Capítulo 10
2209palavras
2022-12-05 11:36
Charles pegou minha mão e foi em direção à porta, destrancando com a chave. Voltamos ao ambiente de música alta e fumaça de cigarros, regado à bebidas e pessoas que falavam todas ao mesmo tempo, quase gritando. Fomos até o bar e ele chamou um dos barman’s, falando algo no seu ouvido. O jovem rapaz sorriu e lhe entregou um chaveiro contendo algumas chaves, me observando curioso e sorridente.
- Vamos! – Ele disse, me puxando entre a multidão.
Enquanto eu o seguia, sentindo sua mão firme na minha, Charles foi cercado por algumas mulheres. Me aproximei dele, colocando a cabeça no seu ombro, enquanto enlaçava sua cintura, deixando claro que “eu” estava com ele.

- Sua performance foi excelente hoje. – Uma delas disse, com voz languida.
Eram mulheres bonitas e bem vestidas, as três beirando os trinta anos.
- Obrigado. – Ele disse gentilmente, sem se afastar de mim.
- Desde quando Charles não canta bem? – outra falou – Não sei como você ainda não foi descoberto. Assim que alguém importante e entendedor de música pôr os olhos sobre você, vai ficar famoso.
- A parte ruim é que vai esquecer o Cálice Efervescente... E tudo que já fez aqui dentro. – A loira olhou na minha direção, provocante.
- Há coisas que são inesquecíveis... – Eu disse, sorrindo, tentando não ceder às provocações.

- Sim... Como uma garota vestida de noiva num sábado à noite num bar. – A primeira olhou para mim, tentando avistar-me quase atrás do corpo do cantor, com um meio sorriso no rosto.
- Ninguém me disse que hoje era festa à fantasia – a segunda observou seriamente – Se soubesse eu teria me vestido à caráter.
- Ninguém lhe disse porque não é dia de festa à fantasia. – Charles falou de forma tranquila, tentando não ofendê-las.
- O vestido é real – respondi – Sou uma noiva que acaba de sair da igreja, deixando o futuro marido no altar.

- Pelo vocalista da Dreams? – Uma delas começou a rir, tapando a boca, fingindo se dar conta da indiscrição.
- Garotas, acho melhor a gente encerrar esta conversa por aqui. Afinal, vocês não sabem o que está acontecendo... – Charles disse imediatamente, apertando minha cintura de encontro ao seu corpo.
- Eu não sabia que você curtia meninas mais novas, Charles. Até então sempre preferiu mulheres mais maduras. – Uma delas disse, sorrindo com o canto dos lábios.
- Vai ver ele quer ter uma experiência nova. – Outra observou.
- Não passa pela cabeça de vocês que talvez “eu” queira ter uma experiência nova? – Falei, não me contendo.
- Não foi nossa intenção provocá-la, menina.
- Eu não sou uma menina... Sou uma mulher. – Respondi, em tom alto, para que fosse ouvida.
- Talvez Charles está querendo reviver o passado... – Uma comentou com a outra, para que eu ouvisse.
- Isso vai acabar com você, Charles. E sabe muito bem disso. Chegou a ver se ela tem mais de dezoito anos? Caso não tenha, você está fodido, meu amigo... Ainda mais do que já esteve a vida toda.
- Eu não pedi sua opinião, Sofia. Nem lhe devo satisfações. – Charles disse, seguindo caminho pelo meio delas, me levando pela mão.
Tudo que eu queria era sair dali imediatamente. Sentia um misto de raiva, curiosidade, ciúme... Que não sabia explicar.
Assim que passamos pela porta e respirei o ar puro da rua, me senti um pouco mais tranquila.
Charles seguiu pela lateral do bar, que ficava na completa escuridão.
- De que passado elas falavam? – Perguntei, mesmo não querendo.
Tentei me conter ao máximo, mas não consegui.
Charles parou e virou-se bruscamente, fazendo com que meu corpo chocasse contra o dele. Nos encaramos e ele pareceu procurar respostas para minha pergunta.
- Quer mesmo falar sobre isso? E agora?
- Por que não?
- Então ok, vamos falar... O que a fez deixar seu marido no altar, garotinha?
- Eu... Eu... Não quero falar sobre isso agora.
- Ok, eu também não quero falar sobre o meu passado. Se quiser vir comigo, é sem perguntas. Não estou disposto a desenterrar o que está esquecido há muitos anos.
- Todos temos um passado.
- Sim... E agora não é hora de falarmos sobre ele, concorda? Nos conhecemos há... – ele olhou no relógio – Ainda não faz vinte e quatro horas.
Peguei o pulso dele e olhei o relógio:
- Vinte e duas horas que nos conhecemos, astro do pop...
- Exatamente... Pouco tempo para ciúmes, não acha?
- Ciúmes, eu?
- Vai dizer que não teve vontade de bater na cara delas?
- Eu? Eu não... Você... Teve vontade? – Comecei a rir.
- Um pouco... Pela forma como tentaram ser más com você.
Toquei o rosto dele, sentindo sua barba, o cheiro do perfume barato espalhado pelo ar, me deixando completamente entregue... Deus, ele era lindo!
- Espero que meu interesse por você tenha passado quando se tornar famoso. – Me ouvi dizendo.
- Hum, quer dizer que você tem interesse por mim, Sabrina?
- Um pouquinho. – Confessei, rindo.
Ele abaixou-se, colocando um joelho no chão, pegando minha saia com tules que caiam em camadas.
- Charles... Eu acho que... Não seria prudente transarmos aqui. – Me ouvi falando, enquanto abria as pernas e fechava os olhos, incerta se eu realmente queria ouvir minha sanidade falando alto.
Ele começou a rir e puxou com força alguns dos babados de tule, arrancando parte da saia, deixando o vestido acima dos meus joelhos. Levantei os braços, confusa, encarando-o.
- Não vou fodê-la aqui, garotinha. Não agora. Só estou deixando você mais confortável para subir na moto.
Dei um passo para trás, deixando parte da saia no chão. Ele pegou o tule branco nas mãos, levantando e olhando na minha direção:
- Precisa disso ainda?
Neguei com a cabeça.
Ele seguiu andando e fui atrás dele. Percorremos toda a extensão do Cálice Efervescente do lado de fora, até chegarmos aos fundos do lugar. Tinha uma lâmpada amarelada e fraca, que iluminava duas motos e um carro popular.
- Qual é a sua? – Perguntei, curiosa, ao ver a moto vermelha e a preta.
- A preta.
A preta era maior, mais robusta e alta.
- Nunca subi numa moto... Em toda a minha vida. – Confessei, apreensiva.
Ele pegou a chave no bolso e subiu na moto, girando-a, acelerando com o pé e fazendo um som ensurdecedor enquanto sorria na minha direção. Tapei os ouvidos com as mãos, atordoada.
Charles estendeu a mão na minha direção:
- Prometo ter cuidado... E cuidar para você não cair. Tirando isso, não terei piedade de você, garotinha.
Eu poderia ter dito não. Não sabia sequer para onde ele me levaria. Subiria naquela coisa assustadora e perigosa, que fazia um som horrível?
Mas em vez de negar, peguei a mão dele e levantei a perna, tentando alcançar o outro lado do banco.
Ele pôs o pé para trás, me mostrando uma espécie de pedal:
- Você coloca o pé aqui... Se equilibra e põe a outra perna para o lado de cá.
Subi no pedal, não conseguindo fazer o que ele explicou. Desci novamente, tentando entender como fazer aquilo.
Charles desligou o motor e desceu. Foi até uma porta e entrou, voltando com um capacete:
- Se importa se eu estragar o seu cabelo, senhorita? – O sorriso veio no canto dos lábios, debochado.
- Já estragou o vestido que custou uma fortuna, feito por um estilista que será o mais famoso do país futuramente. Um cabelo não significa nada à estas alturas.
Ele colocou o capacete na minha cabeça, sem preocupar-se em manter meus cabelos arrumados. Fechou a fivela abaixo do queixo e disse:
- Sou um cantor promissor que rasgou o vestido do estilista quase famoso. Creio que ele possa me perdoar no futuro, já que ambos seremos estrelas. – Pegou-me por debaixo dos braços, sem cerimônia, e colocou-me sobre a moto, pondo meus pés sobre os pedais.
- Obrigada... – Falei, enquanto ele se certificava se eu estava confortável. Se é que era possível ficar confortável e segura em cima daquela coisa.
- Dentre as tantas coisas que já fiz na vida, jogar uma garota em cima da minha moto é uma novidade.
- Pense pelo lado que pelo menos em alguma coisa eu vou ser diferente para você... E vai lembrar de mim vez ou outra... Ou sempre que colocar alguém na carona. – Sorri.
Ele colocou o próprio capacete e riu, divertidamente:
- Acho que posso lembrar de você cada vez que ver uma caixa de cerveja... Ou uma parede colorida... Quem sabe um palco ou um microfone... Ou um vestido de noiva...
- Hola, cantante? – Falou uma mulher saindo do nada, no meio da escuridão.
Aparentava mais de vinte anos. Vestia saia e camisa branca e um salto com o qual mal conseguia se equilibrar.
Charles parou, olhando-a confuso.
- He sido tu fan, desde entonces. ¿Podrías dejarme tomarme una foto contigo?
- De onde... Você saiu? – Ele olhou para os lados, confuso.
- Vi tus videos en internet. Y logré encontrarlo. Eres hermoso, cantante.
- Será que ela quer um autógrafo também? – Perguntei, furiosa.
- Precisa saber lidar com a fama do seu homem, garotinha. – Ele debochou.
- Termine logo isso, “cantante”. – Provoquei.
- Está com pressa, Sabrina? – Ele me encarou, divertindo-se com a situação.
Abri um pouco as pernas, colocando os braços para trás, apoiando-me no banco, sedutoramente, ignorando por completo a fã alucinada que saiu do escuro.
A mulher entregou a ele uma caneta e pediu, abrindo a camisa sem cerimônia, mostrando o sutiã com os seios grandes e fartos:
- Cantante, quiero que escribas tu nombre aquí... Justo aquí. Podría ser "a María Dolores, de tu amor, Charles"
Charles pegou a caneta, segurando na direção da mulher, sem saber o que fazer. Sim, a “oferecida” queria um autógrafo no seio.
Abri as pernas o máximo que consegui e disse, aproveitando a confusão dele:
- Também quero um autógrafo, “cantante”... Bem aqui. – Apontei para o meio das minhas pernas, sorrindo pretensiosamente, sabendo que ele tinha certeza que eu estava sem calcinha.
Percebi os olhos dele na direção do centro das minhas pernas, cheios de luxúria.
- ¿Quién es ella? – Perguntou a mulher, olhando na minha direção com ar de desdém.
- Cariño, soy la mujer que acaba de tener sexo con él hace unos minutos. Y si no sigues interrumpiéndonos, volveremos a hacer lo que estábamos listos para hacer antes de que llegaras. Así que sé cortés y no te expongas al ridículo. Coge tu bolígrafo y lárgate de aquí antes de que te saque yo mismo. – Falei com meu espanhol carregado, que não usava há um bom tempo.
Ela pegou a caneta das mãos de Charles e guardou na bolsa.
- Ainda quer a foto? – Ele perguntou, confuso, enquanto ela fechava os botões da camisa.
- Si, por favor. – Maria Dolores pegou o celular do bolso.
Ela passou o braço em torno do pescoço de Charles e se preparou para a selfie quando o puxei, para próximo de mim, fazendo-a consequentemente vir junto. Coloquei a cabeça no meio dos dois, envolvendo a cintura de Charles com meu braço:
- Di queso, María Dolores, sonríe y acaba de una vez. Como puedes ver, nos acabamos de casar y nos vamos de luna de miel y estás siendo un poco inconveniente. – Falei.
- Pero... El cantante lleva casco. – Ela reclamou dos capacetes.
Arranquei o celular da mão dela e em seguida entreguei-lhe:
- Fora! Fuera! Outside! à l'extérieur! Fuori!
Ela foi andando, confusa, tentando entender todos os idiomas com os quais a mandei ir embora.
Charles me olhou, confuso:
- Quantas línguas você fala?
- Quantas forem necessárias para mandar uma fã oferecida ir embora.
- Você está me surpreendendo, garotinha... Bem mais do que eu já imaginava. – Ele abaixou a viseira do capacete.
Eu sorri e perguntei, quando ele sentou na minha frente, tomando o guidão entre suas mãos:
- Isso é bom?
- Eu jamais falaria algo para você que não fosse bom, Sabrina.
- Então vamos embora, “el cantante”. Tenho pressa.
Ele ligou a moto e virou a cabeça na minha direção, abrindo o visor do capacete, perguntando:
- E impressão minha ou você disse a ela que era minha esposa.
- Na verdade eu não disse isso. Falei apenas que acabamos de nos casar. – Comecei a rir.
- Agora sofrerá a consequência de sua mentira, garotinha...
- Quer dizer que vai casar comigo, Charles? – Provoquei.
- Não... Mas vou usar os dias de lua de mel que o babaca jogou fora. – Ela falou, pondo a moto em movimento.
Charles não viu, mas eu sorri, feliz com seu comentário. Abracei-me a ele, envolvendo sua cintura com força e conforme ele ia acelerando e o medo tomava conta de mim, deitei a cabeça nas suas costas e fechei os olhos, sentindo o couro da sua jaqueta no meu rosto.
Jamais senti na vida o que sentia ao lado daquele homem. Era possível se apaixonar por alguém em exatamente vinte e três horas?