Capítulo 82
2096palavras
2022-12-27 10:51
Assim que abri meus olhos vi Mia, sentada na cama, não muito próxima de mim. Sentei com um pouco de dificuldade. Ainda tinha dores no corpo e acho que a cama desconfortável intensificou o mal estar. Coloquei a mão no meu queixo e percebi que havia sido feito pontos. Olhei para meu corpo e já não usava a camiseta com meu sangue. Vestia uma camiseta limpa e uma calcinha por baixo da calça.
- Você... Me trocou? – perguntei para ela.
- É isso que você tem para me perguntar, depois de tudo que aconteceu, Satini?
Olhei-a confusa, pela forma como ela falou.
- Como está Alexander?
- Meu irmão está no hospital... Em estado grave.
- Mia... Eu... Sinto muito.
Tentei pegar as mãos dela, mas Mia as afastou de mim.
- Mia...
- Não quero que me toque, Satini Beaumont.
- Mia... Você não pode fazer isso comigo. Estou me sentindo a pior pessoa do mundo, acredite.
- Você “é” a pior pessoa do mundo, Satini.
Suspirei. Eu entendia toda a raiva que ela sentia. E não havia o que fazer para que ela deixasse de sentir aquilo.
- Me perdoe...
- Não posso. – ela disse.
- Mia, ele foi um louco... Ele se jogou na minha frente... Tomou um tiro por mim.
- Louco... – ela riu ironicamente. – Ele sempre foi literalmente louco por você. E acho que isso desde que éramos crianças? Como nunca nos demos conta?
- Eu... Me dei conta. E quando éramos crianças eu também gostava dele eu acho.
- Você brincou com meu irmão...
- Eu não brinquei com ele, Mia. Eu nunca lhe dei esperanças.
- Claro que deu, Satini. Eu lembro quando você falou que o beijou no seu quarto. Como beija um homem sem querer lhe dar esperanças, sabendo que ele é completamente apaixonado por você?
Abaixei minha cabeça e disse:
- Fui imatura... Fui uma pessoa horrível com ele... Mas Alexander também fez coisas horríveis comigo.
- Acho que está na hora de ele ser perdoado. Afinal, ele deu a própria vida pela sua.
- Eu o perdoei, Mia. E não foi agora. Foi antes... Bem antes.
- Talvez meu filho não conheça o tio. – ela disse tristemente colocando a mão no ventre.
- Talvez um filho não conheça o próprio pai. – eu falei, sentindo ainda mais dor no meu coração.
- Como assim?
- Beatrice espera um filho de Alexander.
- Não... Pode ser.
- Ele mesmo me confessou que o filho é dele.
- Satini... Se ele sobreviver... Seu pai irá matá-lo. Que tipo de pessoas vocês são? Você é tão cruel e perversa quanto seu pai, Stepjan Beaumont. Isso está no sangue de vocês: egoístas, não conseguem pensar em nada além de vocês mesmos.
Mal Mia sabia que eu não tinha nenhum vínculo com Stepjan Beaumont. E desta vez não era somente afetivo. Eu não tinha nenhum laço sanguíneo com ele. Eu tive a sorte de não ser filha do rei de Avalon.
- Eu tentei fugir... Pensei em Léia. Queria estar com ela... E com ele. Sei que ele precisa de mim... E que vai querer me ver, caso melhore.
- Eu não posso voltar para ver minha mãe. Seu pai não me deixaria ver Alexander e sair impune depois de fugir.
- Mas... Acha que ele se preocupará com você depois de tudo que aconteceu? Sua mãe precisa de você.
- Eu não posso... É arriscado. Também para o bebê.
- Para o bebê? – perguntei confusa.
- Estou no início da gravidez. Théo acha que não devo me expor desta maneira.
- Mas é sua mãe... E seu irmão. Você conheceu esta gente há poucos meses... E vivemos juntos, eu, você, sua mãe e seu irmão por toda uma vida.
- Quem você pensa que é para tentar me dar lição de moral, Satini? Você planejou isso tudo, em benefício próprio. Pensou em alguém além de você mesma? Claro que não... Você não tem esta capacidade.
- Mia, eu entendo o fato de você estar furiosa comigo por Alexander estar entre a vida e a morte por ter salvado a mim... Mas não pode me julgar desta forma. Nós sempre fomos amigas.
- Amigas? – ela riu ironicamente. – Acho que eu era sua amiga porque você não tinha outra opção, não é mesmo?
- Eu sempre amei você... Não só como amiga... Como irmã.
- Não somos irmãs.
- Você... Parece seu irmão falando isso.
- A diferença é que eu não daria minha vida por você. – ela disse friamente.
Eu poderia chorar, mas já não tinha mais lágrimas. Mia era tudo que eu tinha. Então eu já não tinha mais nada.
- Por que Estevan estava lá? – ela perguntou.
- Como você sabe?
- Théo me disse.
- Estevan é... O príncipe que seria o meu futuro marido.
- E você não sabia disto?
- Não... Só soube quando o vi no baile.
- O que vai acontecer com ele agora?
- Eu... Não sei. – confessei. – No momento eu só me preocupo com Alexander.
- Como você consegue fingir tanto?
- Da mesma maneira que você consegue me ferir.
Ela levantou, sem demonstrar nenhum sentimento.
- Mia, me diga que você irá ver sua mãe e seu irmão... Eu lhe imploro, já que eu não poderei fazer isso.
- Satini, quando você vai entender que eles não são a sua família e sim a minha?
A fitei completamente decepcionada. E não sei se era por tudo que ela me disse ou principalmente porque ela não iria ao hospital apoiar Léia e ver como estava Alexander. Léia foi condescendente com sua partida. Eu havia me desentendido com o irmão dela e quase agredida por ele me achar culpada pela fuga dela. No entanto nada lhe importava. E eu não tinha certeza se ela realmente amava Théo a ponto de tudo aquilo ou se Mia sempre foi assim, mas nunca pôde se revelar por eu ser a princesa de Avalon. Agora ela se sentia segura de alguma forma.
Será que Léia também se voltaria contra mim? Seus dois filhos me odiavam. E um deles estava quase morto por minha culpa. No fim, ela também não quereria me ver, nunca mais. Então eu já não teria mais o que um dia eu achei que fosse a minha família.
- Eu sinto muito, Mia... Por tudo que eu fiz, por tudo que você pensa de mim, por Alexander...
- Se ele morrer, eu nunca mais vou querer vê-la em toda a minha vida. E farei com que minha mãe se afaste de você para sempre.
- Sofrerei eternamente... Mas entendo seus sentimentos.
Eu entendia porque eu me sentia culpada... E não sei se Alexander morresse como eu reagiria. Tudo que eu podia fazer era rezar para que ele ficasse bem. Meu corajoso guarda real não merecia morrer. Não daquela forma.
Mia saiu sem olhar para trás. Pensei em levantar, mas não o fiz. Ainda estava cansada e nem sabia onde eu estava. Andar pela Coroa Quebrada sem Sam ou Emy ao meu lado já me parecia um risco. Eu não era bem quista ali nem pela minha ex melhor amiga, imagina pelas pessoas que moravam ali. Eles odiavam Stepjan Beaumont mais do que qualquer coisa na vida. Faziam parte de um lugar onde tudo que se almejavam era vingança e morte contra ele. Jamais me olhariam com bons olhos, afinal, pensavam que eu era a filha do rei.
Fiquei ali, sentada, olhando para o teto, tentando colocar meus pensamentos em ordem sem saber se eu conseguiria fazer isso algum dia.
A porta se abriu e entrou a mulher que me deu os remédios antes que eu dormisse. Percebi que a porta estava trancada à chave, pois ouvi o som dela destrancando. Eu realmente era uma prisioneira na Coroa Quebrada?
- Como se sente? – ela perguntou.
- Um pouco cansada. – confessei.
Ela verificou minha febre e meus batimentos. Colocou um antisséptico no queixo.
- Está bom. Provavelmente ficará uma pequena cicatriz, mas que você poderá certamente reverter com um procedimento estético simples.
- Obrigada.
A cicatriz era o de menos com tudo que havia acontecido na minha vida.
- Quem é você? – perguntei.
Ela pegou um suco industrializado no refrigerador e me entregou. Eu não costumava tomar aquilo, mas estava com fome. Então aceitei. Depois ela preparou um sanduíche simples. Parecia que tudo estava ali, me esperando. Quanto tempo eu seria uma prisioneira? Se dependesse de meu pai, para sempre. Mas tinha Estevan. Eu sabia que ele me tiraria dali. Ele me prometeu. E eu não sabia o poder que ele tinha, mas sabia que ele faria qualquer coisa para ficarmos juntos novamente.
- Sou Tay, mãe de Théo.
- Prazer conhecê-la. – falei tentando ser simpática, afinal, eu conhecia Théo.
Então Tay era a sogra de Mia.
- Eu sou enfermeira. Dei-lhe um remédio para acalmá-la, pois estava nervosa. Analgésicos para dor. E está na hora de tomar outro.
Eu aceitei o comprimido. Depois que comi o sanduíche e bebi todo o suco, ela disse:
- Um pouco melhor depois de comer?
- Sim.
- Então posso lhe trazer uma visita.
- Visita?
Imaginei que seria Emy. Ou talvez a pequena Emília. Ou até mesmo Samuel. Eu não tinha certeza se queria ver alguém.
- Se achar melhor, posso mandá-lo embora e pedir que volte depois.
- Tudo bem... Pode deixar entrar. – falei tentando sentar mais para cima, recostando minhas costas na parede.
Ela saiu e logo em seguida entrou Sean. E meu coração bateu tão forte que eu achei que sairia do meu peito. Não era minha intenção levantar. Mas isso não se aplicava a ele... De forma alguma. Corri até ele e deixei minha cabeça descansar no seu peito enquanto ele me aconchegava carinhosamente. O cheiro dele era perfeito. E talvez eu reconhecesse aquela fragrância de muitos anos atrás, lá na minha infância, quando Léia me levava para vê-lo e eu nem sabia quem ele era.
- Pai... – eu disse, só para ouvir o som daquela palavra saindo da minha boca.
- Querida, como se sente?
- Culpada, pai... Muito culpada.
Ele levantou meu queixo cuidadosamente, fazendo com que eu olhasse para ele. Nossos olhos se encontraram e eu senti tanto amor e segurança que poderia ficar ali para sempre. Ele disse firmemente:
- Você não é culpada de nada, minha menina.
- Eu tive a ideia. Eu sou responsável pelo que vier a acontecer com Alexander. Eu acabei com meu próprio casamento com o homem da minha vida. E em nome de que? Em nome de uma política, da união de um povo o qual eu nunca liderarei... Eu nem faço parte da realeza. Eu fui impulsiva... Eu só pensei em mim mesma. Eu não me preocupei com as consequências.
Tentei abaixar a minha cabeça, mas ele impediu:
- Olhei para mim... Você é Satini, não importa se Beaumont ou Kane. O seu sobrenome não tem significado algum. Mas o seu nome sim... Ele foi escolhido por sua mãe e por mim. E significa pequeno santo. Sabíamos a importância que você teria para Avalon. Jamais passou pela nossa cabeça que você fugiria da luta. Quando a peguei nos meus braços pela primeira vez, você era um bebê... Tão pequenina que quase cabia na palma das minhas mãos juntas. Mas forte... Não era Deus, mas poderia ser um santo. E sempre foi a nossa princesa. Stepjan pode não ser seu pai, mas sua mãe era a rainha.
- Pai...
- Satini é um nome que traz imparcialidade, austeridade, integridade, decisão, resolução, disciplina. – ele sorriu. – Sua mãe fez eu decorar tudo isso para lhe dizer... No dia que você precisasse ouvir. Eu creio que este dia seja hoje.
- Pai, eu não quero chorar... – falei sorrindo e fechando meus olhos tentando não deixar as lágrimas caírem.
- Chorar não significa fraqueza, Satini. Significa que você tem sentimentos, que você tem coração... Você não precisa chorar só por Estevan... Você pode chorar de alegria, meu bem. E também de tristeza. Não pode guardar tudo dentro de você. Entenda de uma vez por todas: você não está mais sozinha. E nunca mais vai estar. Eu sempre estarei com você. Estevan sempre estará com você. E eu garanto que não é só Alexander que daria a vida por Satini. Sean e Estevan também fariam isso.
- Eu amo você, Sean... Meu pai, meu motorista, meu guarda-costas... O homem da minha vida. – falei abraçando-o com força.