Capítulo 107
2393palavras
2022-12-29 23:51
Era um dos empregados do hotel, trazendo um balde com espumante no gelo e um buquê de flores.
Olhei surpresa.
- Para Vossa Alteza, com os cumprimentos da família real D’Auvergne Bretonne.

- Quanta gentileza! Obrigada.
Fechei a porta e meu pai me olhou:
- Bela recepção. Acho que eles gostam de você.
- Espero que gostem depois de saberem da verdade.
- Vamos pensar que Stepjan está com uma péssima reputação. Não ser filha dele a estas alturas é melhor do que qualquer coisa.
- Eles poderiam não gostar do casamento, mesmo achando que sou uma Beaumont, em função de tudo que houve em Avalon. Ainda assim foram gentis.

Abri o pequeno cartão, que estava escrito a caneta, com letras firmes: “Bem-vinda à nossa família, Satini. Com carinho: Família D’Auvergne Bretonne.”
- Pelo visto a família de Estevan é tão fofa quanto ele. – observei não escondendo um largo sorriso.
No balde com o espumante, que vinha numa bandeja prateada de vidro, um pequeno saco de papel com meu nome. Fiquei curiosa e abri. E totalmente envergonhada ao ver que era uma caixa com anticoncepcionais.
- Não sei se acho mais afronta a bebida alcoólica que ele sabe que não quero que você beba ou o anticoncepcional.

Eu o abracei:
- Não seja assim, pai. Quando você nos deu a chave do carro aquela vez e não nos deu hora para voltarmos, sabia que eu era sua filha, mesmo eu não sabendo da verdade... Ainda assim quis que eu fosse feliz.
Ele pegou meu rosto e disse:
- Eu sempre vou querer que você seja feliz. Mas não quero parecer liberal demais. Ainda estou aprendendo sobre ser pai.
- E eu sobre ser filha. – o abracei com mais força. – E isso é bom... Muito bom.
- Melhor tomar o anticoncepcional do que ter um bebê sem planejar. – ele se deu por vencido.
- E beber o espumante, porque no mês que vem eu já faço dezoito. E vou confessar uma coisa: eu já bebi antes. – eu ri.
- Quem lhe deu bebida?
- Sam...
Ele abriu o espumante e serviu duas taças. Eis uma bebida que eu gostava e pouco bebia. Brindamos e ele disse:
- À nossa família, minha menina! E à sua felicidade.
- À nossa felicidade, pai.
Bebi todo o copo de uma vez. Pedi mais, mas ele não me deu. Sean era duro na queda. Acho que ele entendia que ser pai não era deixar fazer tudo. E eu dei graças por casar em breve. Não queria ter que burlar as regras impostas por ele o tempo todo. Eu não sabia cumprir regras.
Sentei no sofá e fiquei olhando para o pequeno cartão. Eu não sabia quem da família real havia mandado, mas eu estava feliz em recebê-lo. Senti carinho e receptividade com a minha chegada e aquilo aqueceu o meu coração.
Depois de tanto tempo rejeitada, agora eu tinha uma família: um pai que me amava, meu marido prometido que era o amor da minha vida e ele vinha com uma família onde as pessoas se preocupavam umas com as outras. Eu não lamentaria ter perdido Léia, Mia e Alexander. Sabia que eles estavam bem, talvez muito melhor sem eu. Não tenho certeza se eu lhes fazia bem, muito menos se algum dia, além de Léia, algum deles realmente me achou importante. Mia fingia ser minha amiga e Alexander me maltratava com seu amor doentio. Aquilo no fim nunca foi uma família... Eu que achava que era.
- Vai ficar quanto tempo olhando este cartão? – Sean me perguntou sentando ao meu lado e me puxando para perto dele.
- Fico pensando que amanhã estaremos dentro do castelo de Alpemburg... Eu esperei por este momento a minha vida inteira. Nunca tentei fugir dele até conhecer Estevan. Ironicamente eu saio do castelo de Avalon e quem eu encontro na primeira vez? Ele, meu futuro marido, sem saber quem era. Me apaixono e então decido pela primeira vez não cumprir meu destino e o tratado de casamento dos reis. No entanto estou aqui, agora, em Alpemburg, como era para ser desde o início. E completamente apaixonada pelo meu noivo.
- Era para ser assim, menina! E você é uma garota de sorte.
- Quando se trata de Estevan, eu sempre digo isso. – sorri.
- Agora vamos deitar. Vou colocar você para dormir, como o prometido.
- Isso era sério?
- Claro que sim. E vou até contar uma história.
- Então vou logo ao banheiro e lhe encontro no quarto.
- Combinado.
Aproveitei e liguei do banheiro para a recepção do hotel, avisando que poderia deixar minha “visita” entrar, independente do horário e não precisava que fosse anunciado.
- Não vai colocar uma roupa para dormir? – ele perguntou quando me viu voltando de roupão.
- Não... Vou dormir de roupão. Estou cansada.
- Ele me cobriu e deitou ao meu lado.
- E onde está o livro? – perguntei.
- Eu não preciso de um livro para contar a história de Sean e Pauline. Eu mesmo a escrevi.
Olhei para ele sentindo meu coração bater forte:
- Vai me contar sobre vocês?
- Sim...
Pisquei várias vezes, ansiosa. Ele me deu um beijo na testa e disse:
- Deus, como você se parece com ela.
- Eu sempre quis ouvir isso... – falei sentindo uma lágrima teimosa escapar do meu olho.
Ele limpou e falou:
- Era uma vez, uma linda rainha que morava num castelo. Ela tinha os olhos castanhos mais lindos do mundo. Sua pele era clara e seus cabelos longos e pretos. Embora tivesse tudo, ela não sorria. Pelo contrário, ela só chorava. Seu marido era um homem horrível e queria que a rainha estivesse a sua disposição o tempo inteiro. E o sonho do rei malvado era ter um filho homem. Mas a rainha bondosa não conseguia gerar um bebê, pois sempre tinha abortos espontâneos antes de os bebês se formarem em seu ventre. Temerosa de ter algum problema para engravidar e de o rei a deixar ou fazer-lhe alguma maldade, ela procurou um médico e descobriu que o problema não era com ela. Então o rei era o problema. O maldoso homem não podia gerar um filho. E caso ele soubesse disto, ela sabia que seria castigada da mesma forma. Ela começou a sentir medo de seu corpo não mais suportar e decidiu pagar por alguém que pudesse engravidá-la. Foi então que sua dama de companhia procurou pelo homem, escolhido pela própria rainha.
- Então ela já tinha o visto no castelo? E tinha interesse em você?
Ele riu:
- Acalme-se, querida. Vou contar tudo.
- Desculpe... Mas estou tão fascinada com tudo isso.
- Sim, ela já tinha visto ele, assim como ele também a tinha visto. Haviam trocado olhares algumas vezes, mas ela sempre desviava o rosto, com medo. O homem aceitou sem pensar duas vezes... Mas não pelo dinheiro e sim por poder estar com ela. Mas ficou temeroso em não aceitar o dinheiro que lhe era oferecido, então pegou.
- E dormiram juntos só para terem o bebê?
- Bem, eles se encontraram inicialmente para conversar sobre isso. E claro que ele sentiu-se lisonjeado, pois com tantos homens no castelo, ele foi o escolhido pela mulher mais linda que já tinha visto na vida. Não, eles não se amavam até então. Mas sentiam algo um pelo outro. No segundo encontro eles se beijaram. E sim, isso foi dentro do castelo, num local escondido.
- E que lugar foi esse?
- Na biblioteca.
- Todo mundo sempre decidiu se esconder na biblioteca? – perguntei confusa, lembrando de Stepjan e Beatrice.
- Era realmente o lugar mais seguro. Nunca ninguém ia até lá. E era meu local de vigia. No terceiro encontro eles fizeram amor.
- Não sei se quero ouvir esta parte... É estranho.
- Acha estranho? Mas devo não só ver como ouvir você e Estevan... Como acha que me sinto?
Se colocar no lugar do meu pai foi uma tanto quanto irônico e me senti um pouco culpada. Suspirei e disse:
- Desculpe, pai.
Ele sorriu e tocou o meu nariz:
- Tudo bem... Eu não iria lhe contar os detalhes mesmo. Não sou louco nem nada.
Eu ri alto.
- Bem, a partir daí o homem se apaixonou perdidamente pela rainha. E começou a não suportar mais vê-la triste ou as maldades que o rei fazia com ela. Sua vontade era matá-lo com as próprias mãos. Ele tinha uma raiva, uma fúria contida dentro de si. Mas ela o acalmava... Porque era a mulher mais doce e sensível que já existiu. Quando eles estavam juntos era como se o mundo não existisse... Somente os dois. Eles se entregaram não só de corpo um ao outro, mas também de alma. E mesmo sabendo que ela precisava dormir com o rei, ele ainda assim suportava tudo, pois sabia o perigo que ela corria caso os dois fossem descobertos. E ele não se preocupou com o que aconteceria a ele... Só com ela. Então ela ficou grávida. E os dois já não conseguiam mais ficar longe um do outro. Ela teve medo e então pediu que ele deixasse a guarda interna do castelo porque achava que era melhor se afastarem. Ela temia que o homem pudesse atentar contra a vida do rei por sua causa. Ele não aceitou. Mas ela insistiu e disse que iria embora de uma forma ou de outra. No último encontro eles fizeram amor sabendo que nunca mais fariam novamente. E ela disse que ele seria pai de uma menina, ainda incerta se levaria a gravidez até o fim. Mas ele tinha certeza de que o bebê nasceria. Então ele alisou a barriga dela pela primeira vez e eles decidiram o nome da menina: Satini. Ela o fez prometer que se algo lhe acontecesse, ele nunca deixaria a filha e que contaria a ela um dia toda a história de amor entre eles bem como o carinho com o qual ela foi concebida. E seu desejo era que ela pudesse um dia ser rainha e tirar o rei malvado do poder para sempre. E então ele prometeu que jamais deixaria sua bebê. Ela partiu e ele achou que o seu coração nunca mais se recuperaria. Ele passou a viver só para vê-la novamente. Até que ela voltou, prestes a dar a luz. Eles não conseguiram mais se encontrar. Quando a bebê nasceu, ela morreu. E ele nunca mais a veria novamente e seu coração estava partido em tantos pedaços que ele achou que jamais poderia amar novamente. Até que ele a viu... – ele olhou nos meus olhos. – E naquele momento, seu coração se encheu de amor que foi como se nunca na vida tivesse se despedaçado. E ele percebeu que não era preciso cuidá-la e nunca sair de perto dela por causa de uma promessa... Porque o mundo dele era ela e nada mais. E então ele passou a vida a vigiar seus passos, a tentar vê-la pelo menos quando ela passava num corredor. Ele a viu crescer, dar os primeiros passos, comer pela primeira vez, chegou até a lhe dar uma mamadeira de leite um dia... Tudo com ajuda de uma boa fada chamada Léia. Com o tempo os olhinhos dela passaram a ficar curiosos com tudo e ela já começava a criar lembranças dos momentos. Então ele e a fada decidiram que não era mais conveniente os dois se verem. Ainda assim ele nunca desistiu. Sabia que chegaria o momento que poderia contar toda a verdade. Quando ela cresceu, ele sentiu ciúme quando a via sair frequentemente. Pensava onde ela estava, com quem estava e o que fazia durante as noites em que voltava tarde. Ainda assim ele não podia fazer nada. Então chegou a oportunidade de ser o motorista da própria filha. E passou a conhecê-la. E se encheu de orgulho ao ver a pessoa incrível que ela se tornou. Ele a viu chorar, a consolou, lhe deu sorvete, lhe deu conselhos, participou de um encontro com rebeldes com ela, lhe entregou para dormir com um homem, mesmo sem ter certeza se fazia o certo, porque sabia que ela amava aquela pessoa imensamente. E ele nunca pensou que quando contasse a verdade, ela o aceitaria. E isso com certeza foi o que mais o surpreendeu. Ela o aceitou, do jeito que ele era: um homem sem nada, que nunca fez outra coisa a não ser zelar por ela à distância a vida inteira. Ele poderia reclamar a vida inteira por ter perdido 17 anos de sua vida sem ela. No entanto, assim que se encontraram e souberam realmente quem eram um na vida do outro, ele não pensou no que perdeu e sim no tempo que ainda tinha ao lado dela. E ele sabia que não importava o que acontecesse, ele sempre estaria ao lado dela... E agora seria junto e não mais como um mero espectador.
Fiquei ali, olhando para ele, sem palavras que pudessem descrever o que eu sentia dentro de mim naquele momento. Deixei as lágrimas escorrerem pelo meu rosto sem medo, sem vergonha... O abracei e fiquei deitada no seu colo enquanto ele alisava os meus cabelos carinhosamente. Eu sempre fui amada... Por meu pai e minha mãe. Eu não fui rejeitada. Eles me queriam. Eles planejaram toda a minha vida. E embora eu não fosse a rainha de Avalon, seria a rainha de Alpemburg... Enfim, uma rainha, como minha mãe desejou. E não tomei o lugar de Stepjan, mas fui a responsável pela sua derrota. Obrigada por ter confiado em mim, mãe. Mas ainda preciso vingá-la. Afinal, ele está livre. Fugiu, como o covarde que ele é. Eu queria matá-lo com minhas próprias mãos. Mas como a própria Emy Beaumont disse: a morte é pouco para ele. Ele merece a tortura... E terá isso. Eu encontrarei Stepjan Beaumont, nem que seja a última coisa que eu faça na minha vida. Adormeci nos braços do meu pai, como um bebê, como uma criança, como uma adolescente, como uma mulher... Uma vida inteira naquele momento.
Acordei sentindo a presença de alguém próximo da cama. Espreguicei-me tranquilamente:
- Estevan? Como você demorou...
Ele não respondeu. Acendi a luz do abajur da mesa ao lado da cama. Eu tentei gritar, mas Stepjan tapou minha boca.