Capítulo 111
2409palavras
2022-12-29 23:54
Eu não tinha tempo para garotas mimadas como Aline. Se eu queria conhecer a história triste dela? Não. Se que queria ser inimiga dela? Não. Mas também não tinha intenção de ser amiga. Eu não precisava mais de amigas falsas. E se ela pensou que me passou pela cabeça sentir qualquer tipo de medo ou ciúme dela, se enganou. Eu era de Estevan assim como ele era meu. E aquela mulher me dizia que foi casada com o irmão dele, que morreu há poucos meses e se interessava por ‘meu Estevan’ por causa da coroa? Eu ri sozinha. Eu sabia muito bem o que pessoas como ela faziam pelo metal de ouro na cabeça. E também sabia como contê-las. Eu não era uma menina inocente. Eu era Satini, a menina virgem que conquistou o príncipe de Alpemburg duplamente e que uniu um reino em chamas. A puta pervertida que antes de invadir o castelo de Avalon, parou para transar loucamente numa moto no meio do mato. Eu fui a pobre mendiga de Estevan, sua prostituta e agora seria sua rainha. E tudo que eu tinha certeza era de que eu seria dele para sempre. E nada nem ninguém poderia atravessar nosso caminho.
Passei uma tarde agradável com Deise no jardim lindo e convidativo que havia no castelo. Ela me explicou que haviam outros, mas sinceramente, eu já havia definido que aquele era o meu preferido.
Eu não tinha dúvidas de que eu e a mãe de Estevan seríamos muito íntimas. Deise era simpática, sorridente e simples. Eu sentia como se a conhecesse há muito tempo. Se ela tinha o amor de um filho perdido para me dar, eu há tempos queria o amor de uma mãe que não pude conhecer.
Arrumei-me impecavelmente para o jantar. Sabia que encontraria o rei e a rainha e também contaria a verdade para eles sobre Sean. Assim que saí do meu quarto encontrei meu pai, elegantemente vestido. Parei e não pude deixar de dizer:
- Porra, você está absolutamente lindo!
Ele ficou me olhando e lembrou:
- Precisa conter suas palavras. Estamos em Alpemburg e duvido que o rei Estefano gostaria que a futura rainha falasse “porra”.
- Pai, faltou você lavar minha boca com sabão na infância. – ironizei.
Ele riu:
- Menina, eu acho que preciso fazer isso agora.
Ele me abraçou forte e me deu um beijo na testa:
- Amo você, minha menina.
- Amo você, pai.
Ele me ofereceu o braço, onde enganchei o meu orgulhosa. No fim do corredor um empregado nos esperava. E ele nos conduziu até a sala de jantar real.
Assim que chegamos, vimos o rei e a rainha já sentados. Para minha surpresa a mesa era grande, mas não tanto quanto a de Avalon. E sim, as pessoas sentavam-se próximas umas das outras, podendo ver-se sem dificuldade e serem ouvidas enquanto falavam. Eu e Sean curvamo-nos para os dois.
Deise logo disse:
- Nem pensar que se curvarão para nós. Ficarei ofendida se voltar a acontecer.
- Desculpe, Majestade. – disse Sean.
- Desculpas aceitas, Sean.
Eu havia me curvado mais para Estefano. Afinal, já me sentia bem próxima e íntima de Deise. Mas ainda temia o rei.
Um criado puxou a cadeira e sentei-me ao lado de Sean. Logo Estevan entrou na sala. Ele veio até mim, me dando um beijo no rosto e sentando-se ao meu lado. Aline chegou por último, tomando o lugar à minha frente.
- Estamos imensamente felizes com sua chegada, Satini Beaumont. – falou o rei.
- Obrigada, Majestade.
O jantar foi servido. E não era posto na mesa para que nos servíssemos. Alguns empregados nos serviam individualmente. E eu estava com fome. Não lembrava a última vez que comi uma refeição saudável. Eu estava tensa, mas aquilo não tirou o meu apetite.
- Satini, eu gostaria de me desculpar por ter ajudado seu pai, Stepjan, na fuga.
Olhei-o atentamente. Não esperava que o rei Estefano fosse se justificar para mim de forma tão humilde.
- Ele entrou em contato pedindo ajuda e abrigo em Alpemburg. Apesar de tudo que houve em Avalon, achei que fosse importante para você que ele estivesse bem. Acho que Estevan esqueceu de me contar parte da sua história com Stepjan. – ele olhou para o filho. – O que ele acabou fazendo somente para mãe. Como não conversei com Deise sobre a ajuda que estava dando ao rei de Avalon, ela não pôde me esclarecer a sua relação com ele. Jamais pensei que ele pudesse invadir seu quarto e tentar matá-la.
- Majestade, primeiramente eu gostaria de dizer que não precisa se desculpar. Você não sabia...
- Não me chame de Majestade, Satini. Gostaria que me chamasse de Estefano, por favor. Costumamos nos tratar com intimidade em família.
- E obrigada por me considerar “sua família”. Acredite, é importante para mim.
- Sei em parte o que você passou nas mãos de Stepjan. E sinto muito. Minha intenção foi ajudar e no fim acabei causando um grande dano. Que bom que ele está preso e tudo se resolveu afinal. Que ele tenha um julgamento justo em Alpemburg.
- Na verdade ele não será julgado em Alpemburg. – disse Estevan.
- Não? – perguntou Estefano surpreso.
- Satini tomou a liberdade de entregar-lhe para ser julgado em Avalon, pela própria irmã. Em troca, pediu Isabella, a garota que tentou atirar nela durante o baile.
- Vejo que você sabe o que quer, Satini. E toma decisões inteligentes apesar de sua pouca idade. – disse Estefano tomando um gole de água me olhando atentamente. – Acho que teremos uma boa política externa com você ao lado de meu filho.
- Stepjan não foi só um rei ruim... Ele sempre foi uma péssima pessoa.
- Eu poderia dizer que lamento ter feito o pacto de casamento em prol de Alpemburg e Avalon com uma pessoa como ele. Mas sabendo o que meu filho sente por você... E o que você sente por ele, acho que tudo se encaminhou como deveria. Fiz bons negócios com Stepjan. Tivemos muito apoio entre os reinos nestes anos de acordo. Jamais pensei que ele pudesse ser tão ruim com a própria filha. Embora eu sempre soube que Avalon não apoiava totalmente ele no poder, não imaginava que tantas pessoas eram contra. Muito menos que ele pudesse ter tentado matar a própria irmã em nome da coroa que não lhe pertencia por direito. Entre as idas e vindas de Estevan a Avalon, começamos a ser informados que o reino não era tão sólido quanto pensávamos. Pelo simples fato de haver mendigos nas ruas já dava para perceber que algo não estava certo e que pessoas passavam necessidade. Não encontrará isso em Alpemburg.
Olhei para Estevan e sorri ternamente. Sabia muito bem quem era a mendiga.
- Já que estamos falando verdades, rei Estefano... Eu gostaria de lhe contar a minha.
Estevan procurou minha mão, acho que com a intenção de me deixar mais segura.
- Quer que eu fale? – ele perguntou me olhando firmemente.
- Não, eu prefiro falar.
Todos os olhares na mesa se voltaram para mim. Então eu tive certeza de que era a hora e eu não podia voltar atrás. E por mais que eu temesse um pouco o que o rei achasse da minha verdade, eu tinha imenso orgulho do meu pai.
- Eu... Descobri há pouco tempo atrás que minha mãe se envolveu com outro homem... E que sou filha dele.
- Você não é uma Beaumont? – perguntou Estefano com o semblante de pavor.
- Felizmente não. Sean é meu pai. – eu sorri nervosamente olhando para ele e pegando sua mão, ficando no meio de meu pai e meu futuro marido, ambos apertando minhas mãos intensamente.
Houve um longo silêncio. Vi certa ironia nos olhos de Aline enquanto ela continuava a refeição.
- Você sabia disto, Estevan? – ele perguntou.
- Sim... Soube antes de voltar para buscar parte do exército de Alpemburg.
- E você? – ele se referiu à rainha.
- Não. – ela disse me fitando e em seguida bradando tranquilamente. – E pouco me importa de quem ela é filha. A única coisa que me importa é que ela é a vida do “meu bebê”.
- Mãe! – reclamou Estevan corando.
- Posso contar melhor a verdade quando tiver a oportunidade, Majestade, se assim desejar. – disse Sean. – Acompanho Satini desde que ela soube tudo sobre seu passado. E nunca mais a deixarei. Foram longos dezessete anos longe dela e ao mesmo tempo tão perto.
- Não me chame de Majestade, Sean. Como eu disse anteriormente, somos “família”. E acho que agora mais ainda.
Com aquela frase o rei não tocou mais no assunto, como os demais. Eu ainda sentia meu coração acelerado, sem ter a certeza absoluta de que ele realmente aceitou aquilo tão tranquilamente.
O jantar transcorreu tranquilo e com conversas agradáveis. Depois da sobremesa, o rei nos convidou para um licor. Nos encaminhamos a um sala não tão grande, mais íntima, com alguns sofás individuais confortáveis e um grande bar em forma de L com tanta bebidas que mal se dava para contar. Alguns bancos de couro num canto davam um ar mais casual ao lugar. E me surpreendi por não haver empregados ali... Somente a realeza... E nós. O próprio rei serviu licor a si, meu pai e Estevan.
A rainha me puxou pelo braço delicadamente, me fazendo sentar num canto com ela.
- Este momento é deles. – ela sorriu docemente. – Nós só ficamos aqui, observando-os e falando sobre coisas mais importantes.
- Deise, obrigada por tudo.
- Não tem porque agradecer, querida. Como eu disse, se meu bebê é feliz, eu sou feliz.
- Bebê... – eu ri. – Ele fica encabulado. – olhei para Estevan e encontrei seus olhos nos meus.
- A forma como ele a olha é tão terna... – ela observou nossa troca de olhares.
- Confesso que ele tem cara de bebê. – eu disse.
Claro que não confessei que era só a cara. Que o filho dela era um diabo na cama e que poderia fazer bebê como ninguém. Um filho seria muito bem vindo naquela família. Eu me senti segura e amada, como nunca me senti em toda a minha vida.
- Estevan precisa se preparar para o trono. – disse Deise. – Meu filho mais velho passou a vida esperando por este momento. No fim não chegou a receber a coroa de rei.
- Sei bem como é se preparar a vida inteira para assumir uma coisa tão grandiosa quanto se tornar uma rainha e depois perceber que tudo que você fez ou até mesmo deixou de fazer em função disto não teve nenhum propósito. O que penso é que independente de o irmão de Estevan ter aberto mão de algumas coisas em função disso, ele foi feliz. Creio que não há como não ser feliz neste família. – eu sorri. – Vocês são incríveis. E acho que Estevan será um ótimo rei. Porque ele é simplesmente é o homem mais perfeito que existe no mundo. E também o mais bondoso e preocupado com o bem estar das pessoas. Ele me deu a única coisa que ele tinha de valor quando me conheceu, sem sequer saber quem eu era. Tudo isso porque ele queria me ajudar. Foi neste momento que eu soube que ele era o homem da minha vida. E por este ato eu tenho a certeza de que ele fará qualquer coisa para que ninguém sinta nenhuma dificuldade em Alpemburg, levando o reino da forma tão bonita e perfeita quanto seu pai o conduz.
- Vocês serão o rei e a rainha que Alpemburg sempre esperou. Estevan tem visão de futuro. Até mais do que o irmão. Ele sempre almejou inovações tecnológicas para Alpemburg. E sim, ele sabe se colocar no lugar do outro... Sempre foi assim, desde pequeno.
- E Aline? – perguntei. – Ela gostava muito do marido?
- Também foi um casamento arranjado. Afinal, você bem sabe como funciona tudo na realeza. E meu filho mais velho foi muito mais requisitado para alianças do que Estevan, que não seria o herdeiro da coroa.
- Mas eles chegaram a se gostar?
- Sim, mas não foi amor. Nunca vi isso no olhar deles. Ainda assim ela sofreu a perda.
- Ela me falou que cogitaram o casamento dela com Estevan.
- Falou? – perguntou Deise pensando um pouco antes de responder. – Foi cogitado uma vez... Por questão política. Mas a decisão de Estevan sempre foi o que mais pesou. Embora ele tenha se preparado a vida inteira para o casamento com você, inclusive evitando se relacionar com outras mulheres por medo de se envolver, quando foi conhecer Avalon ele voltou completamente apaixonado e disposto a acabar com o pacto entre os Beaumont e os D’Auvergne Bretonne. Depois da morte de um filho eu percebi o quanto a vida é curta. E que no fim o amor é tudo que importa. Por isso eu o apoiei. Somos um bom reino. Temos uma enorme popularidade como reis aqui. E para nosso povo, não importa com quem Estevan se case. Eles só querem continuar vivendo bem como vivem. E já não vivemos numa época onde alianças entre reinos sejam tão importantes como antigamente. O que importa é uma boa política e relações respeitosas com todos os países. Não acho que seja certo envolver nossos filhos, as pessoas que mais amamos na vida, nesta espécie de moeda de troca. O amor não se compra... Um casamento arranjado pode trazer uma vida inteira de decepção e desgosto.
- Concordo plenamente. Tive a sorte de conhecer Estevan antes. Mas se não fosse ele naquele baile, eu teria fugido e nunca mais voltado, entende? Porque estava apaixonada pelo homem que conheci em Avalon e era ele que eu queria passar o resto da minha vida.
- Por isso esqueça o que Aline lhe disse.
- Eu já esqueci, não se preocupe. Até porque, para ser sincera, eu jamais deixaria alguém tirar Estevan de mim.
- Disso eu tenho certeza, querida. Você não é uma garota que perde sem lutar.
- Por ele eu faria qualquer coisa. – disse o olhando bebendo e rindo com nossos pais.
- Me parece que o rei aceitou meu pai e meu passado.
- Estefano está doente... E hoje tudo que ele quer é que nosso filho esteja feliz.