Capítulo 108
2043palavras
2022-12-29 23:51
Senti meu coração pulsando cada vez mais forte. O medo de morrer tomou conta de mim... Justo agora que tudo estava se encaminhando na minha vida.
- Eu não vou machucá-la, minha filha. – ele disse em voz baixa.
Ele continuou me encarando e não me deixando falar até que pouco a pouco me acalmei. Tentei pensar que ele ainda não sabia a verdade e se ainda imaginasse que eu era sua filha, talvez não atentasse contra minha vida. Ao mesmo tempo vi o quanto eu era idiota: ele me queria morta quando sabia que eu era sua filha, sem nenhum tipo de sentimento de culpa.

Levantei a mão tentando explicar que aquilo era um sinal de paz. Ele retirou a mão da minha boca e me abraçou, comigo ainda deitada. Senti o cheiro do perfume conhecido dele e a repulsa na mesma hora.
- O... Que você está fazendo aqui?
- Eu... Precisava vê-la... Saber como você estava...
- Isso é um jogo?
- Claro que não, querida.
- O que você quer? Como me achou? Como entrou aqui?

- Eu tive ajuda de Estefano, pai de Estevan.
- Estefano?
- Ele... Ajudou-me a chegar em segurança em Alpemburg e também encontrou um lugar para eu ficar.
- Por que... Ele faria isso?

- Porque somos família, querida.
- Somos família? Como assim?
- Ele me disse que você estaria neste hotel esta noite. Fiquei tão feliz em poder reencontrá-la...
- Por isso que fez todo o possível para me resgatar da Coroa Quebrada? – perguntei ironicamente.
- Meu bem, eu ouvi quando a pessoa que atirou em Alexander disse que você mesma planejou aquilo. Por isso não fiz nada... Imaginei que você estivesse fazendo o que sempre quis: viver uma vida rebelde.
Eu ri. Como ele conseguia ser tão dissimulado?
- Então você sabe que as tropas de Alpemburg ajudaram a Coroa Quebrada?
- Estevan é jovem ainda... Não tem noção do certo e errado. Mas com a sua ajuda, poderemos convencê-lo a tomar o trono de Emy novamente. Ele é também um Chevalier. Eu poderia inclusive falar com a rainha Anne e as tropas de Noriah Sul ficarem a nosso favor. Precisamos recuperar o que é nosso, querida.
- O que é “nosso”? Eu ouvi você falando que me queria morta... E que eu jamais receberia a coroa.
- Isso... Não é verdade, minha filha.
- “Minha filha”? Como você consegue ser tão frio quando tem interesse por detrás? Eu jamais convencerei Estevan a mover um dedo para ajudá-lo. Eu não quero a coroa de Avalon... Em breve serei rainha de Alpemburg. Isso foi o que você sempre quis: eu longe da realeza de Avalon. E posso garantir que aqui não haverá lugar para você... Muito menos em Avalon.
- Como pode ser tão ingrata? Depois de tudo que eu fiz por você?
- Depois de tudo que você fez por mim? – eu ri. – Isso só pode ser uma brincadeira.
- Filha, eu amo você.
- Não me chame de filha. – falei em tom mais alto.
Novamente ele tapou minha boca, me forçando a calar-me:
- Não quero que Sean acorde. Sei que ele ainda é seu guarda-costas.
Eu senti as lágrimas caindo. Não, Sean não é meu guarda-costas... Ele é meu pai. Eu gostaria de gritar aquilo com todas as letras. Mas não o faria. Emy também merecia aquilo. Ela esperou muitos anos pela oportunidade. Ambas fomos quase mortas pela ganância e ambição dele e pelo fato de simplesmente sermos mulheres. Mas neste momento eu tinha Estevan e Sean. E nada para mim importava mais do que aquilo. Eu deixaria a verdade cruel para ela contar. Ela merecia... Ela me deu uma chance quando aceitou invadir o castelo e me sequestrar. Eu devia àquilo a ela.
- Você vai me ajudar por bem ou por mal. – ele disse. – Porque somos uma família. Eu vou dizer o que você vai fazer...
Eu consegui tirar a mão dele da minha boca. Continuava deitada, pois ele estava sobre mim, então eu não consegui me movimentar.
- Somos família somente aos domingos, “papai”. Hoje não é domingo.
Stepjan me deu uma bofetada:
-Sua vadia ingrata. Depois de tudo que eu fiz por você.
- Eu não farei nada para ajudá-lo... – eu ri. – Vou acabar com você.
Stepjan era completamente insano e desequilibrado. Achava mesmo que eu iria ajudá-lo? Nunca... Eu preferia morrer.
- Então eu vou matá-la. – ele disse.
- Mate com suas próprias mãos... Se tiver coragem.
Mas jamais eu imaginei que ele iria tentar me sufocar. No entanto, foi o que aconteceu. Suas mãos passaram a apertar meu pescoço, fechando minha garganta até que começasse a quase ficar sem ar. Rebati meus pés e tentei retirá-lo de cima de mim, mas não consegui. Eu seria morta pelas mãos de Stepjan Beaumont.
Consegui passar a mão no abajur na mesa ao lado da cama e ele caiu, fazendo barulho. Por Deus, pai, me salve!
Logo que o abajur espatifou no chão, a luz se acendeu e vi Sean atrás dos olhos monstruosos de Stepjan. Meu pai o puxou de cima de mim e começou a lhe dar socos até que ele caísse sobre a cama. Fiquei imóvel até Estevan me tirar da cama e levar-me para perto da porta, me abraçando com força. Eu poderia descrever como uma luta... Mas não foi. Stepjan não deu um golpe sequer para se defender. Sean batia nele e eu via os respingos de sangue se espalhando por todo o lençol branco. Stepjan estava quase sem vida... Sequer se mexia. E Sean continuava a golpeá-lo, como se não fosse conseguir nunca mais parar.
- Pai, pare! – eu pedi.
Pensei que ele pudesse não me atender. Mas não... Era Sean, o meu pai. E ele parou imediatamente. E sim, eu vi lágrimas nos olhos do homem mais perfeito do mundo enquanto ele esmagava Stepjan Beaumont. Havia sangue nas mãos de Sean... E em seu rosto.
- Ele não merece morrer, pai. – eu disse. – Ele merece a prisão... Para sempre. A morte não é o suficiente para Stepjan.
- Ela morreu por culpa dele...
Eu fui até Sean e o retirei de cima de Stepjan, dizendo ao olhar nos seus olhos:
- E vingaremos a morte dela... Entregando-o a quem fará ele pagar por cada crime que cometeu. Eu acredito em Emy.
Quando vi haviam vários seguranças dentro do quarto. Eu não tinha certeza se eram de Estevan ou do próprio hotel. Em menos de dez minutos Stepjan era conduzido desacordado pelos médicos.
- Alteza, infelizmente algumas pessoas fotografaram a saída do rei Stepjan. – disse um homem para Estevan.
- Isso não me importa agora. – ele disse. – Eu só quero que todos os homens possíveis fiquem de prontidão para que Stepjan não saia de forma alguma de Alpemburg quando recobrar a consciência.
- Ele jamais sairá daqui, Alteza. Não se preocupe.
Fiquei parada, vendo e ouvindo Estevan resolver tudo. Ele usava um conjunto de moletom cinza claro e tinha abaixado o capuz que usava quando me retirou da cama. Seus pés tinha tênis ao invés de sapatos. Aquela devia ser a forma dele de se vestir e não ser identificado. Achei engraçado, pois eu o vi algumas vezes assim em Avalon, então não me impressionei. Talvez em Alpemburg aquilo não fosse comum.
Não sei exatamente quanto tempo levou para todos saírem da suíte e ficarmos a sós. Sentei-me no sofá. Eu havia sido examinada por um médico e recebi alguns analgésicos, mas estava bem. Ainda sentia meu rosto quente da bofetada e um pouco de dor na garganta. Não era primeira vez que alguém tentou me matar daquela forma, então eu sabia que ficaria bem em no máximo dois dias e os hematomas sairiam em uns sete. Eu também sabia que jamais apagaria as marcas da minha mente.
- Pai... Você precisa tomar um banho... E tirar este sangue.
- Estevan... Como você chegou aqui? – ele perguntou confuso. – Ou vai me dizer que pressentiu que algo estava para acontecer com Satini?
- Eu... – ele abaixou o rosto. – Vim vê-la.
Sean me olhou e depois o encarou:
- Foi uma boa hora para me desobedecerem.
- Desculpe, pai.
- Eu poderia tê-lo matado... Com minhas próprias mãos. – disse Sean.
- Sean... Satini tem razão: a morte é pouco. Ele tem que ser julgado por cada uma das vidas que ele foi responsável por tirar... Seria tão simples acabar com ele naqueles poucos minutos. E não seria justo. – falou Estevan.
- Você contou a ele a verdade? – perguntou Sean.
- Não... Eu deixei para Emy. Embora tivesse muita vontade, tenho certeza de que ela precisa disto muito mais do que eu. Não me importo com quem conte... Contanto que ele saiba que não é meu pai, entende?
- Claro que entendo. – disse Sean.
- Sean, tome um banho e troque de roupa. Vocês não ficam mais um minuto aqui. Vamos para o castelo de Alpemburg.
- Mas é de madrugada... – falei.
- Não importa. Eu não devia tê-los deixado aqui, sem segurança alguma.
- Muito menos deixar Satini autorizar um estranho a entrar, não é mesmo? – disse Sean.
- Sinto muito, Sean, falhamos.
- E isso que não pode acontecer, Estevan. Vocês são jovens, mas carregam uma grande responsabilidade. Quando estiverem juntos, precisam sempre pensar além de vocês mesmos. Ou isso nunca dará certo.
Eu não disse nada e Estevan também ficou em silêncio. Sean levantou-se e provavelmente foi tomar um banho e se trocar.
Estevan sentou ao meu lado e me puxou para perto de si:
- Me desculpe por não ter chegado antes...
- Você não tem culpa...
- Como ele sabia que você estava aqui? Eu não entendo...
- Não foi a mídia... Foi seu pai.
- Meu pai? – ele me soltou confuso.
- Stepjan me disse com todas as letras que o rei de Alpemburg o ajudou.
- Mas... Meu pai não faria isso.
- Acho que fez, Estevan.
- Eu... Preciso falar com ele. Imediatamente.
Ele levantou e eu o puxei de volta:
- Não... Não quero causar confusão e desentendimentos antes mesmo de chegar ao castelo, Estevan.
- Meu amor, eu não posso ficar sem saber o que realmente aconteceu aqui.
Ele deu um beijo no meu rosto e foi para o telefone. Não sei se seria uma boa ideia acordar o rei Estefano durante a madrugada para contar que a futura rainha de Alpemburg já começava a trazer problemas.
Mas Estevan era muito seguro e decidido em Alpemburg. Então eu não tinha o que fazer.
Vi que ele estava ao telefone, mas não consegui me concentrar na conversa dele. Fui até meu quarto e pensei em organizar a mala, mas vendo o sangue e relembrando tudo que houve, optei por somente retirar o roupão, colocar uma roupa e sair dali o mais depressa possível. Eu não tinha nada que faria falta para levar comigo. Coloquei a mão no meu pingente, que era o brinco de Estevan. Acho que aquilo realmente me dava sorte... Driblei a morte duas vezes.
- Falei com meu pai. Mas vou deixar ele mesmo explicar-se para você, Satini.
- Eu sinceramente acho que não precisa...
- Sim, precisa. – ele disse firmemente. – Eu não quero que você tenha medo ou se sinta insegura no castelo de Alpemburg. Será a sua casa... O seu lar... E você precisa se sentir bem e feliz lá.
- Eu jamais me sentiria pior em Alpemburg do que no castelo de Avalon, onde morei por toda a minha vida, acredite. Onde você e meu pai estiverem, não há espaço para tristeza, entende?
Estevan me abraçou. Sean apareceu, de banho tomado e cabelos úmidos. Larguei Estevan e fui até ele, abraçando-o. Olhei os dedos dele inchados e machucados. Beijei-os e disse:
- Pai... Eu amo você. Obrigada por estar na minha vida.
- Eu faria qualquer coisa por você... Mas aquelas porradas foram pela sua mãe, acredite.
Eu sorri:
- Eu sei.
- Não vai pegar suas coisas? – perguntou Sean.
- Não... Já tenho tudo que preciso. – abracei os dois. – Não quero levar nada mais daqui.