Capítulo 114
2251palavras
2022-12-29 23:57
Quando acordei na manhã seguinte, Estevan estava sentado à minha penteadeira, observando o desenho do meu vestido de noiva. Levantei rapidamente fui até lá, puxando da mão dele.
- Ei, você não pode olhar o vestido antes do casamento.
- De onde é este vestido? Pelo que minha mãe me disse você estava com problemas para achar algo que a agradasse.
- Eu desenhei. – confessei.
- Você? Como assim?
- Por quê? Acha que eu não seria capaz de fazer isso? – brinquei.
- É um desenho lindo... Perfeito.
- Obrigada. – falei um pouco envergonhada.
- Acho que você tem um talento incrível. Só não sei se para o desenho ou a moda.
Olhei para o rascunho na minha mão. Não deixava muito a desejar comparando com alguns estilistas com os quais já tive o prazer de ser vestida. Lembrei também do meu vestido para o baile, que apesar das brigas com o estilista, acabei vencendo e impondo minhas decisões. O traje foi imensamente elogiado, especialmente nas revistas de moda do mundo inteiro. Claro que o fato de eu ter sido sequestrada naquele dia ajudou um pouco na divulgação do modelito.
- Eu gosto disto. Talvez eu deva saber um pouco mais sobre desenhos e moda. – admiti.
- Estamos ao lado da França, um país que vive a moda.
- Hum... Isto me deixa um pouco mais confiante.
Ele levantou e me abraçou. Dei-lhe um beijo e depois fechei parte dos botões de sua camisa.
Leves batidas na porta fizeram com que eu fosse abrir. Deparei-me com meu pai, que foi entrando sem pedir permissão. Quando viu Estevan, por sorte vestido, ele disse:
- Será que mais uma vez fui traído pela palavra do príncipe de Alpemburg?
- Não? – falou Estevan mais em forma de pergunta do que resposta.
- Nunca pensei ter uma filha tão desobediente. – ele disse pegando o desenho das minhas mãos e observando atentamente. – E também tão talentosa.
- Eu estava mesmo dizendo a ela que deve pensar seriamente em dar mais atenção ao talento que tem. – disse Estevan. – E acho que posso ajudá-la de alguma forma, apresentá-la a algumas pessoas.
- Escute o futuro rei. – ironizou Sean. – Ele só não sabe cumprir com a palavra quando se trata deste velho pai aqui.
- Quando se trata de ficar longe da sua filha, é sempre impossível, Sean. – admitiu finalmente Estevan. – Seu pedido está além do suportável.
- Conseguimos obedecer por uma semana, pai.
- Uma semana? Acham isso uma vitória? – perguntou Sean.
- Sinceramente, acho. – admiti.
- Me digam pelo menos que não levarei uma filha grávida ao altar.
- Não. Eu garanto. – falei.
- Eu compro preservativos e pílulas do dia seguinte para minha própria filha. E ela recebe flores com anticoncepcionais num quarto de hotel. Que tipo de pessoas vocês são? Desejam mesmo ser pais tão cedo?
- Não... Por isso as pílulas, os preservativos e tudo mais. – admiti. – Porra, é mesmo necessário termos esta conversa tão abertamente?
- Falta menos de um mês, Sean. Não seja tão duro conosco.
- Eu já desisti. – ele disse me entregando o desenho. – E Léia? Gostou de vê-la.
- Muito. Triste por saber que Mia perdeu o bebê e não está mais com Théo.
- Ela perdeu o bebê? – perguntou Estevan.
- Sim...
- E como você se sente?
- Sinceramente, menos preocupada e triste do que eu pensava.
- Eu não acho que Mia foi realmente sua amiga um dia. – disse Sean.
- E mesmo que um dia tenha sido, no momento que você mais precisou dela tudo que fez foi se recusar a fazer seu papel de amiga e apoiá-la. – lembrou Estevan.
- Acho que eu já percebi que ela não era minha amiga. E talvez por isso não me senti a vontade para compartilhar muitas coisas com ela enquanto estávamos no castelo.
- Que bom que percebeu. – disse Estevan.
- Chega de mendigar amor. Eu não preciso mais disso.
- Não precisa mesmo. – disse meu pai me envolvendo num abraço.
Olhei para Estevan, que piscou para mim. Eu era amada pelas pessoas mais importantes e especiais do mundo. Não precisava mais de pessoas falsas, muito menos aproveitadoras.
Aqueles dias antes do casamento foram os mais corridos da minha vida. Organizei cada detalhe com a ajuda de Deise, Léia e Aline. Sim, eu e Aline começávamos a nos dar bem, embora não fôssemos amigas. Não, eu não precisava de uma amiga. Muito menos uma que um dia teve interesse em Estevan. Mas poderíamos sim viver em paz já que dividiríamos a mesma casa. Eu acho que ela tinha um pouco de medo de mim. Pelo menos não se atrevia a olhar para Estevan quando estávamos todos juntos. E nunca mais tocamos no assunto sobre um possível casamento entre eles no passado.
Um mês procurando pela gargantilha, dando ênfase ao que mais importava: o brinco usado como pingente. E não encontrei. Foi uma das perdas que mais doeu em mim, confesso. Aquele brinco era muito importante. Estive com ele nos momentos mais importantes da minha vida. E mesmo quando tentei me livrar dele e todo o sentimento que havia ali, ele retornou, numa possibilidade de isso acontecer de uma para um milhão. E agora simplesmente desaparecera dentro do castelo, algo que perdi no mar e resgatei. E nada no mundo substituiria aquele brinco que Estevan me dera.
Uma semana antes do casamento, Estevan foi coroado rei de Alpemburg. Ele fazia questão de que isso ocorresse antes do casamento para que pudéssemos ter um tempo juntos em lua de mel sem termos que pensar em qualquer outra coisa que não fosse nós dois.
Claro que sua coroação foi um grande evento mundial, depois do rapto da princesa de Avalon, a união dele com os Chevalier e Emy ter destronado seu próprio irmão. Então não só Avalon recebeu seus cinco minutos de fama, mas Alpemburg também.
Ver Estevan com a coroa e toda a cerimônia me emocionou a ponto de eu ter chorado por quase todo o tempo. E não, eu não via mais as minhas lágrimas como um sinal de fraqueza. Ultimamente minhas lágrimas só caíam em sinal de felicidade e contentamento.
Na semana depois da coroação, uma antes do casamento, quase não vi meu futuro marido, que passou trabalhando afincadamente e inclusive fazendo várias viagens de negócios. Então eu só tinha uma saudade intensa e insana dentro de mim.
Meu desenho do vestido ideal de noiva foi bem aceito por um estilista pelo qual eu tinha um carinho especial. Alguns poucos ajustes e ele conseguiu a partir do que eu fiz, realizar meu sonho de vestir o que eu sempre imaginei.
O vestido chegou no dia do casamento. Claro que fiz várias provas, mas só o vi finalizado no grande momento que o usaria.
Todos esperavam um vestido pomposo e cheio de detalhes como o que usei no dia do baile. No entanto, criei um vestido simples e confortável. Era branco com um tecido encorpado. Tinha o decote em formato V, mas mostrando pouco do colo. As mangas acompanhavam o decote, fazendo um leve franzido num tecido rendado, mas não transparente. Elas eram o único diferencial de todo o vestido. A parte da saia não tinha detalhes e ela ficava levemente solta. O buquê era de rosas brancas e o laço era feito do mesmo tecido do vestido. Pequenas mechas laterais dos meus cabelos foram presas para trás, sendo enfeitadas com uma pequena flor do buquê. Uma maquiagem leve finalizou, dando um toque de simplicidade ainda maior com a sandália em pérolas. Tudo combinava perfeitamente com a cerimônia que eu planejei: no jardim do castelo, com amigos próximos e sem ninguém da imprensa. Era o nosso momento e eu não queria ninguém além das pessoas que amávamos ali.
Faltava pouco tempo para eu descer. Conseguia ver do lugar onde eu estava, no segundo andar, tudo preparado lindamente naquele final de tarde. Era o momento meu e de Estevan, como esperamos por toda uma vida... Desde que nascemos. Apesar do dia estar nublado, a temperatura estava agradável. E por sorte não choveu, como todos imaginavam que aconteceria.
Antes que eu descesse, a organizadora do casamento entrou ofegante.
- Aconteceu algo ruim? – perguntei ao ver o rosto dela nervoso.
- Não... – ela disse. – Mas tem alguém querendo vê-la antes do casamento. Eu não queria deixar, mas o rei insistiu que eu deixasse.
Respirei fundo e fiquei curiosa. Para Estevan ter deixado a pessoa entrar, devia ser importante.
Vi Mia entrando no salão. Ela estava um pouco abatida, mas bem vestida. Eu havia mandado um convite para ela, mas duvidei que viria.
Nos olhamos e ela perguntou:
- Não vai me dar um abraço?
Dei um abraço leve nela. Não queria amassar minha roupa, muito menos estragar meu cabelo e minha maquiagem. Nunca abracei alguém de forma tão estranha na minha vida.
- Poderiam nos deixar a sós um minuto, por favor? – pedi às pessoas que estavam ali.
Todos saíram. A organizadora lembrou:
- Você tem no máximo cinco minutos, Alteza.
- Cumprirei rigorosamente o horário. – garanti.
Mia usava um vestido curto vermelho e seus lábios estavam da mesma cor. Os cabelos ruivos estavam mais compridos e ondulados, caindo lindamente sedosos.
- Você está linda. – elogiei.
- E você, então? – ela lacrimejou. – Minha amiga vai casar.
Eu sorri. “Minha amiga”? Ouvi bem?
- Bem... O que você queria que não poderia esperar para depois do casamento? – perguntei tentando apressá-la.
Era o meu dia... O dia mais importante da minha vida. Resolver minha situação com Mia naquele momento não estava nos planos.
- Eu... Perdi o bebê.
- Eu já sabia. Ainda não entendo porque tinha que me contar agora. Ainda assim, sinto muito por você.
- Satini... Eu quero pedir desculpas.
Eu ri. Ela me lembrou o irmão. Alexander também fazia coisas erradas e depois pedia desculpas como se isso fosse resolver tudo. Infelizmente eu sabia que não era assim. E eu era boa em perdoar e não esquecer. Melhor dizendo, acho que eu não conseguia perdoar de verdade.
- Desculpada. Era isso? – perguntei não querendo ser irônica, mas preocupada com o tempo.
- Satini, somos amigas de uma vida toda... Quero realmente que me perdoe.
- Perdoo... De coração, acredite. – falei sem ter muita certeza. Mas não queria que ela ficasse mal por minha culpa. Então se era esta palavra que ela queria, eu poderia sim dar para que ela vivesse em paz.
Ela ficou me olhando.
- Mia, você quer dizer mais alguma coisa? – perguntei confusa.
- Eu quero ficar com você de novo, Satini.
- Como assim? Eu acho que não entendi.
- Quero morar com você em Alpemburg... Não quero ficar em Avalon. Minha vida ficou horrível depois que nos afastamos. Perdi meu bebê, perdi Théo, tudo virou de cabeça para baixo.
- Acho que isso não se deve ao fato te termos nos afastado, Mia. Foram suas escolhas que a levaram isso, exceto o fato de ter perdido o bebê.
- Eu era feliz com você.
- Foram tempos felizes. Mas as coisas mudaram. Eu vou me casar e estou imensamente feliz, entende? Eu amo Estevan, eu estou com meu pai verdadeiro. Aqui é meu lar... Sinto-me em casa como nunca estive antes. Embora eu seja eternamente grata à sua mãe por ter me criado e me dado o mesmo amor que deu a vocês, nunca fomos todos irmãos, não é mesmo? Você mesma e Alexander me disseram isso várias vezes.
- Não seja rancorosa, Satini.
- Eu não sou rancorosa. Só acho que não há mais espaço para aquela Mia e aquela Satini... Porque elas não existem mais, desde que saíram pela primeira vez do castelo de Avalon juntas.
- Me deixei ficar com você aqui... Por favor.
Pensei um pouco e olhei no relógio:
- Claro que pode ficar no castelo de Alpemburg, Mia.
Ela deu um largo sorriso.
- Mas não como minha convidada, tampouco como minha amiga. – adverti. – Posso indicá-la caso haja algum cargo em aberto. Mas não será ao meu lado. Eu não preciso de uma dama de companhia. Eu tenho companhias agradáveis e não preciso pagar por elas.
- Satini... Por que você é tão vingativa?
- Vingativa, eu? – eu ri ironicamente. – Se dizer-lhe a verdade soa como castigo ou vingança, eu sinto muito, Mia.
- Eu esperava outra atitude de você.
- Eu também esperei outra atitude de você no passado.
- Eu achei que você havia sido a responsável pela morte de Alexander.
- Eu nunca fui a responsável pela morte dele. Não fui eu que apertei o gatilho. Ainda assim você fez questão de me culpar.
- Esta frase explica que não fui perdoada.
Olhei no relógio e havia se passado cinco minutos:
- Mia, eu realmente preciso ir. Fico feliz que tenha vindo ao meu casamento. Sinceramente, não achei que aceitaria o convite. Pense sobre o trabalho, caso deseje tanto assim ficar em Alpemburg. Mas não há mais espaço para falsos amigos na minha vida.
Dizendo isso peguei meu buquê e saí, deixando-a ali, sozinha com seus próprios pensamentos. Ainda não entendi porque ela quis ter aquela conversa antes da cerimônia, como se reatar nossa amizade fosse a coisa mais importante na minha vida. Infelizmente os laços haviam se rompido... E jamais poderiam ser recuperados.