Capítulo 75
2613palavras
2022-12-27 10:46
Nos dias seguintes tive somente a companhia de Alexander, tanto para conversar quanto para comer comigo. Percebi o quanto ele estava cansado, sem poder sair dali para nada. Ofereci-lhe o meu banheiro e ele acabou neste meio tempo aceitando pelo menos um banho, o qual conseguimos fazer com que fosse rápido o suficiente para que ninguém percebesse. Parecia que havíamos voltado ao tempo que éramos crianças e nos preocupávamos realmente um com o outro. Talvez isso se devia ao fato de que eu estava presa e ele sabia que ninguém encostaria em mim, então se sentia seguro e não precisava me punir de alguma forma, afinal, eu já estava sendo punida.
Tentei tirar dele alguma confissão sobre Beatrice, mas não houve. Ele insistia em dizer que não sentia nada por ela e que nada daquilo havia sido planejado, muito menos o bebê.
Na sexta-feira eu senti muita ansiedade. Sabia que meu futuro marido e sua família estavam dentro do castelo, há poucos metros de mim. Ainda assim eu só os conheceria no dia seguinte.

Eu estava sentada no chão, perto da porta, enquanto Alexander seguia a posição de guarda real e conversávamos.
- Será que você vai ficar aqui até a hora do baile? – perguntei.
- Não... Amanhã pela manhã estarei liberado. Outra pessoa ficará de guarda. E deverei estar preparado para fazer a sua guarda pessoal no baile.
- O que é guarda pessoal no baile? – perguntei confusa.
- Vou ficar de olho em você... E armado. – ele riu.
Isso me deu um pouco de medo. O plano era Samuel e os outros entrarem no castelo e me levarem. Mas Alexander não deixaria aquilo acontecer tão facilmente caso estivesse responsável pela minha segurança. Eu estava nervosa. Não sabia mais nada sobre o plano. Estava incomunicável. Não tinha ideia de por onde eles entrariam. Também não sabia se Emy viria junto ou seria Sam o responsável pelo ataque combinado.

- Está ansiosa por saber que seu futuro marido está em Avalon?
Olhei no relógio e já passava das 18 horas.
- Certamente ele está dentro do castelo. E tenho quase certeza de que irá jantar com o rei, na sala de visitas, a mais linda do castelo, onde ele recebe as pessoas mais importantes. Certamente irá querer impressioná-los.
- Aposto que sim.

- Realmente não conseguiu lembrar o nome do reino onde os D’Auvergne Bretonne são monarcas?
- Infelizmente não. Mas se eu lembrasse o nome do reino, você saberia quem é o seu futuro marido?
- Talvez não, embora eu e Mia tenhamos pesquisado bastante sobre isso.
- Falta pouco tempo... Amanhã você o conhecerá.
Sim, apesar de eu não concordar com o casamento e saber que ele não aconteceria de forma alguma, eu estava curiosa em conhecer o príncipe que havia perdido o irmão, que tinha uma mãe que se preocupava com os sentimentos dele, embora o pai não pensasse da mesma forma. O príncipe que seria rei em poucos dias... Nem sei se já não era. Que Stepajan disse que estava tão inseguro quanto eu... E que de alguma forma se preocupava com tudo que estava acontecendo, mesmo sem me conhecer também.
A noite que antecedeu o baile foi de muita ansiedade. E eu mal consegui dormir. Sonhei com Estevan naquela noite e a situação do colar indo para o mar e voltando. Fui pegar no sono já era quase cinco horas da manhã.
Despertei no dia seguinte quando já passava das dez horas. Fui até a porta e Alexander não estava mais ali. Era outro guarda, que explicou que ele já estava liberado. Nunca pensei sentir falta de Alexander, mas naquele momento confesso que senti. Haviam sido dias não tão horríveis porque ele estava comigo, era minha única companhia. Ele se mostrou divertido, atencioso e até me pareceu uma pessoa normal na maioria das vezes. Eu não poderia dizer que gostaria que fosse assim para sempre porque pouco importava como seria a minha relação com ele daqui para frente. Eu estava de partida do castelo de Avalon... Para sempre.
À tarde eu recebi manicures, que embelezaram minhas unhas dos pés e das mãos. Fiz um tratamento facial e massagem relaxante. Tudo isso no meu quarto, pois eu ainda estava terminantemente proibida de sair por qualquer motivo que fosse. No fim, não tenho certeza se meu pai realmente me trancou por eu ter tentado falar sobre Beatrice ou porque teve medo que eu fugisse antes do casamento se realizar.
Claro que o ataque ele não imaginava, pois tenho certeza que nunca passou pela cabeça dele que Emy Beaumont poderia estar viva. Bem como um ataque rebelde vindo de um lugar que ele jamais imaginaria: de dentro do castelo. Eu sabia que a guarda do lado de fora estava completamente reforçada e que não havia a mínima chance de qualquer pessoa que não havia sido convidada entrar... Pelo menos pela porta da frente.
O vestido chegou junto da tiara. Tinham tantas pessoas no meu quarto que eu até fiquei um pouco tonta. Todos falavam ao mesmo tempo, faziam tudo junto e misturado e eu parecia uma boneca jogada para lá e para cá, sendo tocada e analisada por todos.
Quando parei para fazer os cabelos, fui enfática:
- Quero cortar.
- Não! – exclamou o homem responsável pelo cabelo. – Seus cabelos são lindos, hidratados... Por que eu faria isso com você?
- Vou cortar. – insisti. – Quero uma mudança... Ficar diferente.
- Querida, vai conhecer seu futuro marido hoje, daqui há algumas horas...
- E o que meus cabelos tem a ver com isso? – perguntei. – Se ele nunca me viu, não saberá se cortei hoje ou se sempre fui assim. – comecei a rir.
Algumas pessoas também acharam engraçado a resistência dele em querer me manter com os cabelos longos. Por fim, ele não teve opção: passou a tesoura, deixando-os acima dos ombros, levemente ondulados. A maquiagem não foi nada leve. Pedi para carregarem na sombra e quis olhos bem delineados. Um batom com cor daria o toque final, mas não avermelhado e sim num tom nude, visto que meu vestido era lilás. Quando coloquei o lindo vestido, fiquei sem palavras ao ver meu reflexo na frente do espelho. Ele era bem justo na parte de cima e tinha tantas pedras transparentes brilhantes que não dava para saber se era todo feito delas ou se tinha tecido. As alças eram largas na parte do ombro, estreitando conforme ele ia para a parte do colo. O estilo corpete afinou minha cintura ainda mais e destacou meus seios, que pareciam querer pular para fora. A saia dele era absurdamente pomposa, com tules em tantas camadas que ficava ainda mais armado que um vestido de noiva tradicional. Luvas em lilás, mas numa tonalidade mais clara e mais brilhosa que o vestido deram o toque de sofisticação final, acompanhadas de um sapato feito especialmente para mim, trazido de Milão pelo próprio desenhista que o projetou.
Trouxeram-me junto da tiara valiosa um conjunto de colar de diamantes em forma de pêndulos, que direcionava-os diretamente aos meus seios fartos. Os brincos eram simples, em pedras de diamante pequenas e penduradas, que contrastaram com meus cabelos mais curtos. A tiara foi colocada por último, presa com grampos invisíveis para não ter risco de cair de forma alguma.
Provavelmente aquela era a primeira e última vez que eu me vestiria daquela forma. Eu achei tudo tão perfeito que poderia ficar vestida daquela forma para sempre, como a princesa lilás, roubada de dentro do castelo de Avalon. Certamente eu e aquele vestido estaríamos estampando as capas dos jornais do mundo inteiro no dia seguinte. E a coroa era minha, conforme o rei Stepjan Beaumont havia dito. Então eu a levaria como recordação e também como pagamento pelos anos que tive que aturar a presença dele nos almoços de domingo.
O baile teria início às 21 horas. Saber que a família D’Auvergne Bretonne estava a alguns metros de mim me deixava muito ansiosa. Em pouco tempo eu desceria até o salão de bailes, conheceria o homem que atiçou minha curiosidade por 17 anos e depois eu estaria longe do castelo de Avalon para sempre, bem como deixaria de ser a princesa Satini Beaumont. Sequer haveria coroação, um momento pelo qual eu me preparei toda a minha vida.
Quem usaria a coroa era minha tia, Emy Beaumont, pois era dela por direito. E neste dia, Avalon estaria livre para sempre das garras de Stepjan Beaumont, o rei mais autoritário, mentiroso e assassino que já houve.
Antes de sair, eu fui até o closet e retirei o brinco da gargantilha. Com cuidado o abri e prendi no colar de diamantes. Talvez poucos perceberiam, mas ele estava ali, junto de mim. Estevan estaria para sempre dentro do meu coração, por mais que eu tentasse tirá-lo de dentro de mim. Ele nunca saiu... Esteve o tempo inteiro ali, para me provar que jamais poderia ser substituído. Eu ainda não tinha certeza se o procuraria... Nem sabia por onde começar. E talvez quando o encontrasse ele já estivesse casado, ou até mesmo com filhos. Senti uma tristeza tão grande se apossando de mim. Eu pensei em largar tudo por causa dele, fugir, nunca mais aparecer no castelo. No fim, ele não teve a mesma coragem que eu. O dever falou mais alto no caso dele. E eu achava tão injusto um amor como o nosso se perder. Tinha certeza que jamais sentiria por outra pessoa o que eu sentia por ele. Fechei meus olhos e toquei na argola. Eu conseguia sentir o cheiro dele, sua respiração quente e ofegante junto da minha, seu peito aconchegante, seu abdômen completamente definido que eu poderia passar toda a vida admirando. E os olhos... Ah, acho que desde o primeiro momento eu me apaixonei pelos olhos dele. E eu nem tinha certeza de como defini-los, mas se fosse descrever para uma criança eu diria marrom claro Tão claro que poderia se confundir com amarelo ouro escuro. E eles eram intensos, como se pudessem desvendar até a minha alma quando estavam dentro dos meus. Os braços eram fortes, musculosos, embora ele não fosse um homem grande e alto. Ele era exatamente perfeito para mim... Sem ter o que tirar nem o que botar. Os lábios finos e quentes... Sim, sempre quentes. E sua língua... Eu senti meu corpo arrepiar ao lembrar tudo que aquela língua tinha me proporcionado em prazer. Se eu pudesse fazer um último pedido antes de morrer, certamente seria beijá-lo pela última vez. Abri meus olhos e vi minha pele arrepiada e sorri, tentando não deixar uma lágrima teimosa querer cair e estragar a minha maquiagem perfeita. Eu acho que definitivamente era o fim de Satini Kane e Estevan Delacroix.
Para Satini Kane literalmente era o fim... Ela deixaria de existir para sempre. E Satini Beaumont, que por 17 anos viveu no castelo de Avalon, teria um outro sobrenome, que eu nem ao certo sabia qual era. Mas eu pouco me importava. Eu só queria estar com meu pai e ter o que ele poderia me dar: seu nome para continuar. Eu já não tinha mais uma tia, um primo e uma prima... Muito menos Estevan. Mas eu tinha um pai. E ele era uma pessoa tão importante, que eu admirava tanto, que substituía todas as perdas.
Eu iria embora com a Coroa Quebrada. Mas não tenho certeza em como revelaria a todos que eu não era Satini Beaumont, muito menos a filha do Rei Stepjan. Eu só esperava que meu pai estivesse ao meu lado quando eu tivesse que dizer a verdade a todos.
No fim, a garota que viveu a vida inteira aprendendo sobre como ser a princesa perfeita e que sonhou em ser a rainha que Avalon queria e merecia não seria nada a não ser a plebeia.
Abri mão de tantas coisas, sempre acreditando que era o melhor para o meu reino. Aprendi tantas línguas, tantas regras de etiqueta, a tocar piano, a saber me portar em diversos lugares e eventos diferentes, a nunca alterar o tom de voz, a usar roupas de grife com caimentos perfeitos, a usar sapatos confortáveis feitos especialmente para mim, a me alimentar de forma balanceada, a manter meu corpo sempre bonito, fazendo academia diariamente, com um personal só para mim. Muitas destas coisas eu nem gostava ou achava relevante, pois para mim o interior das pessoas sempre foi mais importante que o exterior... No fim, parecia que eu sempre soube que aquilo de nada serviria para a minha vida. Eu só levaria de Avalon o que ficou de aprendizado, sabedoria e o que estava dentro da minha mente e do meu coração. Nada material seria levado junto. Por quê? Porque não tinha importância alguma.
No fim, eu tinha que agradecer a minha mãe por ter sido infiel ao rei Stepjan e ter me dado um pai tão lindo, inteligente e especial quanto Sean. Ele sempre ficou ao meu lado... A vida inteira. Dezessete anos abrindo mão de uma vida para estar ao lado da filha que ele mal via conforme ela foi crescendo. Eu não via como perder 17 anos longe de meu pai... Pelo contrário, eu estava absolutamente feliz por poder contar com ele o restante do tempo que a vida nos desse juntos.
- Alteza?
As vozes ansiosas me chamavam pelo lado de fora do closet. Nem sei quanto tempo eu fiquei ali, divagando sobre a minha vida, minhas escolhas e o destino.
Saí e todos me elogiaram.
- Somos privilegiados por conhecermos Vossa Alteza antes de todos. – disse uma maquiadora.
Eu me limitei a sorrir encantadoramente.
Saí pela porta, onde dois guardas com uniforme de festa me aguardavam do lado de fora, armados discretamente. A roupa deles era branca, diferente da preta habitual. As abotoaduras eram douradas. Quando me viram, curvaram-se perfeitamente alinhados. Olhei-os tentando lembrar se já havia beijado algum deles no passado e corei. Satini Beaumont havia sido endiabrada e deixaria saudades nos guardas que a beijaram nos corredores escuros do castelo de Avalon.
Fui conduzida lado a lado por eles até o salão principal de festas, de onde já se ouvia a música tocada pela banda que havia sido contratada. Meu coração começou a bater descompassadamente quando vi Stepjan Beaumont ao lado de Beatrice, que usava um vestido vermelho absolutamente perfeito, que realçava seu corpo bonito e sua pele negra com olhos claros. Ela não tinha nenhum vestígio de barriga. Antes de chegar ao rei, vi ao fundo do corredor Sean, meu pai. Eu tentei controlar as lágrimas. Foram vários dias sem vê-lo e sem saber como ele estava. Mas eu poderia dizer uma coisa sobre ele: o uniforme de gala da guarda real o deixava absolutamente lindo. Sorri-lhe, sentindo uma tranquilidade e carinho dentro de mim inexplicáveis. Ele não poderia me sorrir de volta, mas seus olhos piscaram carinhosamente. Meu pai não precisava abrir a boca para sorrir. Ele conseguia sorrir com os olhos.
Quando cheguei ao rei Stepjan, ele ofereceu-me seu braço e eu aceitei.
- Está linda, Alteza. – disse Beatrice.
- Obrigada, você também. – falei gentilmente. Em pouco tempo eu nunca mais a veria em toda a minha vida.
- Preparada para conhecer seu futuro marido e para ser reconhecida pelo mundo inteiro?
- Sim. – eu disse olhando firmemente nos olhos azuis dele.
As portas principais foram abertas para nós dois, que entramos seguidos de Beatrice. Ficamos no topo da escada e as luzes dos flashes ofuscaram a minha visão. Eu sabia que não poderia colocar minhas mãos na frente dos meus olhos, mas minha vontade era de fazer aquilo, tamanho incômodo que aquilo causava à minha visão.