Capítulo 81
2060palavras
2022-12-27 10:50
Claro que eu não conseguiria tirar aquele vestido sozinha. Ele ficou me olhando divertidamente, sabendo que eu precisaria dele.
- Não está com pressa? – perguntei. – Achei que isso não fosse uma brincadeira. Pessoas se machucaram.
- Por sua culpa. – ele disse enquanto eu me virava para ele abrir os botões.
Virei e olhei nos olhos dele:
- Não acha que já me culpo o suficiente? Como acha que me sinto, Sam? É necessário tentar me ferir ainda mais? Acha mesmo que eu vou me perdoar pelo que aconteceu com Alexander... E pelo que causei em Estevan?
- O que você causou em Estevan? Estou tentando montar as partes para ter certeza do que realmente aconteceu naquele salão de baile real. Mas claro que não me impressionei de vê-lo lá. Eu sempre soube que ele era da realeza... Pelo modo de falar, se vestir e...
- Sam, você é da realeza! – falei quase gritando. – Esqueceu disto?
Ele não falou nada. Me virei de costas para ele novamente, que começou a abrir botão por botão do vestido. Ele fazia questão de deslizar os dedos pelas minhas costas a cada um que ele abria. Por sorte eu estava imune a Samuel Beaumont. Segui esperando como se fosse uma eternidade até chegar ao último botão, que acabava quase na saia do vestido.
Assim que ele acabou, eu abri a mochila e vi o jeans e a camiseta. Até aí tudo bem. Tinha também um tênis.
- Onde está a porra da calcinha? – perguntei olhando para ele, segurando o vestido na parte dos seios para não cair.
- Como eu vou saber? – ele perguntou confuso.
- Como tia Emy não mandou uma calcinha?
- Relaxa, Satini. Você não precisa trocar a calcinha. Em breve estaremos em casa, então você toma um banho e coloca roupas limpas, inclusive uma calcinha. – ele debochou. – A vida na Coroa Quebrada será um pouco diferente da do castelo de Avalon.
Ele não entendeu que eu não tinha uma calcinha. Como eu colocaria uma calça jeans sem nada por baixo? Olhei para a roupa sobre a cama e foda-se. Aquilo era o de menos. Eu tinha muito mais com que me preocupar do que a calcinha que não tinha vindo com a roupa. Deixei o vestido cair e tentei colocar rapidamente a blusa, que obviamente não tinha um sutiã para usar por baixo.
- Por que você não usou uma calcinha por baixo da porra do vestido? – ele perguntou atordoado, passando a mão nervosamente pelos cabelos desalinhados.
- Sinceramente, eu não tenho que te explicar isso. – falei colocando a calça justíssima sobre minha pele nua.
Por sorte o tênis era do meu número. Olhei com dó para o vestido jogado no chão. Foram dias escolhendo, fazendo provas, enfim, uma pequena fortuna que ficaria ali, jogada no chão.
Olhei para Samuel e disse:
- A coroa fica... Na minha cabeça.
Ele levantou as mãos, em sinal de paz:
- Pode ficar com a coroa. Sem problemas. Eu entendo uma mulher ter que deixar o vestido perfeito, mas não abrir mão da coroa. Mas não usar calcinha, isso eu nunca vou entender.
- E que bom que eu não lhe devo explicações. Agora vamos lá. Achei que precisávamos sair logo.
- Sim... E pelo menos uma coisa vai sair conforme o esperado. E nisso você tinha razão: seu pai realmente não se importa com você.
- Como eu garanti.
Ele abriu a porta e saímos. Boa parte dos que aguardavam já haviam deixado a casa. Théo veio até nós e disse:
- Precisamos ir.
Samuel engatilhou a arma. Ficaram pouco ali, esperando.
- Não sei como dar a notícia para Mia, mas o estado de saúde de Alexander é grave. – Théo disse me olhando.
- Como... Você soube?
- Temos um informante dentro do castelo.
- Quem é a pessoa? – perguntei.
- Não podemos dizer. – falou Samuel.
- Sam, por favor, eu preciso saber.
- Não. – ele disse.
- Alexander não pode morrer... Não...
Eu fiquei completamente desnorteada com a notícia.
- Vamos. – disse Sam abrindo a porta.
Assim que saímos para a rua vi que já estava amanhecendo. O pátio da casa era grande e gramado e o muro baixo. Eu precisava voltar para o castelo. Eu tinha que ver Estevan, conversar com ele, explicar o que houve. E precisava ajudar Alexander... E consolar Léia. Ela precisava de mim. Ela não tinha ninguém além de mim depois que Mia se foi.
Então eu tive a brilhante ideia de fugir do meu próprio sequestro. Sai correndo sem pensar em nada. Estevan era quase um rei. Ele poderia me ajudar em qualquer coisa que eu pedisse.
Eu era boa de corrida e tinha uma boa resistência física. Não havia ninguém na rua. Não olhei para trás, mas sabia que estava sendo seguida por alguém que tentava me alcançar. Só não tinha certeza se era Sam ou Théo. Em pouco tempo caí no chão, batendo meu rosto. Senti uma dor forte e o peso de um corpo sobre o meu. Samuel caiu sobre mim ao tentar me conter. Ele me virou de frente e me imobilizou, se ajoelhando sobre mim.
- Você está louca, Satini?
- Eu preciso voltar para o castelo. Tenho que ajudar Léia... Preciso falar com Estevan... Eu... Tenho que estar com Alexander, entende? Não posso deixá-lo sozinho. Ele precisa de mim... Eu quero que ele veja que estou ao lado dele... – falei deixando as lágrimas rolarem pelo meu rosto.
Samuel rasgou a camiseta que usava e passou sobre o meu queixo. Senti uma ardência forte e fechei meus olhos, tentando suportar a dor.
Ele levantou e me ajudou a fazer o mesmo. Quando ele retirou o tecido vi que estava ensanguentado.
- O que aconteceu? – perguntei levando a mão ao meu queixo e percebendo que estava com um corte profundo.
- Acho que foi na queda. Talvez tenha que levar alguns pontos.
- Porra! – gritei. – Por que você veio atrás de mim?
- Você não pode voltar. – ele disse. – Iremos para a Coroa Quebrada, conforme o plano, Satini. Minha mãe não tolera traidores. E você viu isso muito bem.
- Eu não vou... Preciso falar com Estevan... E estar ao lado de Léia. Ela não tem ninguém. – garanti.
Ele simplesmente me pegou no colo e me levou de volta, mesmo sob minhas tentativas frustradas de me desvencilhar. Assim que chegamos no carro, Théo abriu a porta e Sam me pôs no banco de trás, me segurando com força para que eu não tentasse fugir.
Enquanto o carro se movia em continuava tentando me soltar. Começava a ficar cansada e minhas lágrimas insistiam em cair. Eu jamais me perdoaria por Alexander. Como um filme passou na minha cabeça os vários momentos que vivemos na infância. O início da nossa adolescência. A partida dele para fazer faculdade nos Estados Unidos. Lembrei do quanto eu senti a falta dele, afinal, eu sempre soube que ele estava ali, me protegendo de tudo. Os olhos dele sempre estiveram dentro dos meus... E ele comigo, o tempo todo. Mesmo quando ele me odiava, ele ainda me amava. Quem daria a própria vida por uma pessoa que tanto lhe rejeitou, que tanto tentou prejudicá-lo, que fez tudo para tirá-lo do seu caminho, que o enganou de todas as maneiras possíveis?
Sim, ele havia errado comigo. Mas se eu fosse colocar na balança, ele foi mais vezes bom do que ruim. Ele me bateu. Eu usei do amor que ele tinha por mim para machucá-lo e fazê-lo sofrer. Ele me bateu... Eu também bati nele, tantas vezes que nem podia contar. Ele me bateu... Eu coloquei droga na bebida dele, sem saber exatamente o efeito que aquilo poderia causar. Ele me bateu... E eu beijei quase todos os guardas do castelo, mas não guardei um beijo para ele sem intenção, sem algo por trás. Ele me bateu... E ao mesmo tempo sempre tentou me proteger de tudo e todos. Ele me bateu... E ainda assim se jogou na frente de uma bala para salvar a minha vida. Ele tentou me ter a força e se masturbou, gozando em mim. Eu tentei foder com todos que cruzaram meu caminho, menos com ele. Como deixamos nossa relação tão especial se transformar naquilo?
Meu corpo não resistiu mais. Senti a mão de Samuel subir até meus cabelos, alisando-os. O braço dele não me segurava mais com força. Então eu relaxei e descansei minha cabeça no ombro dele, olhando o dia nascer pelo vidro do carro. As lágrimas salgadas iam até meu corte no queixo, fazendo a dor ficar ainda mais intensa. Percebi a camiseta completamente encharcada de sangue. Assim devia estar Alexander... Mas o sangue que estava nos degraus do salão do castelo de Avalon não deveria ser o dele... E sim o meu.
Se Estevan não tivesse aparecido na minha vida, nada teria sido daquela forma. Quem sabe eu não teria ficado com Alexander? Ou talvez até mesmo com Samuel? Será que se eu não tivesse conhecido Estevan Delacroix antes de ele ser Estevan D’Auvergne Bretonne eu teria ficado loucamente apaixonado por ele? O que estaria passando pela cabeça do meu príncipe naquele momento? Será que ele faria alguma coisa para resolver tudo?
Eu esperava que não... Ou nosso plano estaria acabado.
Assim que o carro parou na ponte da Coroa Quebrada, eu desci do carro e Samuel me pegou no colo. Não tenho certeza se ele achava que eu tentaria fugir ou se eu estava demonstrando que não conseguia mais dar um passo sequer com minhas próprias pernas. Assim que atravessamos a ponte e chegamos na outra parte do reino, na outra metade que formava a coroa, vi tantos homens armados que mais parecia um exército. Não tenho certeza se a guarda de Avalon tinha tantas pessoas assim.
Conforme Sam ia passando comigo e Théo, todos o cumprimentavam respeitosamente. Samuel Leeter Beaumont seria um ótimo rei para Avalon. Talvez até melhor que sua própria mãe, que parecia tão destemida quanto sem coração, lembrando um pouco Stepjan, seu irmão. A única diferença é que ela tinha motivos para ser fria e cruel, devido a tudo que passou. Stepjan não.
Samuel não me carregava com raiva e tentando me conter. Até acho que havia piedade e dó nos olhos dele quando me olhava. Passei meus braços sobre o pescoço dele e deixei minha cabeça descansar em seu ombro, já sentindo os primeiros raios de sol da manhã sobre o meu rosto.
Não sei exatamente quanto tempo andamos por ali. Pensei que iríamos até o apartamento dele, mas não. Fui levada para uma das poucas casas térreas que havia ali. Théo abriu a porta e vi uma cama grande arrumada, uma mesa com duas cadeiras, uma pia e uma geladeira. Só tinha um cômodo. Pensei em perguntar o que estava acontecendo, mas eu já não tinha forças para nada. Samuel me colocou sobre a cama, tendo cuidado de pôr um travesseiro debaixo da minha cabeça. Théo saiu e fechou a porta.
Sam me trouxe um copo com água gelada, que bebi. Em pouco tempo, uma mulher entrou pela porta. Eu não a conhecia. Era baixa, com cabelos curtos e olhos claros. Vestia roupas escuras e justas.
- Precisamos trocar a roupa dela... Tem muito sangue. – disse Sam. – Acho que precisará levar pontos.
Ela veio até mim e olhou meu queixo:
- O corte foi pequeno, mas profundo.
- Ela estava nervosa... Mas do nada se calou... E parece não se importar com mais nada. – disse Samuel ao perceber que eu desisti de dizer qualquer coisa.
Ela foi até a mesa e pegou algo numa caixa.
- Preciso de água. – ouvi ela dizendo.
Sam lhe trouxe um copo de água, que ela me ofereceu. Eu neguei com a cabeça.
- Precisa tomar este analgésico. – ela disse.
Eu levantei um pouco e tomei as várias drágeas que ela colocou na minha boca, bebendo a água para que descessem pela minha garganta. Depois deitei novamente e fechei meus olhos. Eu estava cansada... Tão cansada que tudo em mim doía.
- Deu uma calmante para ela dormir... – ouvi ela dizendo ao longe. – Vou esperar ela apagar para fazer os pontos...
Depois disso eu não ouvi mais nada.