Capítulo 80
2126palavras
2022-12-27 10:50
Eu não tinha a mínima noção de quanto tempo andamos por aquele túnel, em fila indiana, sem falarmos nada, todos no mais absoluto silêncio. O fato de estarem fortemente armados me assustava. Mas eu sabia que seria daquela forma. Alguns haviam tirado as máscaras, revelando seus rostos... Outros permaneceram com elas, então eu só via seus olhos quando me encaravam. E, porra, os olhares eram todos para mim... De incredulidade, de fúria, de raiva, tudo menos olhares bondosos. Eu tive medo.
Aquele vestido era extremamente pesado e desconfortável para aquela caminhada. Meus pés doíam do salto andando nas pedras. Parei e retirei os sapatos, carregando-os na mão. Parecia que eu andava em outro lugar, tamanho conforto que senti. O tule da saia do vestido estava rasgado em algumas partes.
- Estou cansada. – falei para Samuel.

- Não me diga, Alteza. – ele ironizou.
Continuei andando na frente dele. De início achei que tirando o calçado eu ficaria melhor. Mas agora todo meu corpo doía novamente. Minha cabeça latejava e eu estava com tontura. Não conseguia parar de pensar em Alexander e meu coração batia parece que mais vezes do que o normal. Quanto mais eu andava e observava as pessoas me encarando, pior eu ficava. Foi então que tudo começou a girar cada vez mais rápido e escureceu completamente minha visão.
Quando despertei, demorei para reconhecer onde eu estava: ainda no túnel. Então não era um pesadelo. Tudo realmente aconteceu. Eu estava deitada na perna de Samuel, no chão. Olhei para cima e percebi que ele estava com os olhos fechados. Não tive certeza se estava dormindo ou descansando. Me mexi devagar para que ele não percebesse, mas imediatamente ele eu um salto, assustado:
- Tudo bem com você?
- Sim... – respondi.
Ele me ajudou a sentar e levantou-se. Em seguida pegou minhas mãos, ajudando-me a ficar de pé também.

- Precisamos ir e alcançar os outros.
- Eu... Fiquei tonta.
- Foi um simples desmaio. – ele disse sem se importar. – Vamos.
- Quanto tempo eu fiquei desmaiada?

- Não tenho certeza... Acho que você dormiu um pouco depois. Aproveitei para descansar também.
- Sam, eu não seria capaz de dormir com tudo que está acontecendo...
- Vamos, venha. – ele disse sem dar importância ao que eu falei.
Eu o segui. Não via mais ninguém no túnel.
- Nos deixaram?
- Sim... Não dá para esperar. Também não podemos sair todos juntos da casa.
- Casa? – perguntei surpresa.
- Sim... O túnel acaba dentro de uma casa comum, no centro de Avalon.
Por isso nunca foi descoberto. E também por este motivo Emy pôde fugir sem nunca ser encontrada. Quem imaginaria que na biblioteca do castelo havia um túnel secreto, que estava por baixo do castelo de Avalon, desembocando numa casa comum.
- Você me odeia? – perguntei a ele.
Samuel não respondeu.
- Onde está Mia? – questionei.
- Na Coroa Quebrada. Esperando por você... E Théo.
- Théo está aqui?
- Sim.
- Onde?
- Quer mesmo que eu responda. Que diferença isso faz?
- Eu me sinto péssima, Sam. Alexander pode estar morto. Eu preciso, necessito saber como ele está.
- Não era Alexander que só lhe trazia problemas?
Eu parei e o puxei pela roupa, fazendo ele olhar nos meus olhos:
- Ele se jogou na frente de uma bala por mim. Você acha que se ele não me amasse de verdade ele teria feito isso? – gritei.
- Talvez se você tivesse dito a verdade desde o início isso não teria acontecido.
- Talvez se você não tivesse dado uma arma para sua namorada louca ela não tivesse tentado atirar em mim... E Alexander estaria vivo.
- Eu não me importo com ele.
- Droga! – eu bati no peito dele, com força. – Quem é você, porra?
- Samuel Leeter.
- Seu mentiroso. Você não é Samuel Leeter. Você é Samuel Beaumont.
Ele me fitou sem dizer nada.
- Minha mãe morreu quando eu nasci. A mãe de Alexander me tirou dos braços dela e me criou como se eu fizesse parte de sua família. Eu cresci com ele e Mia. Ele está em todas as lembranças boas da minha infância. – não consegui conter as lágrimas novamente. – Ele tem uma mãe, que chorará por ele. E uma irmã que nunca vai me perdoar se ele morrer. E... Ele tem uma amiga que não viverá em paz caso ele morra. E esta amiga sou eu, entende?
- Satini, depois de tudo que ele fez para você?
- Não entende que ele deu a vida por mim?
- Eu... Vou saber em breve como ele está. Prometo que vou lhe dar notícias.
- Obrigada. – falei andando novamente.
Eu precisava ouvir aquilo. Precisava da garantia de que ele me falaria sobre o estado de saúde de Alexander.
- E Estevan? – ele perguntou. – Que porra ele fazia lá?
Ouvimos passos e logo Théo apareceu, voltando atrás de nós:
- Tudo bem?
- Agora sim. – disse Samuel.
- Precisam vir mais rápido. Pode não ser tão fácil retirá-la da casa e andar com ela por Avalon. – observou Théo.
- Sim... Precisamos apressar o passo, princesa. – ele disse ironicamente.
Eu não discuti. Simplesmente fiz o que ele pediu. Levantei um pouco a saia enorme do vestido e segui. Sim, eu estava sem a minha calcinha, perdida numa sala qualquer do castelo. Então eu não deveria ficar tão furiosa com o vestido cheio de babados, pois ele me protegia.
Depois de mais uma longa caminhada pelo túnel estreito chegamos a outra escadaria íngreme, que desta vez subiríamos. Uma porta no final dos degraus me fez pensar que era o fim do túnel. E eu estava certa. Théo abriu a porta e chegamos num cômodo vazio de uma casa. Eis o mistério do túnel desvendado. E creio que agora ele não era mais secreto, afinal metade de Avalon o conheceu. O segredo de reis e rainhas de Avalon não mais existia.
Saímos do quarto e chegamos numa área comum da casa, parecendo uma sala. Ainda havia algumas pessoas ali, alguns sentados, outros de pé, alguns bebendo água, outros revisando as armas.
- Devo me preocupar? – perguntei para Samuel.
- Não sei, Alteza. Deve? – ele novamente foi sarcástico.
A meu ver Samuel passava a agir como Alexander. Eu respirei fundo. Ele achava que eu menti, quando ele também mentiu. Todos mentimos: Emy, Léia, Sean, Estevan, Samuel, Mia... Acho que no fundo a única pessoa que não mentiu foi Alexander. Ele nunca escondeu nada de mim. Ele sempre foi ele mesmo, mesmo que tenha me revelado principalmente o seu lado ruim, que alegava que só existia quando estava ao meu lado.
- Sairemos aos poucos. – disse Théo. – Para não levantar suspeitas. Alguns pela porta da frente, outros pelos fundos. Uns caminhando, outros de carro. Há veículos em ruas secundárias esperando.
- Ok.
- Você fica com ela? – ele perguntou me olhando.
- Sim. Ela é minha responsabilidade. – disse Samuel.
- Onde está Emy? – perguntei.
- Emy já foi. Saiu no primeiro carro. A segurança dela vem em primeiro lugar. – ele disse firmemente.
Eu ri ironicamente. Claro que a futura rainha vinha em primeiro lugar. Eles sequer sabiam que eu era uma pessoa comum e não uma Beaumont. Tive a certeza de que não podia revelar minha verdadeira identidade, ou corria o risco de acabarem comigo. Se Satini Beaumont não valia quase nada, imagine Satini sem sobrenome algum, filha do amante da rainha Pauline.
Pensei em meu pai e meu coração novamente ficou apertado. Será que ele iria me procurar na Coroa Quebrada? Eu precisava vê-lo. Precisava também saber de Estevan. Céus, o que estava acontecendo no castelo de Avalon naquele momento?
- E Sean? – perguntei.
- Se juntará a nós em breve. – foi a resposta curta dele.
Alguém entrou pela porta da frente e disse:
- Incrivelmente a cidade está vazia. Não há guardas nas ruas. É como se nada tivesse acontecido.
Olhei para Samuel:
- Exatamente como eu disse que aconteceria.
- Parece que sua vida realmente não vale nada para meu tio. – ele riu ironicamente. – Não mandou nenhum guarda atrás de você? Um mísero que fosse...
- Nenhuma vida vale nada para Stepjan Beaumont a não ser a dele mesmo.
- Eu vou matar o seu pai. – ele disse olhando nos meus olhos.
- Fique a vontade, Samuel Leeter. Acha que eu me importo?
Dizendo isso eu saí dali e fui ver o restante da casa. Realmente eu pouco me importava se ele mataria ou não Stepjan. Ele não era meu pai. Por sorte não era nada meu. Talvez se algum dia ele tivesse me tratado com algum carinho eu tivesse qualquer tipo de sentimento por ele. Mas isso nunca existiu. Ele me tratava pior que uma criada do castelo. A meu ver ele simplesmente me suportava. A vida dele não tinha valor algum para mim.
A casa era grande. Tinha cinco quartos de bom tamanho, alguns com banheiro. A sala não era grande, mas de bom tamanho. A cozinha, embora pequena, era bem equipada. Ela tinha um andar e uma escadaria que parecia dar em uma espécie de sótão. Não chegava a ser uma casa que chamasse a atenção por fora, mas também não destoava das demais do bairro, pelo que eu observava pelo vidro da janela.
- Se afaste da janela. – disse Samuel me pegando pelo braço.
Eu obedeci. Ele ainda estava com a arma na mão e isso me deixava amedrontada.
- Você precisa trocar de roupa. – ele disse me olhando.
- Acha mesmo que eu preparei uma mala para trazer?
- Por que não? Afinal, você planejou tudo isso.
- Sozinha? Não seja ridículo. Eu tive a ideia, planejamos juntos e vocês concretizaram.
- Um plano ridículo e mal elaborado. E me pareceu que você havia mudado de ideia quando a encontrei no salão de baile.
Eu não respondi nada.
- Como você sabia que era eu? – ele perguntou me olhando nos olhos.
- Como não saber?
- Seriam meus olhos? – ele riu.
- Posso garantir que não. – falei friamente.
- Tem uma mochila com roupas para você num dos quartos. – ele disse.
- Sua mãe providenciou?
- Sim.
Ele andou pelo corredor dos quartos e eu o segui. Assim que ele abriu a porta apontou para a mochila em cima da cama.
- Obrigada. – falei.
- Eu... Vou ter que ficar aqui com você... Infelizmente.
- Com assim?
- Como você pode ver, as janelas não estão trancadas. E a última coisa que queremos é que a princesa de Avalon fuja novamente.
- Por que eu fugiria se planejei o meu sequestro?
- Me diga você, princesa.
- Eu não vou me trocar com você aqui, Sam.
- Acho que já vimos tudo que tínhamos para ver um do outro, não é mesmo? – ele disse me olhando debochadamente.
- Bem, vamos lá. Se é assim que você quer, assim será. Aliás, acho que você não desejaria a sua prima, não é mesmo? – debochei com raiva.
Eu não tinha certeza se realmente ele tinha que ficar comigo ali ou estava inventando tudo.
Porra, eu não estava usando calcinha.
- Pode virar de costas? – pedi.
- Não mesmo... Vou ficar de olhos bem abertos em você, Alteza.
- Você só pode estar brincando, Sam.
- Não mesmo.
O encarei com raiva.
- Tenho a impressão que você já quis que eu tirasse seu vestido uma vez... E até mesmo sua virgindade em outra.
- Ainda bem que não aconteceu nada, não é mesmo? Que culpa sentiríamos hoje, não é mesmo?
- Não acho que você tenha sentido culpa quando me beijou na coroa quebrada, já sabendo que eu era seu primo.
Imediatamente eu corei. Eu lembrava muito bem de ter pensado que pouco me importava, pois iria para o inferno da mesma forma.
- Então você já sabia da verdade?
- Não. Eu realmente não sabia. Quando a vi no salão de baile, usando esta tiara de diamantes foi que me dei em conta de que você era a princesa. Mas confesso que não fiquei tão surpreso. Eu sempre soube que você me escondia algo. E tinha quase certeza que não era tão simples o que a envolvia. E quando você me chamou de Samuel Beaumont, tive a certeza de que você também sabia a verdade. E só poderia ter sabido através da minha mãe... No dia que ela a raptou.
- Você não é tão burro. – ironizei.
- E você não é nada inocente. – ele analisou meu corpo.
- Vamos para o inferno juntos, primo.