Capítulo 109
2389palavras
2022-12-29 23:52
Então por volta das 5 horas da manhã eu entrei nos portões do castelo de Alpemburg. O local era todo cercado por grades de ferro e ornamentado por um enorme gramado. O caminho que o carro fazia era iluminado por postes dourados. O automóvel passou por um portão eletrônico, descendo até o subsolo. Só consegui ver a fachada clara do castelo, que tinha dois andares. Conforme o veículo se locomovia, as luzes iam automaticamente ligando, até que finalmente paramos num local com cerca de cinco carros iguais: pretos, grandes, com vidros escuros e blindados. Adiante muitos outros carros, vários de corrida, a tão conhecida moto vermelha e outra preta ainda maior.
- O que você faz com tantos carros? – perguntei.
- Como sabe que é meu?
- Só falta ter seu nome escrito. – brinquei.
- Bem... Eu já lhe disse que gosto muito de correr, não é mesmo?
- Ela será só expectadora nas suas corridas. – disse Sean observando a coleção de carros.
- Claro que sim, Sean. Não se preocupe.
Fomos até uma porta, que se abriu automaticamente e subimos por uma escadaria bem iluminada.
- Me parece que tecnologia aqui não falta. – observei.
- Espero que goste, Alteza. – ele sorriu.
- Confesso que sim... – falei olhando tudo atentamente. – Avalon mais parecia um castelo antigo. Stepjan sempre foi contra qualquer tipo de mudança.
- Verá que aqui não é nada parecido. Investimos muito em tecnologia e inovação. E não me refiro somente ao castelo.
Assim que chegamos ao topo da escadaria a porta abriu-se e dois empregados uniformizados nos esperavam.
- Satini Beaumont, minha futura esposa. – Estevan me apresentou a eles. – E este é... Sean, uma pessoa muito especial que merece respeito e admiração de todos nós.
Ambos se curvaram rapidamente.
- Quero que nos acompanhem aos respectivos quartos onde estão seus pertences a fim de que os atendam assim que chegarmos lá, de forma que não lhes falta absolutamente nada.
- Sim, Alteza.
Nós três os seguimos. O castelo era amplo e com poucos móveis, o que deixava tudo bem contemporâneo. A escadaria era em mármore branco e ficava no meio do hall de entrada principal. Um grande lustre em forma de candelabro estava pendurado do teto próximo da porta de entrada. Enquanto eu subia maravilhada com tudo, Estevan pegou minha mão. O olhei e senti meu coração bater intensamente. Eu estava com ele, no lugar onde seria futuramente nosso lar. Seguimos pelo lado direito, num enorme corredor completamente branco com algumas pinturas absolutamente maravilhosas nas paredes. No final do corredor, dobramos mais uma vez à esquerda e então estavam as portas. Meu pai ficou no primeiro quarto. Dei um beijo nele antes que ele entrasse:
- Satini estará ao seu lado, Sean. – disse Estevan.
- E você?
Ele riu:
- No meu quarto... No corredor do “outro lado”. – ele apontou.
- Então vou dormir tranquilo. – disse Sean.
Um dos empregados entrou com ele e fecharam a porta. Então ficamos nós dois e o outro homem jovem que nos acompanhou.
- Sabe me dizer se os pertences de Satini já estão organizados em seu quarto? – perguntou Estevan.
- Sim, Alteza. Sua mãe, Vossa Majestade, providenciou para que tudo ficasse absolutamente perfeito para esperar a princesa. O maior quarto também ficou para ela.
- Você quer alguma coisa? – perguntou-me Estevan.
- Não... Eu só quero tentar dormir um pouco.
- Obrigado e dispensado. – falou Estevan.
O garoto saiu. Estevan abriu a porta e entrou comigo, fechando-a.
- Vou tratar de encontrar uma mulher para acompanhá-la e ajudá-la no que for necessário. – ele disse.
- É só um garoto, Estevan.
- Você também é só uma garota. – ele me enlaçou com seus braços, trazendo-me para junto de si. – A minha garota.
- Sinceramente, não me importo se for homem ou mulher... Não há tempo para mais nada a não ser admirar este lugar. – confessei.
O quarto realmente era grande. Creio que do mesmo tamanho do meu em Avalon. A cama ficava no centro, com um dossel de tule brando delicado. Tudo era em tons claros e os móveis brancos, assim como as paredes, exceto uma que era decorada com papel de parede que pareciam rosas em tons rose antigo.
Uma enorme cortina cobria uma parte da parede. Fui até lá e abri, vendo a janela gigantesca envidraçada, com uma pequena sacada que me dava visão de um lindo jardim, bem como parte da cidade que tinha as luzes ligadas durante o dia que chegava e a noite que findava. Eu estava absolutamente encantada com Alpemburg.
- Apesar de tudo que aconteceu hoje... Sinto-me em casa. – confessei.
Quando fui me virar novamente, bati nele. Estevan estava praticamente junto de mim. Como era possível eu me sentir tão bem e segura ao lado dele?
Ele olhou meu pescoço e me deu um beijo na parte ainda dolorida. Reclamei.
- Certamente ficará um hematoma. Desculpe-me por isso, princesa.
- Você não tem culpa da nada...
- Tenho... Não deveria tê-la deixado ir para o hotel.
- Relaxe... Está tudo bem. E fico feliz de estarmos com Stepjan em nossas mãos.
- Vamos devolvê-lo a Avalon ou prefere que ele seja julgado em Alpemburg?
- É possível que ele seja julgado aqui?
- Não pelos crimes que cometeu lá. Mas pode ser julgado aqui sim, por ter tentado matar a futura rainha de Alpemburg.
- Eu... Preciso pensar sobre isso ainda.
- E não precisa ser agora. Faça tudo com calma. Quero que agora descanse.
- O dia está nascendo e eu indo dormir... Meus dias tem sido intensos e loucos... Desde que o conheci.
Ele riu:
- Eu poderia dizer o mesmo de você. Satini Beaumont foi como uma bomba na minha vida.
- Obrigada por ter aparecido na minha vida... E ter me dado seu brinco. – eu peguei o pingente bem seguro na minha gargantilha.
- Vamos descobrir onde fica o banheiro... E o closet com suas coisas.
As duas portas brancas ficavam uma ao lado da outra. Numa um closet de tamanho médio, com todas as minhas coisas milimetricamente organizadas. Na outra, um banheiro de bom tamanho, todo branco, com um chuveiro duplo no Box, e uma pia com espelho desde o teto.
- Tudo absolutamente perfeito. – falei.
- Espere até ver o “nosso” quarto. – ele me abraçou.
- Espero conhecê-lo em breve.
- Amanhã?
Eu ri:
- Acho que temos que pelo menos tentar obedecer as regras que meu pai impôs.
- Sinceramente, eu acho que não consigo. Posso tentar fazer ele mudar esta regra... Pode ser qualquer uma, menos essa.
Deitei na cama e senti meu corpo relaxar. Parece que eu realmente precisava descansar.
- Estevan, há possibilidade de Stepjan fugir?
- Nenhuma... Eu garanto.
Eu deitei do jeito que estava no travesseiro macio e com bom cheiro. Ele deitou-se ao meu lado. Viramos um para o outro e nos encaramos. Estevan passou a mão pelos meus cabelos:
- Descanse... Você precisa.
- Será que conseguimos deitar numa mesma cama sem nos tocarmos? – perguntei passando a mão nos lábios dele.
- Sem nos tocarmos não... Mas podemos tentar não fazer amor. – ele sorriu.
Senti seus dedos quentes acariciando meu rosto e fechei meus olhos. Com certeza aquele foi o dia mais louco de toda a minha vida.
Quando despertei havia uma leve claridade natural do quarto, vinda da janela. Eu estava só de calcinha e sutiã e coberta com uma leve manta. Sorri pensando em como Estevan havia tirado minha roupa e eu nem percebi. Até com aquilo ele se preocupou... Eu estar confortável. Que horas seriam? Levantei e fui procurar um relógio no quarto. Não havia. Fui até o closet e retirei o meu de pulso de dentro da caixa com minhas joias. Dei um salto ao ver que era quatorze horas. Eu simplesmente apaguei quando deitei na cama. E o almoço? Que má impressão a família Alpemburg teria de mim... Que vergonha. Que desfeita!
Fui até o banheiro e tomei um banho quente. Depois coloquei um vestido midi em tweed de uma marca conceituada e uma camisa branca por baixo, com um scarpin. Hora de voltar a ser uma princesa. Incrivelmente meus pertences estavam todos organizados e minhas maquiagens na penteadeira gigantesca. Se aquele era o quarto de hóspedes eu mal esperava para ver o da realeza. Os D’Auvergne Bretonne eram muito gentis com seus hóspedes. E eu poderia apostar que não foram tão bem recebidos em Avalon... Muito menos postos em aposentos tão requintados. Depois da maquiagem leve olhei-me no espelho e fiquei contente com o resultado... Até virar e ver meu pescoço. Havia marcas arroxeadas nos lados. Eu era boa em cobrir marcas de violência. Passei duas camadas de base e um pó com acabamento matte. E ficou perfeito, como se nunca eu tivesse sofrido uma tentativa de estrangulamento na vida. Eu ri para mim mesma, ironicamente... Duas vezes quase estrangulada por pessoas em quem um dia eu tanto confiei. Senti orgulho de mim mesma... Pois eu estava ali, erguida, firme e forte. Preparada para outra? Eu esperava que não houvesse outra vez. Mas também sabia que a vida era uma caixinha de surpresas. E eu poderia cair inúmeras vezes. Ainda assim eu sempre levantaria, ergueria minha cabeça e seguiria em frente. Porque eu era Satini... E eu tinha orgulho de ser quem eu fui e muito mais do que eu me tornei.
Parei na porta, pensativa. Para onde eu iria? Eu nem sabia exatamente onde eu estava naquele castelo.
O corredor estava absolutamente vazio. Bati na porta de meu pai e entrei, sem permissão. O quarto dele era um pouco menor que o meu, mas não perdia nada em conforto. Eu não sabia exatamente como eram suas acomodações em Avalon, mas dali para frente ele não receberia menos do que merecia. Atravessei o dormitório e senti o cheiro dele no ar. Sorri. Eu conhecia o cheiro de Sean, assim como o de Estevan. Eles jamais poderiam trocar de perfume. Fui até a janela, que estava aberta. O jardim durante o dia era perfeito. Havia flores coloridas e diferentes das que eu estava habituada. Um caminho de pedras brancas e rosadas se abria entre os vários pergolados com esteiras convidativas nas sombras onde os tules transparentes esvoaçavam com o vento fraco. Coloquei minha cabeça para fora, avistando mais para frente uma enorme piscina azul turquesa. O lugar era tão perfeito quando o príncipe que ali morava.
A porta se abriu e lá estava ele... Meu Estevan.
- Eu poderia dizer bom dia, Alteza... Mas acho que devo dizer boa tarde.
Ele veio até mim e me deu um beijo no rosto:
- Está melhor?
- Descansada... E vim procurar meu pai que desapareceu.
- Ele não dormiu tanto quanto você. Fui acordado por ele.
- Como assim?
- Sim, abri meus olhos com Sean mandando eu sair do seu quarto.
- E tudo isso na sua casa! – tapei meu rosto com as mãos. – Que vergonha.
- Literalmente, eu morri de vergonha. Ele não perdeu a oportunidade de me dizer que eu dei a palavra que nada aconteceria antes do casamento...
- Mas só dormimos juntos. Realmente não aconteceu nada.
- Sim... Mas havíamos combinado que aconteceria na noite passada... Então realmente eu não cumpri com minha palavra.
- Isso quer dizer que a palavra do príncipe e futuro rei Estevan D’Auvergne Bretonne não pode ser levada a sério? – ironizei abraçando-o.
- Quando se trata de Satini Beaumont, não.
- Podemos pelo menos tentar fazer o que meu pai quer...
- Acho que podemos... Se conseguirmos ficar pelo menos um metro de distância um do outro.
- Isso eu não garanto que consigo... – sorri.
- Eu prometo que vamos tentar pelo menos. Gosto muito de Sean.
- Sim, podemos tentar. Eu nunca fui uma pessoa muito obediente... E Sean tenta me privar de coisas que gosto muito... Sinto que ele realmente se preocupa comigo, entende? Mas eu não sei fazer o que ele pede... Minhas vontades parece que estão acima de tudo.
- Mas você obedecia Stepjan?
Suspirei antes de responder:
- Na base do medo algumas vezes sim... Mas sempre o enfrentei. Às vezes na frente dele e quase todas por trás.
- Eu tento entender por que Sean não quer que a gente durma junto se isso já aconteceu tantas vezes...
- Podemos perguntar.
- Acho que se eu tiver que falar novamente com ele sobre isso, vou me sentir muito constrangido.
- Eu também.
- Está tomando as pílulas?
- Prometo que vou começar hoje... Se tiver mais flores junto.
- Claro que haverá. Todos os dias se você quiser, para que não esqueça.
- Estevan, eu preciso usar o telefone. Quero falar com Emy.
- Vamos até o telefone.
Ele pegou minha mão e eu o segui. Eu gostava tanto disso nele... Sempre junto de mim, como se não pudesse me soltar nunca. Eu também tinha às vezes a sensação de que se eu o largasse o perderia para sempre, mesmo sabendo que ele sempre estaria ali.
Fomos até uma pequena sala, onde havia um telefone, dois computadores e uma estante com arquivos.
- Pode usar.
Olhei para ele, envergonhada de admitir que eu sequer sabia o número do castelo de Avalon, minha casa. Mas não precisei dizer isto com palavras. Ele apertou os números e em segundos eu falava com alguém, me identificando e pedindo para falar com a rainha de Avalon.
EMY: Satini, querida... Feliz em ouvir sua voz. Eu vi na televisão sobre Stepjan. Diga-me que está tudo bem.
SATINI: Sim, Emy. Por sorte meu pai e Estevan chegaram a tempo. Eu realmente poderia estar morta. E infelizmente eu sei muito bem qual é a sensação de alguém tentando matar você.
EMY: Diga-me, por favor, que não contou a verdade a ele.
SATINI: Não contei.
EMY: Sinto-me aliviada. Quando você vai mandá-lo para Avalon?
SATINI: - Pois então, Emy. Eu estou justo ligando para lhe fazer uma proposta.
EMY: Uma proposta? Não estou entendendo.
SATINI: Sim. Eu entrego Stepjan Beaumont, prisioneiro em Alpemburg, podendo ser julgado aqui pelo crime de tentativa de assassinato da futura rainha.
EMY: Você está tentando dizer que quer algo em troca, Satini?
SATINI: Sim.