Capítulo 76
2165palavras
2022-12-27 10:47
Eram tantas pessoas no fim daquela escadaria que eu fiquei um pouco nervosa e amedrontada. Rezei para que tudo desse certo no meu sequestro.
Conforme ia descendo, vagarosamente, degrau por degrau, não conseguia me atentar a todos à minha volta. Então eu só sorri, gentilmente, como sempre me foi ensinado a fazer.
Faltava menos de dez degraus para chegar ao final quando meus olhos encontraram os dele. E eu parei imediatamente. Minhas pernas simplesmente ficaram imóveis. Stepjan desceu um degrau, Beatrice quase bateu em nós e eu sem me mexer. Eu senti que meu coração iria saltar de dentro de mim escada abaixo. Estevan, o que você está fazendo aqui? Mudou de ideia? Sim, eu sempre soube que você era rico... Então por que estou tão impressionada de vê-lo no baile? Vá embora, por favor... Não quero que você veja que eu sou como você: uma mentirosa. E que no fim, realmente não dava para ficarmos juntos porque você tem uma noiva e eu menti o tempo todo.
- Tudo bem, querida? – perguntou Stepjan fingindo uma preocupação que ele nunca teve comigo a sua vida inteira.
Eu assenti com a cabeça, ainda incerta se conseguiria me mover. Meu corpo tremia como nunca aconteceu em toda a minha vida. Era como se ali dentro estivesse menos de cinco graus e eu estivesse nua. Minha pele arrepiou-se e eu consegui desviar os olhos de Estevan e tentar procurar meu futuro marido pela multidão.
Segui tentando descer, encontrando novamente os olhos que tanto tiravam meu sono, que tanto me angustiavam, que me faziam querer morrer por ele e ao mesmo tempo viver eternamente para poder tê-lo.
Estevan vestia calça e casaco pretos, com abotoaduras douradas e alguns adornos, parecendo correntes, também douradas, perto do peito. Seus cabelos estavam perfeitamente cortados e bem penteados e seu não fosse eu conhecê-lo tão bem, diria que ele havia passado batom e blush de tão vermelha que estava sua boca e suas bochechas. Eu sorri. Ele era simplesmente assim: lindo e perfeito. Deu-me vontade de ao invés de passar por ele, parar e pedir para ele me levar embora para sempre e nunca mais me deixar.
Mas quando chegamos ao último degrau, ele continuou ali, na minha frente, imóvel. Meu pai pegou minha mão direita e Beatrice parou do outro lado, curvando-se para ele.
Olhei-a confusa. Por que diabos Beatrice se curvava para Estevan?
- Satini Beaumont, este é o príncipe e em breve rei de Alpemburg Estevan D’Auvergne Bretonne, sua mãe, a rainha Deise D’Auvergne Bretonne e seu pai, o rei Estefano D’Auvergne Bretonne.
Eu me curvei enquanto os flashes seguiam me incomodando. Deus, isso não podia ser verdade... Estevan era o meu príncipe. Devia ser um sonho. Eu tenho certeza que quando eu abrisse meus olhos eu estaria ainda na minha cama e o sábado nem teria chegado ainda. Mas não... Eu abri e fechei meus olhos várias vezes e ele ainda estava ali, na minha frente, sem dizer nada, sem sorrir, sem esboçar nenhuma reação, talvez tão pasmo quanto eu.
- Nossa mesa está preparada, juntamente dos D’Auvergne Bretonne. – disse Stepjan para todos.
Estevan me estendeu a mão, que eu aceitei, sentindo o sangue fervendo dentro de mim como se de menos de cinco graus negativos a temperatura ali dentro agora estivesse beirando os cinquenta graus.
Eu usava luva, mas parece que eu sentia a mão macia dele tocando na minha. A mãe dele me sorriu gentilmente e nos dirigimos à mesa, sendo guiados por uma criada.
Eu tinha tantas coisas para dizer, mas as palavras não saíam. Ele desceu o braço que trazia levantado com minha mão e enlaçou os dedos nos meus e nossos olhos se encontraram. E eu mais uma vez tive a certeza de que eu amava aquele homem mais do que qualquer coisa em toda a minha vida.
O caminho até a mesa não era longo, mas para nós parecia ser. As mesas estavam dispostas em espaços não muito distantes umas das outras, exceto a da realeza, que além de não ser redonda e sim retangular, era afastada das demais e fortemente protegida pela guarda real. Entre eles, Alexander e meu pai.
Procurei por meu pai, que pareceu estar tão perplexo quanto eu. Eu precisava dizer a ele para mandar abortar o plano. Eu não queria ser sequestrada... Eu não podia... Era ele... Era Estevan. Ninguém me tiraria de perto dele... Nunca mais. Eu só sairia do lado dele morta... E mataria quem quisesse me afastar dele... E isso servia para toda a minha vida. Ele seria o meu marido. O destino quis assim, me prometeu a ele desde que nascemos. E também o destino quis que nos conhecêssemos e nos apaixonássemos sem saber que éramos predestinados. Foram tantos mal entendidos. Agora nada nos separaria.
Meu pai e Beatrice sentaram-se na parte central da mesa, que ficou composta pelos pais de Estevan do lado esquerdo e nós dois do direito, sendo que eu fiquei ao lado de Beatrice e meu pai ao lado do rei de Alpemburg.
Assim que a realeza sentou-se, a banda voltou a tocar num tom baixo e os garçons foram trazendo a comida, que seria servida à mesa. Eu não tinha estômago para comer nada. Minhas mãos estavam sobre minhas pernas e eu senti a mão de Estevan sobre a minha, sendo que ninguém sabia que nos tocávamos, só nós dois. Senti meu coração querendo saltar de dentro de mim e discretamente retirei a luva. Eu precisava sentir a pele dele sobre a minha. Seus dedos estavam quentes e percebi que a palma da mão dele suava. Olhávamos para frente, sorrindo, mas tudo que eu queria era que aquilo acabasse logo e que eu o tivesse só para mim.
Meu prato foi servido e ironicamente o de Stepjan também. E eu duvido que alguém provou aquela diversidade de comidas antes, para ver se alguém tentou envenenar o rei.
Eu fiz de conta que comi. Acho que se eu colocasse qualquer coisa no meu estômago eu seria capaz de vomitar ali mesmo, na frente de todos, tamanho nervosismo e outras inúmeras sensações que eu sentia dentro de mim e não conseguia decifrar.
Meu pai conversava amigavelmente com o rei Estefano e Beatrice me perguntou, em voz baixa:
- Tudo bem, Alteza?
- Tudo perfeitamente bem, Beatrice. – eu disse sorrindo.
Por sorte as fotos foram proibidas durante o jantar. Procurei meu pai com os olhos e ele estava fixo em mim. Senti-me segura, embora eu ainda tivesse que falar com ele e implorar para que fizesse algo.
Assim que o jantar foi retirado, a sobremesa foi servida. Eu recusei e Estevan fez o mesmo. Logo que todos ficaram satisfeitos, meu pai levantou-se e anunciou:
- Me alegro de no dia de hoje, apresentar ao reino de Avalon a princesa Satini Beaumont. – ele me ofereceu a mão, que eu aceitei, levantando-me.
Eu esperei muito por aquele momento, mas agora, sabendo que eu não era realmente a princesa, muito menos a herdeira do trono, aquilo de alguma forma me incomodava.
Novamente todos os fotógrafos e repórteres puderam aproximar-se, ficando num espaço reservado especialmente para eles naquele momento.
- Satini Beaumont é a futura rainha de Avalon, mas neste momento ela conhece seu futuro marido, Estevan D’Auvergne Bretonne, príncipe que será coroado rei de Alpemburg, onde será o lar de minha querida filha depois do casamento. Mas Avalon não ficará sem um herdeiro. Anuncio também que vou me casar com Beatrice Salvignon, que espera um filho meu.
Claro que o burburinho foi geral. Mas eu nem dei importância. Eu só queria mesmo ir embora com meu futuro marido. Nada mais me importava. Poderia me ser feita “uma” pergunta por parte dos repórteres. Beatrice escolheu quem seria o privilegiado da noite, que certamente era algum conhecido dela.
Era uma mulher, que logo veio para frente dos demais, segurando um pequeno gravador nas mãos. A pergunta era:
- Como vocês dois se sentem, em pleno século XXI, tendo que casar por conveniência, com os parceiros escolhidos por seus pais antes mesmo de vocês terem nascido?
Eu levantei meus braços, percebendo que uma mão estava com luva e outra sem. Eu era Satini, então nada poderia sair tão perfeitamente, ou deixaria de ser eu. Então eu sorri e olhei para Estevan:
- Eu me sinto hoje a mulher mais feliz do mundo por poder estar ao lado dele. – meus olhos não conseguiam afastar-se dos dele. – E mesmo que eu pudesse escolher... Eu o escolheria... Mil vezes. – falei sentindo uma lágrima rolando pela minha face.
Estevan limpou gentilmente a lágrima que caía pela minha bochecha e disse:
- Não é todo dia que se tem predestinada a mulher mais linda e perfeita do mundo. E... – ele riu nervosamente. – Eu a amaria da mesma forma se ela fosse uma mendiga pedindo esmola na rua... Ou uma prostituta perdida pelas ruas. – houve risos altos de todos. – E eu só seria capaz de traí-la com ela mesma.
Nós dois começamos a rir discretamente. Sabíamos exatamente do que falávamos. Eles começaram a fazer várias perguntas ao mesmo tempo e logo Stepjan pediu que fossem dissipados do meio do salão e voltassem aos seus lugares. Assim que todos se reorganizaram, a banda voltou a tocar.
- Aceita dançar, minha futura esposa?
Ainda estávamos de pé, depois de respondermos a pergunta da forma mais sincera que poderíamos ter feito. Retirei a luva que cobria minha outra mão e deixei-o conduzir-me ao centro do salão, onde ninguém além de nós dois estávamos.
Os olhares eram todos sobre nós. Não era um casamento e a dança era aberta a todos. No entanto parecia que as pessoas estavam bem curiosas com o que estava acontecendo entre os dois futuros pretendentes que não se conheciam e pareciam completamente apaixonados.
A mão dele encontrou a minha cintura enquanto a outra segurava minha mão firmemente. Minha mão envolveu seu pescoço e nos aproximamos o máximo que podíamos um do outro.
- Eu jamais saberei agradecer a vida por tudo que ela me deu. – ele disse no meu ouvido.
- Estevan... Eu quase estava decidida a ser sua amante. – confessei.
Ele riu:
- E pensar que eu estava decidido a desistir deste casamento... Para poder ficar com você.
- Por que não me disse a verdade?
- Acho que pelo mesmo motivo que você não me disse.
Eu senti o cheiro dele tão próximo. E pensar que ficaríamos assim para sempre. Então não houve nada que pudesse impedir o nosso beijo. Estávamos muito próximos para conseguirmos nos controlar. Paramos de dançar e nossas bocas se encontraram sem se preocupar com onde estávamos ou quem nos observava. Só queríamos nos sentir... Como há tanto tempo não fazíamos. Enlacei minhas duas mãos no pescoço dele e deixei sua língua invadir a minha boca vorazmente, quase querendo engoli-la. Era assim que eu me sentia... Com vontade de devorá-lo, ou melhor, de ser devorada. Todo o meu corpo estremecia ao toque dele.
Não esperávamos as palmas que ecoaram pelo salão. Então nos afastamos. Sim, não estávamos sozinhos. Por sorte os pais dele vieram para a pista de dança e eu particularmente me senti mais a vontade. Não éramos os únicos a sermos observados agora. Voltamos a dançar, mas nossos olhos se olhavam completamente enfeitiçados.
- Eu amo você. – ele falou somente com os lábios, sem deixar sair o som.
- Amo você. – repeti com as palavras, nitidamente. – Será que podemos antecipar o casamento?
- Para hoje? – ele perguntou.
- Eu aceito.
- Eu não tenho certeza se o casamento será hoje. Mas a lua de mel eu garanto que será.
- Estou tentando entender como eu consegui sobreviver tanto tempo longe de você, Estevan.
- E eu tentando entender como não descobrimos isso antes...
- Por que você veio para Avalon?
- Conhecer seu reino, saber um pouco sobre como era... Para tentar lhe dar boas vindas de uma maneira que a agradasse, já que eu não sabia e nem saberia nada sobre você antes do casamento.
- Eu sempre aceitei este casamento arranjado como meu destino... Até momento que o conheci. Quando ficamos juntos na praia eu decidi que não casaria mais... Porque eu só queria você.
- Eu sofri tanto por tê-la feito sofrer naquele dia. Mas eu precisava lhe contar a verdade... Embora eu quisesse ficar com você, minha família tinha um compromisso com seu pai e seu reino. Com o morte de meu irmão, meu reino e meus pais se desestabilizaram. Eu não poderia começar a me negar a fazer uma coisa que sabia que teria que fazer a minha vida inteira. Mas assim que a deixei naquele dia, minha vida se transformou num inferno... E minha mãe decidiu me apoiar, ao ver meu sofrimento. Então passamos a fazer algumas exigências para ganhar tempo... E eu havia decidido que abriria mão do trono, mas não casaria com ela... Que era você... – ele riu confuso.