu lado, me conhecendo há dois dias sendo que pessoas que me conheceram a vida toda ficaram contra mim.
- Sei que a possibilidade de isso dar certo é mínima... – toquei o peito dele, olhando fixo nos pelos que saiam pela camisa, sentindo meu corpo arrepiar-se momentaneamente – Ainda assim farei tudo que estiver a meu alcance.
Charles me puxou para junto de si, abraçando-me com a mão livre. Senti seu cheiro de sabonete misturado com maresia, o mesmo odor dos meus cabelos que sequer estavam penteados.
- Estou sendo imaturo... E inseguro. Me perdoe.
- Está perdoado, “garotinho”. Porque juro que vou querer ver sua carteira de identidade para confirmar se realmente tem quase trinta anos, “el cantante”.
Ele riu e nos dirigimos para o caixa. O outro casal seguia próximo, pegando itens nas prateleiras.
Quando Charles pôs as coisas sobre o balcão, eles ficaram atrás de nós. Virei para o lado e vi duas garrafas de tequila numa prateleira.
- Charles, acho que eu gostaria de beber aquilo. – Apontei para as garrafas adiante.
Ele riu:
- “José Cuervo”... Isso é fogo líquido, neném.
- Tudo que preciso... – me dirigi à prateleira, dizendo – Moço, põe duas garrafas daquelas junto.
Peguei as garrafas e esperei Charles na porta. Coloquei-as na sacola e fomos em direção à moto.
O casal passou por nós e entrou num carro, saindo aceleradamente.
- Parece que eles estão fugindo da Polícia. – Observei.
- Não fui com a cara deles. – Charles disse.
- Quem compra coisas aleatórias num posto de conveniência quase meia-noite, não é mesmo? – Comecei a rir.
Ele me ajudou a subir na moto e peguei as sacolas. Antes de ele embarcar, pôs a mão no bolso da jaqueta:
- Porra, deixei meu celular e a carteira... Acho que no balcão.
- Não acredito!
Ele voltou rapidamente para dentro do estabelecimento. Tentei descer da moto, preocupada. Mas como nunca havia feito aquilo antes sozinha e estava nervosa, minha perna escapou e senti uma dor horrível na parte interna da canela.
Larguei as sacolas no chão e gritei ao ver a queimadura horrível na minha pele.
- Que droga! – praguejei – Isso dói muito... – Minha voz saiu fraca e carregada de dor.
Charles chegou correndo até mim:
- Sabrina, o que houve?
- Eu... – senti as lágrimas descerem pelo meu rosto – Queimei a perna... – Mostrei o ferimento.
- Ah, que porra! – ele passou a mão nervosamente pelos cabelos – O escapamento está quente... Por que desceu sozinha?
- Eu... Queria ir com você.
Ele balançou a cabeça, andando de um lado para o outro.
- Encontrou suas coisas?
- Claro que não. O casal suspeito certamente levou meu celular e a carteira...
- Não podemos ir atrás deles?
- Está brincando! Devem estar longe, tamanha velocidade que saíram daqui.
- Mas... Pode ligar para o seu celular... E pedir que devolvam...
- Eu estava justo tentando fazer isso, mas ouvi seu grito... E corri desesperado.
- Me desculpe.
- Não precisa se desculpar, meu amor – Charles limpou as lágrimas com seu dedo – Venha, vamos pegar algo para colocar aí. Isso dói pra caralho, eu sei.
- Você... Já se queimou?
- Várias vezes – ele sorriu – E sobrevivi. Todo motoqueiro de verdade precisa passar por isso.
- Eu não almejo ser uma motoqueira de verdade... – Sorri, sentindo dor e comprimindo meus lábios.
Antes que fôssemos em direção à porta, o frentista veio com uma caixa de primeiros socorros:
- Vi o que aconteceu! Espero que esteja tudo bem. – Me olhou.
- Vou sobreviver... E acho que devo estar feliz porque fui finalmente “batizada” no mundo das duas rodas. – Sorri, tentando não pensar na dor.
Ele abriu a caixa e estava abaixando-se para pôr um spray na minha pele afetada quando Charles pegou o tubo das mãos dele:
- Pode deixar que eu faço isso... Grato por sua atenção.
Sorri quando ele se ajoelhou e pôs minha perna sobre a dele. Balançou o spray anti séptico e depois borrifou, fazendo a dor se intensificar. Gritei quando ele passou a pomada de queimadura.
- Vai passar, meu amor... Mas demora um pouco. Sei que a dor é horrível.
Ele assoprou minha pele, como se tivesse atendendo uma criança. Quando levantou o rosto e nossos olhos se encontraram, disse:
- Obrigado por me deixar cuidar de você, meu amor.
- Desculpe por ter causado tudo isso... Sou desastrada.
- Não, não é.
- E o que vamos fazer agora? Perdeu seu celular... Sua carteira...
Ele levantou e suspirou, olhando para o nada. Depois virou na minha direção e disse:
- Temos preservativos, tequila, cervejas, espumante e chocolates. Quem precisa de um celular quando há todas estas opções?
- Charles... Eu preciso voltar para casa.
Ele ficou com o semblante sério, me encarando.
- Meu pai me deu até amanhã, oito horas, para estar de volta.
- Você é de maior.
- Não quero confrontá-lo... Tampouco despertar a ira dele. Meu pai é um homem que não aceita ser contrariado.
- E chama “você” de mimada?
- Estava ouvindo minha conversa?
- Em parte... Foi quase impossível não ouvir.
- Preciso voltar. Mas prometo que farei o possível para que nada mude entre nós. Eu quero fazer isso dar certo... Sempre.
- Quem é você, Sabrina?