Capítulo 90
1892palavras
2022-12-27 10:55
Quando chegamos ao apartamento de Samuel, o café da manhã estava servido. Saber que a futura rainha de Avalon cozinhava bem era simplesmente excepcional. E eu estava com fome. Sentei e me servi.
- Como se sente? Dor?
- Não. Tudo certo. Sou uma pessoa forte, Samuel. Não me subestime.

- Falou a garota que não suportou atravessar o túnel na noite da fuga sem ter que parar.
- Eu estava de salto. – pisquei. – Este foi o problema.
Emy entrou na cozinha.
- Onde vocês estavam? – ela perguntou desconfiada.
Levantei meu cabelo e disse:
- Olhe o que eu fiz, tia.

Ela olhou e sorriu:
- Ficou linda, Satini. Estou orgulhosa de você.
- Obrigada. Onde é a sua? – perguntei.
Ela abaixou a blusa e mostrou sua coroa quebrada tatuada em cima de onde batia sem coração. Ao lado dela, escrito “Leeter”.

- Você o amou muito? – perguntei.
- Foi o único homem que eu amei. – ela sorriu.
- Sei bem o que é isto. – falei suspirando. Eu não aguentava de vontade de rever Estevan.
Ela foi para o quarto e eu terminei o meu café. Tinha uma coisa que eu queria dar para Emy Beaumont. Fui até o quarto e bati na porta dela.
- Satini?
- Posso entrar?
- Claro, querida. Sempre que quiser.
Entreguei a coroa a ela.
- Por que está me dando isto?
- É sua. Quero que fique com você.
- Não... É a sua tiara, do seu primeiro baile. Quanto tempo você levou para recebê-la, querida? Ela não me pertence.
- Tia, quero mesmo que fiquei com você.
- E eu exijo que fique com você.
- Então fazemos o seguinte: vendemos e fazemos algo útil com isso. – falei sorrindo.
- Não tenho certeza do quanto custa uma coroa no mercado negro... Mas creio que muito. – ela riu.
Sentei na cama dela e disse:
- A coroa não tem importância alguma, não é mesmo?
- Não. – ela sorriu. – Sempre foi só um objeto. Creio que os bons reis ou rainhas não se importam com o valor dela e sim com a responsabilidade que ela carrega. E ela não precisa estar na cabeça para pesar.
- Sei bem disto.
- Como você está se sentindo, querida? – ela perguntou me olhando ternamente.
- Estou sentindo um aperto dentro do meu coração. E é por Estevan. Saber que ele está em Avalon e o que ele fez por mim me faz amá-lo ainda mais. E eu sempre pensei que não era possível amá-lo mais do que eu já amava. – senti uma lágrima escorrendo pelo meu olho. – Porra, eu odeio chorar.
- Acha mesmo que são as lágrimas que tornam fraca, Satini?
- Sim.
- Não, querida. Você não é fraca por chorar.
- Eu preciso confessar que eu não chorava há anos. Até ele aparecer na minha vida. Me fazendo chorar de tristeza, alegria e... Saudade. Ele me causa todos os sentimentos possíveis, entende? E eu não consigo controlá-los.
- Por que acha que eu deixei o castelo de Avalon? Claro que eu imaginava que Stepjan tentaria me matar. Mas eu tentei esquecer Leeter de todas as formas possíveis. Eu inclusive casei com outro homem. E o meu marido era uma boa pessoa... Eu gostava dele. Mas Leeter... Ah, Leeter era o homem perfeito. Eu faria qualquer coisa pelo nosso amor.
- Sei tão bem o que é isso.
- Somos privilegiadas, querida. Amores assim, intensos, insanos, talvez de outras vidas, são raros. E não é qualquer pessoa que sabe lidar com eles.
- Eu sinto como se quando ele está comigo o mundo e as pessoas ao redor não existissem... Só eu e ele.
Ela pegou minhas mãos e disse:
- Vocês ficarão juntos. E você sabe disto. Pode demorar dias, semanas ou até meses, mas o destino de vocês está entrelaçado. E tão entrelaçado que vocês estão prometidos um ao outro antes mesmo de nascerem. E ainda assim se apaixonaram, mesmo sem saber que se casariam um dia. A história de vocês é linda e vocês terão um final tão lindo quanto ela.
- Obrigada... Por me deixar mais tranquila com estas palavras.
- E eu vou estar sempre torcendo por você, Satini Beaumont. Você é uma mulher forte. E só tem 17 anos. Não imagino você daqui a 10 anos sendo menos do que é hoje. O mundo a espera, querida.
- Às vezes eu gostaria de ser tão dura quanto você.
- Como assim?
- Fazer o que é certo, sem se importar com as consequências.
- Está falando de Isabella?
- Sim...
- Acha que eu fiz certo?
- Bem... Eu não sei se acho certo. Mas acho que você foi corajosa. E colocou a causa acima de tudo... Até mesmo da amizade longa e perfeita que tinha com Dana.
- Eu vou lhe confessar uma coisa. – ela olhou nos meus olhos. – Eu não mandei matar Isabella.
Olhei-a atônita:
- Como assim?
- Ninguém sabe... Só você, querida.
- Mas...
- Eu sou forte sim. A vida me fez forte e destemida. Porque eu senti tanto medo que hoje isso já não existe para mim, entende? Eu disse que a matei para protegê-la.
- Mas... Por quê? Dana sabe?
- Não... Ninguém.
- Mas a mãe dela deve estar odiando você.
- Será por pouco tempo. Amizades verdadeiras não morrem, acredite. Ainda mais quando ela souber que o que fiz foi para proteger Isabella.
- Como fez isso?
- Beatrice fez com que tudo parecesse real. Ela já sabia sobre algumas coisas que poderiam dar errado. Se Isabella viesse conosco, sofreria represálias, por não ter me obedecido. E ter colocado sua relação com Sam, seu ciúme doentio por ele, acima de um plano traçado a quase uma vida inteira. E eu não falo do seu sequestro. Eu falo de tomarmos o castelo. Foi um pequeno ensaio para o que faremos de fato, entende?
- Sim.
- Então ela teria problemas aqui. E todos viram o que houve, não é mesmo? Há vídeos ao vivo do que aconteceu.
- Mas ela não mostrava o rosto.
- A procurariam pela morte do guarda.
- Ele era Alexander... Filho de Léia. – falei sentindo meu coração doer. Ele não era um guarda qualquer. Léia era a pessoa de mais confiança no castelo de Avalon.
- Eu sinto muito.
- Sabe o quanto isso doeu nela, não é mesmo?
- Claro que sei.
- E por Alexander estar morto, Mia não fala mais comigo.
- Sei...
- Lembra quando você disse que o rei Stepjan não merecia a morte? Que ele precisava ser punido e pagar por tudo que fez?
- Lembro sim.
- Eu achei cruel da sua parte matar Isabella. Mas também não acho justo ela não ser punida pelo que fez. Ela matou uma pessoa.
- Eu defendo minha gente, Satini. Você precisa entender isso.
- Defende “sua gente” deles mesmos?
Ela me olhou e não disse nada.
- Alexander era inocente. Ele era guarda real. Mas ele se colocou em risco por mim. E não foi pelo trabalho... Foi porque nos conhecíamos. Foi porque havia sentimento... E mesmo que não fosse Alexander que levasse o tiro e sim outro guarda, ele também teria uma vida e uma família que lamentaria e choraria sua morte. E por que ela matou mesmo? Por ciúme. Pensa em quão inconsequente ela foi, tia.
- Você tem razão em tudo que disse, Satini. No entanto eu não vou entregar Isabella para a polícia, muito menos para a Coroa Quebrada. Ela ficará escondida e quando eu assumir o trono ela irá morar conosco no castelo de Avalon.
- Eu poderia estar morta no lugar de Alexander.
- Mas não está, querida. Está aqui, viva.
- Acha justo ela sair impune e morar no castelo?
- Não acho. Mas eu a conheço desde que ela nasceu. Ajudei no parto, para ser mais exata. A mãe dela esteve comigo em todos os momentos que precisei... Fossem eles bons ou ruins.
- E se o tiro tivesse pegado em Samuel?
- Eu teria atirado nela ali mesmo.
Isabella não seria punida. Não havia o que dizer para convencê-la. Eu senti tanta raiva. Peguei a coroa e recoloquei nos meus pertences.
Saí para procurar Sean.
O encontrei com alguns homens, conversando. Eles estavam armados e eu me preocupei um pouco. Assim que me viu ele se afastou deles e veio até mim.
- Bom dia, querida.
- Pai, preciso conversar com você.
Ele olhou ao redor e disse em tom baixo:
- Precisa me chamar de Sean aqui, Satini.
- Ok, vou tentar. Mas eu adoro chamá-lo de pai. – sorri.
- E eu amo ouvir isso. Mas não podemos correr o risco. Venha. – ele me pegou pela mão e andamos até próximo do rio, onde geralmente só ficavam os homens de prontidão.
- Me preocupa você no meio destes homens armados. – falei.
- Acha mesmo que eu nunca usei uma arma antes? Eu sou da guarda real, querida. Esqueceu?
Suspirei:
- Sim... Por vezes esqueço que ainda não acabou tudo.
- O que houve?
- Isabella não está morta. Emy a escondeu. E vai levá-la para morar no castelo depois que for para lá.
Ele me olhou e ficou um tempo em silêncio. Depois disse tranquilamente:
- Acho que você não deve se envolver nisso, Satini.
- Pai, isso não é justo. Quer dizer, Sean, isso não é justo.
Ele riu:
- Isso de não me chamar de pai será que vai dar certo?
- Vou tentar... Juro. Mas não sei se vou me conter em não abraçá-lo.
Ele olhou ao redor:
- Os olhos estão voltados para nós neste momento. E temo isso. Não quero que pensem que eu tenho um caso com você. Seria horrível esta hipótese.
Meu Deus e eu que havia pensado na possibilidade de beijá-lo uma vez. Senti um embrulho no estômago só de pensar. Acho que eu iria novamente para o inferno. Droga, quantas vezes eu ficaria me perguntando se iria para o céu ou inferno? Eu era uma pecadora em todos os sentidos. Mas eu também havia feito coisas boas, dentre elas perdoar Alexander.
- Emy é uma mulher forte. E não acho que comprar uma briga com ela neste momento seria o ideal.
- Mas não é justo...
- Acha que foi justo eu dar uma surra nele?
- Sim, foi justo, por que...
Olhei para ele confusa. Onde meu pai queria chegar?
- Por que foi justo? O que Alexander fez para você?
Eu olhei para o chão.
- Pode me falar... Ele não está mais aqui.
- Eu... Nunca contei para ninguém.
- Nunca? Por quê?
- Por vergonha... E medo.
- Então eu acho que está na hora de me contar.
Sim, Alexander não ficaria furioso comigo. Ele não estava mais entre nós. Eu não precisava mais ter medo de ele voltar a fazer tudo de novo. Eu o perdoei sim, mas não acho que se ele estivesse vivo mudaria. Antes mesmo de se jogar na minha frente para me defender de um tiro ele havia falado coisas que não condiziam com quem prometeu não fazer novamente.
Hora da verdade. Meu pai merecia saber. E eu precisava contar de uma vez por todas.