Capítulo 13
2687palavras
2022-12-11 07:22
- Eu... Não tinha noção de onde ir.
- E aleatoriamente escolheu um bar no qual nunca havia ido antes?
Olhei para ele e senti meu coração bater mais forte. Eu já estava envolvida sentimentalmente, mesmo sabendo que aquilo poderia não ter um final bom para ambos. Embora uma pessoa contida, sempre fui aberta para falar sobre sentimentos. Foi eu que disse o “eu te amo” a primeira vez para Colin. No entanto agora eu já nem tinha certeza se realmente era aquilo que senti por ele um dia.

Comparando Charles e meu ex noivo, Colin era realmente um “filho da puta” metido e cheio de manias idiotas.
Eu não sabia o que dizer naquele momento para responder a pergunta de Charles. Ele era um homem mais velho e experiente e isso de alguma forma me fazia ir devagar e agir de forma cautelosa. Tudo bem que fui um pouco imprudente e leviana em ter saído de moto com ele para um lugar desconhecido, ter transado num corredor minúsculo, sobre caixas de cerveja. Mas admitir que eu estava “muito” interessada nele era diferente e um pouco mais complicado.
- Ok, o motivo fui eu – ele respondeu por mim – Se encantou por meus lindos olhos verdes, a voz aveludada e ficou extremamente arrependida de não ter me beijado na noite anterior. Então correu para os meus braços, certa de que seria o beijo perfeito... A noite perfeita... O problema é que foi mais intenso do que imaginou e agora você não sabe como agir, porque eu não saio da sua cabeça e está a pensar como vai fazer para me manter na sua vida, já que faz menos de... – olhou no relógio – Quinze horas que desistiu do seu casamento.
Comecei a gargalhar imediatamente. Aquele homem era lindo, uma máquina de sexo e ainda tinha um humor maravilhoso... E ainda era de manhã. O que mais eu tinha para conhecer dele?
Assim que consegui parar de rir, quase sem ar, ao mesmo tempo tentando não aprofundar meus pensamentos em tudo que ele disse, porque era exatamente o que eu pensava, o encarei.
Imaginei que Charles pudesse fazer qualquer coisa, menos sentar-se sobre mim, imobilizando minhas mãos para cima. O olhar dele era quente, intenso e me fazia estremecer, como se desvendasse o que eu tinha de mais profundo escondido na alma.

- Gosta de gargalhar, garotinha?
- O que você disse foi muito, muito engraçado... – uma lágrima rolou do meu olho, causada pelo riso excessivo – Convencido! – Falei seriamente.
- Usei por base o que eu sinto... Pois sim, me encantei por seus belos olhos castanhos, sua voz estridente e irritante... – arqueei a sobrancelha com o “estridente e irritante” saindo dos lábios dele – E me arrependi de não ter ido atrás de você na noite passada. Quando a vi na pista de dança, vestida de noiva, achei que fosse um sonho... Até que veio parar ao meu lado e perdi o ritmo da música... Completamente. Eu não imaginava nada menos de você: o beijo perfeito, a noite perfeita. E você vai ficar gravada na minha mente, garotinha... Não tenho dúvidas. Embora tudo tenha acontecido de forma rápida, foi intenso. E eu só pedi sua identidade naquele dia para ter a certeza da sua idade...
- A nossa pequena diferença de idade é um problema para você, Charles?

- Deveria ser, Sabrina?
- Não é problema para mim... Nenhum.
- Agora ria de mim, sua garotinha insensível e sem coração... – Ele soltou minhas mãos e começou a fazer cócegas na minha barriga, fazendo-me rir sem parar, até quase faltar o ar.
Senti minhas bochechas pegando fogo. Estávamos completamente nus e nos dando ao luxo de brincarmos, dez horas da manhã, depois de eu ter deixado meu noivo no altar, por ele ter me traído com a minha irmã.
Creio que eu não estava no meu estado perfeito... No entanto não havia bebido nada alcóolico. Talvez meu estado “imperfeito” me desse mais felicidade.
- Você faz tudo parecer fácil na vida. – Ele disse.
- E não é?
Ele suspirou e saiu de cima de mim novamente:
- Não, não é.
Sentei sobre o colchão e olhei na direção dele:
- Tem noção de tudo que houve comigo ontem, Charles?
- Sim, eu tenho.
- E eu estou aqui.
- Está longe de casa, Sabrina. Quando voltar, se dará conta de tudo que houve realmente. E então seu sofrimento virá.
- Não... Eu não estou sentindo nada.
- Porque está aqui, numa casa na praia, ao lado de um cantor bonitão... – Ele sorriu ironicamente.
Levantei, nua e joguei o travesseiro nele:
- Convencido! Não dá para falar sério com você.
Me dirigi ao banheiro e fui para o box, ligando o chuveiro. A suíte era boa, embora em nada parecesse com o que eu estava acostumada. Enquanto a água morna caia sobre meus cabelos, fiquei a imaginar como era a vida de Charles.
Além da diferença de idade, vínhamos de mundos completamente diferentes. Não que isso fosse problema para mim, mas seria um grande empecilho para J.R.
Mas eu não precisava refletir sobre aquilo tudo. Afinal, era só sexo... E um final de semana juntos, talvez mais uns dias... Entretanto eu sabia que deixá-lo ir embora seria um problema. Eu estava envolvida... Completamente envolvida.
Senti o corpo de Charles junto do meu, me empurrando um pouco para trás, a fim de ficar sobre a água também. Abri os olhos e vi os cabelos dele encharcados, os olhos fechados enquanto a água se aproveitava da pele dele. Sim, o homem conseguia ficar ainda mais lindo daquele jeito.
- Machuquei você ontem? – Ele perguntou, preocupado, tocando alguns chupões que trilhou pelo meu pescoço.
- Não... Um pouco de ardência, mas estou viva! – Brinquei.
- Prometo ser mais gentil hoje. – Alisou meu rosto.
- Você foi gentil... O tempo todo.
- Eu posso ser mais.
- Charles... Eu...
- Você o que? – Ele arrumou gentilmente meus cabelos encharcados para trás.
- Quando eu sai da igreja, eu não pensei em ir a outro lugar a não ser atrás de você. – Confessei.
Ele sorriu:
- Eu sei, minha garotinha. – Tocou meus lábios com o polegar.
- Fui fiel, mesmo estando interessada em você na noite de sexta. Mas ele não foi...
- Sabrina, eu só não quero ser sua vingança contra ele. – Afastou-se um passo.
Aproximei-me dele, ficando bem debaixo do jato do chuveiro:
- Você não é minha vingança contra ele. Não parei de pensar em você um só minuto desde que o conheci. Mas eu seguiria com minha vida pacata e achando que ela era perfeita, se não fosse minha irmã ter contado a verdade.
Depois de um breve silêncio, ele perguntou:
- Vocês se davam bem?
- Sim.
- O que deu na cabeça dele fazer isso? Você chegou a perguntar?
- Não... Não sei se importa, entende? Ele me traiu e nada no mundo vai mudar isso.
- O filho da puta poderia ter pego qualquer mulher, mas comeu a sua irmã. Isso é... Abominável. Isso que, na sua opinião, vocês se davam bem. Se não se dessem ele faria o que? Comeria a sua mãe?
- Charles, podemos não falar mais sobre isso?
- Sobre o que você quer falar?
- Sobre você... Me deve algumas questões sobre sua vida, não acha?
Ele deixou o box, pegando a toalha e se secando.
- Está fugindo de mim, “el cantante”?
- Eu? Não, claro que não.
- Você é casado? – Olhei para os dedos dele, com alguns anéis que em nada lembravam aliança de compromisso ou casamento.
- Claro que não. Eu estaria sendo tão cretino quanto o seu noivo. – Ele colocou a cueca e depois a calça.
- Ex noivo. – Corrigi.
- Ex... Espero que realmente leve adiante que ele é o ex, Sabrina. Não acho que deva voltar para ele um dia, independente do que acontecer. Não deve ceder à pressão que diz haver por parte da sua família.
- Eu não vou voltar, Charles... Jamais. Fui traída da pior forma possível, entende?
Ele saiu pela porta. Desliguei o chuveiro e peguei uma toalha, me secando. Eu não tinha roupa para colocar. E não tinha intenção de colocar novamente o vestido de noiva rasgado.
Parei na frente de Charles, com a toalha enrolada ao corpo e brinquei:
- Que acha de eu fazer compras assim?
- Acho que vai chamar muito a atenção. – Ele sorriu, balançando a cabeça.
- Também imaginei isso. Então é pouco provável que eu suba na sua moto para comprarmos comida. Preciso que me traga roupas, se deseja que eu fique.
- Eu desejo que fique, Sabrina. Trarei roupas, não se preocupe. – Ele colocou a camiseta e por cima a jaqueta.
Pegou a chave da moto e fui na direção dele, puxando sua mão e parando no caminho:
- Quero que me fale sobre você, Charles. Eu já contei como vim parar aqui. Sei que há muito mais que eu poderia dizer, mas por hora isso explica o que houve comigo.
Ele colocou a chave de volta na mesinha. Se dirigiu à sacada e fui atrás dele.
A sacada era de um bom tamanho e tinha duas poltronas de frente para o mar. A casa ficava tão próxima da água que chegou a me dar certo receio.
O dia estava lindo. O sol brilhava alto no céu e me chamou a atenção o grande número de aves na areia úmida, procurando comida.
Não havia pessoas por ali. Um lugar bem deserto, mesmo em época de alta temporada: verão.
- Planejou me trazer para este lugar deserto? – Perguntei, olhando para o sol refletido no mar, as ondas fortes e espumantes estrondando na areia.
- Claro que sim. Não estava nos planos dividir você com ninguém. Sem contar o fato de que pode tomar banho de mar nua comigo. – Sorriu.
Eu ri e me apoiei sobre a grade de ferro, que cercava a sacada. Charles colocou a mão sobre a minha e disse, sem olhar na minha direção:
- Eu tenho um filho.
Olhei-o e ele não me encarou de volta. Seguiu olhando para o nada, além do mar, como se procurasse um ponto onde acabava aquela imensidão de água. A mão afirmou ainda mais a minha, receoso de eu tentar tirá-la. Percebi que ele ficou mais ofegante e conseguia ver sua camisa tremer, seguindo as batidas intensas do coração.
- Você... Foi casado? – Perguntei, sem ter certeza do que falar sobre aquela revelação.
- Não... Nunca casei com a mãe da criança.
- Onde ele está agora?
- Eu... Não sei.
- Não sabe? – Perguntei confusa.
Enfim ele olhou para mim, sem retirar a mão da minha:
- Perdi a guarda.
- Perdeu a guarda? – Aquilo me preocupou.
Eu ainda estava no início do curso de Direito, mas sabia que para uma mãe ou pai perder a guarda do próprio filho alguma coisa complicada ou difícil de resolver tinha acontecido.
- Por que você tinha a guarda e não a mãe?
- Eu tinha 16 anos e ela 15 quando ele nasceu.
- Meu Deus! Duas crianças...
- A família dela não quis que nos casássemos, o que sinceramente achei bom. Não estávamos preparados nem para a criança, tampouco para dividir uma vida ainda tão jovens. Seguimos cada um com seus planos... E eu fazendo parte do crescimento dele. Quando ela fez 18 anos, foi estudar no exterior. E nunca mais voltou.
- Vocês estavam juntos?
- Não. Mas nos dávamos bem, assim como você e seu ex. – Olhou para o mar novamente.
- Então você assumiu o seu filho sozinho?
- Sim... Eu ainda não tinha 20 anos. Minha mãe nunca foi o tipo que “nasceu para ser mãe” – ele respirou fundo – Então sabia que não podia contar com ela, embora morássemos na mesma casa. A família materna dele nunca aceitou que eu ficasse com a guarda, já que ajudavam a criá-lo desde o nascimento. Ainda assim nunca lhes tirei o direito de vê-lo... Até que recebi uma proposta de tocar fixo num bar noturno, estilo Cálice Efervescente.
- E... – Incentivei.
- Precisava de dinheiro para sustentar o meu filho. Larguei a faculdade que tinha iniciado e aceitei a oferta. No entanto a cidade ficava longe da família materna dele, o que dificultava as visitas.
- Deixou a casa da sua mãe, então?
- Sim... Eu precisava assumir minhas porras e ter responsabilidades. Acontece que não fui tão responsável assim.
- Não?
- Eu não tinha ninguém para me ajudar com a criança à noite... E as babás noturnas custavam caro demais para eu dividir com as despesas de aluguel, comida etc. Comecei a levá-lo comigo para o bar...
- Uma criança de... Quantos anos?
- Três para quatro. – Ele me olhou, tentando decifrar meus pensamentos.
- Então perdeu a guarda.
- A família materna não aceitava que eu ficasse com ele, mesmo sendo o pai. Eu o levava de noite para o bar e o deixava dormindo no camarim... Um camarim pequeno, desorganizado, sem janelas... Como os que uso até hoje – respirou fundo - Um lugar horrível para uma criança. As garçonetes que me ajudavam com ele, olhando-o vez ou outra. O deixava com brinquedos. Ele até que se divertia. – Ele riu.
- Jura? – Retirei a mão debaixo da dele.
- Eu tinha 19 anos, Sabrina.
- Eu 18 e tenho noção do certo e errado.
- Demorei a amadurecer... Pensei estar fazendo o certo. Como me encontrava cansado da noite, dormia durante o dia. Ele acabava ficando confuso com os horários... Comecei a não dar conta de tudo e não ter tempo para descansar. Mas não deu tempo de pensar muito... Perdi a guarda para a família da mãe, embora tenham usado a própria filha para a mentira que inventaram. Alegaram que Kelly viria aos finais de semana para ficar com ele, mantendo o trabalho em outro país. Era nítido que aquilo não aconteceria... Ela mesma não queria cuidar do filho.
- Então tiraram ele de você...
Ele estava com os olhos fixos na imensidão do mar e pude ver uma lágrima descendo pelo seu rosto, morrendo na barba bem aparada. Senti meu coração derreter e foi como se eu sentisse a dor dele dentro de mim.
Eu sempre tive tudo que quis. Jamais imaginei que pudessem existir problemas daquele tipo... Pessoas terem que deixar uma criança de 3 anos sozinha num cômodo para tocar e cantar a fim de ganhar dinheiro para sobreviver... Ou ter que abrir mão de uma babá por não ter dinheiro para comprar comida e pagar moradia.
Desta vez eu coloquei a mão sobre a dele, e tentei acompanhar seu olhar, tão longe que não tinha certeza se sabia onde estava:
- Você tentou reaver a guarda?
- Não tinha cacife para enfrentá-los. Minha condição social era inferior... Eu tinha feito todas aquelas porras... E não podia sequer dizer que não continuaria a fazer, porque eu precisava trabalhar para sustentar o meu filho, caso ficasse com ele novamente.
- Não pensou em arranjar outro tipo de emprego?
- Eu não sei fazer outra coisa a não ser cantar e tocar, Sabrina... E sempre acreditei que eu tinha potencial, afinal, me dediquei a vida inteira a isso.
- Sim, você tem potencial. Já tentou uma gravadora?
Ele riu, balançando a cabeça:
- Tantos anos que tento que nem sei ao certo quantas demos enviei.
- Eu... Duvido que tenham escutado. Você tinha indicação?
- Não... Quem me indicaria? Eu toco no Cálice Efervescente, Sabrina.
- Ninguém ouve uma demo sem que alguém indique. Se você não tem um conhecido, elas sequer chegam nas mãos de quem realmente é responsável por isso. Vão para o lixo ainda no primeiro andar. Sem indicação, elas não sobem.
- Não sobem... Para onde? – Ele me olhou confuso.
- Para o décimo andar.
- Décimo andar? – Ele arqueou a sobrancelha.
- Do prédio.
- Como... Você sabe?