Capítulo 72
2215palavras
2022-12-27 10:44
- Léia eu vou embora. E você vai me ajudar. – falei firmente.
- Não... Eu não posso fazer isso.
- Por favor, eu preciso ir embora imediatamente deste lugar.

- Por que você está tão nervosa? O que está acontecendo?
- Eu vou me juntar a Mia. Não posso permanecer aqui. Minha vida está em risco. – eu falei andando de um lado para o outro.
Léia me balançou pelos ombros, olhando nos meus olhos:
- Querida, fale comigo... O que houve? Você está muito nervosa.
- Léia, Beatrice está grávida. Meu pai vai ter outro filho. E ele vai me matar. Eu ouvi ele dizendo isso...
Ela ficou em silêncio me encarando. Depois me abraçou com força:

- Não vai acontecer nada com você, Satini. Eu prometo.
- Você não pode me proteger... Ninguém pode, Léia. Ele é um monstro. E eu me sinto horrível por odiar o meu próprio pai. Que tipo de pessoa pensa em matar a própria filha?
Eu queria chorar, mas as lágrimas não escorriam. Então comecei a ter falta de ar, que se intensificava conforme eu ia ficando mais nervosa e tentava explicar. No fim, nem minhas palavras saíam. Simplesmente eu estava sufocando.
Ela serviu um copo de água da jarra que tinha sobre a minha mesa e me fez beber tudo. Depois gritou no corredor pedindo por mais água, imediatamente.

Bebi tudo de uma vez, tentando melhorar. A sensação que eu tinha é de que estava morrendo... Sem ar nos meus pulmões.
- Respira devagar... – ela pediu. – Tudo vai ficar bem... Eu juro para você.
Logo veio mais água. Léia fechou a porta e dispensou os curiosos no corredor. Serviu-me outro copo, agora com a bebida bem gelada e me fez tomar todo novamente. Eu obedeci.
Ela foi acariciando meus cabelos até que pouco a pouco eu consegui controlar minha respiração novamente e o ar voltou aos meus pulmões. Eu acho que não estava doente... Tinha sido uma crise de nervos... Ou medo.
- Eu... Prefiro me matar a ser morta por ele. – me ouvi falando. – Como minha mãe pôde me deixar nas mãos deste homem horrível? Como ela fez isso comigo?
Léia pegou meu rosto entre suas mãos, olhou no fundo dos meus olhos e disse:
- Satini, você não é uma Beaumont. Você não é filha do rei.
Por um momento pensei não ter ouvido direito. Será que ela queria que eu morresse de vez? Permaneci olhando nos olhos dela, sem conseguir dizer nada.
- Pauline nunca amou o rei Stepjan. Mas ela amou seu pai. Ela jamais quereria ver você sofrer por qualquer motivo, acredite. Ela era a pessoa mais doce e generosa que eu conheci em toda a minha vida.
- Isso... Não pode ser verdade. – eu consegui dizer.
- Ela pagou um homem para engravidá-la, depois dos vários abortos. Ela sabia que precisava ter um bebê ou teria problemas com Stepjan. Eu mesma a levei ao médico e ele constatou que Pauline não tinha nada que a impedisse de ser mãe. Claro que fomos a outro país, porque se fosse em Avalon, saberiam que seu pai não era um homem fértil.
- Mas... Os abortos.
- Tudo certo com ela... Era perfeita e saudável para ter filhos. Eu sou prova disto. Além do mais, cada gravidez seria difícil de levar adiante de qualquer forma. Stepjan sempre foi agressivo com ela...
- Batia nela? – perguntei ainda sentindo meu coração querendo deixar meu peito.
- Não... As palavras dele são piores do que uma faca afiada na pele. Talvez se ele batesse, ela não sofreria tanto.
- Me conte, por favor... Eu preciso saber tudo.
Ela não conteve as lágrimas. Mas continuou falando baixo:
- Ninguém pode ouvir, querida. Eu sempre fui amiga de Pauline, desde o primeiro dia que ela chegou aqui. E muito ela me ajudou a superar os problemas com meu marido... Ele sim me batia. Nós fomos confidentes uma da outra... Por muito tempo. E por isso criá-la como uma filha nunca foi um problema para mim... Engravidamos quase juntas. Nossa relação era muito mais do que rainha e dama de companhia. Ela era... Minha única e melhor amiga de toda a vida.
- Por que você está me contando isso só agora?
- Nem acho que deveria estar contando agora, minha querida. O combinado era falar só depois que você se tornasse a rainha. Foi isso que ela me pediu. Depois de tudo que ela passou aqui dentro, deixá-la no trono era o mínimo que ela poderia fazer por você.
- Mas... Ele nunca desconfiou?
- Não... Quando ela ficou grávida de você pagamos um médico para sugerir que ela viajasse e passasse a gravidez fora de Avalon, para que descansasse e tivesse tranquilidade a fim de não haver possibilidade de aborto novamente, visto que era uma gravidez de alto risco. Claro que ele sugeriu também que Stepjan fosse junto dela. Mas ele jamais deixaria Avalon. Mas como a vontade de ser pai era maior que tudo, ele concordou. Só voltamos quando ela estava quase ganhando você.
- Ela pagou para um homem engravidá-la?
- O plano foi esse... Mas eles se apaixonaram.
- Me diga que tudo isso é um sonho, Léia. Que quando eu acordar amanhã tudo vai voltar a ser como era antes.
- Não... Você acordará com a certeza de que não é filha do rei Stepjan, querida.
- Eu não sou herdeira do trono de Avalon.
- Sim, você é. Não há outro herdeiro a não ser você. Certamente o filho que Beatrice espera não é do rei.
- Porra, porra, mil vezes porra. – gritei.
Ela me olhou atônita:
- Alteza, isso são modos?
- Perdão, Léia. – falei sem jeito. - Meu pai sabe sobre mim?
- Sim.
- Onde ele está?
Ela ficou sem dizer nada.
- Você começou isso tudo, termine. Onde eu encontro ele?
- O que você quer com ele, querida?
- O que eu quero com ele? Eu... Não sei. – levantei confusa.
Comecei a caminhar pelo quarto. Eu não sabia o que pensar, como agir... Estava tonta com tudo que acabei de ouvir.
- Quem mais sabe sobre isso?
- Somente eu e seu pai verdadeiro.
- Há possibilidade de mais alguém saber?
- Não.
- O rei Stepjan nunca desconfiou?
- Não.
- Quando você pretendia me contar tudo isso?
- Quando você fosse coroada, conforme o combinado com sua mãe.
- Por que ela me deixou nas mãos deste homem horrível?
- Para você ser a princesa, minha querida, e a futura rainha. Ela sabia que você seria uma boa pessoa e uma ótima governante.
- Eu não sou herdeira da coroa, Léia. Este trono não me pertence.
Eu não estava na linha de sucessão. Eu sequer tinha direito de estar naquele castelo. Emy seria a rainha, Sam o príncipe e futuro rei de Avalon. E claro que eu os ajudaria. Saber que aquele homem horrível e cruel não era o meu verdadeiro pai foi como se tirasse um peso de cima de mim. O fato de pensar ser filha de Stepjan me sufocava.
- Você não pode partir, querida. Este castelo é o seu lugar. E você precisa lutar por isso, até o fim. Foi pela coroa e o trono que sua mãe fez tudo que fez... Por você.
- Obrigada por me dizer a verdade, Léia.
- Eu não devia... Descumpri um acordo...
- E me fez uma pessoa mais leve e confiante novamente. Você imagina o que é ouvir seu próprio pai querer sua morte?
- Imagino.
- Será que ele não desconfia e por isso quis outro filho?
- Não, Satini. Ele não desconfia de nada. Eu garanto. Ele só quer o filho homem.
- Mas ele não tem nem condições de ter um filho, que dirá homem... – eu ri sarcasticamente. – Um ser machista, que se acha superior... E não pode gerar um filho. Ele é um coitado...
- E Beatrice uma mentirosa. – ela disse.
- Exatamente...
- Léia, eu preciso sair daqui por algum tempo... Preciso de ar.
- Satini, não faça nenhuma besteira, querida.
- Eu preciso sair... Ou vou sufocar com a verdade.
Dizendo isso eu saí rapidamente, desci as escadas até o segundo andar quase correndo e desatinada, sem olhar para nada. Acabei batendo em Alexander no corredor. Olhei para ele e parei. Eu odiava aquele homem... Ao mesmo tempo que eu via tanto amor nos olhos dele. Eu estava completamente perdida. Então eu o abracei e pedi:
- Por favor, me tire daqui.
Ele passou o braço sobre os meus ombros, me levando para perto dele e desceu comigo até a garagem, onde me botou no carro como se eu fosse a maior preciosidade da vida dele. Eis ali um Alexander que eu não conhecia. E naquele momento eu não tinha psicológico para sequer pensar sobre o que ele havia feito ou deixado de fazer, como se nada mais fizesse sentido na minha vida a não ser a frase: “Você não é filha do rei Stepjan”. Dezessete anos de uma mentira, de um almoço de domingo com um homem que não era nada meu. Eu poderia ter levado uma vida diferente longe daquele lugar, daquele homem. Talvez eu pudesse ter tido uma infância feliz.
Enquanto Alexander dirigia atentamente, sem me perguntar nada, minha cabeça tinha mil pensamentos ao mesmo tempo, parecendo querer me confundir ainda mais. Eu era uma bastarda, eu não era uma Beaumont, muito menos uma Kane. Eu não era ninguém. Eu sequer tinha um sobrenome. E Estevan... Onde ele estava? Em algum lugar do mundo, casado ou esperando pelo casamento com sua noiva pela qual ele havia me deixado. Sam... Sam era o herdeiro da coroa, o futuro rei de Avalon. E ele não era meu primo. E eu estava livre do inferno... Pelo menos daquele pecado. Como se eu tivesse me importado com aquilo. Não, eu não me importei mesmo. Deveria ter feito sexo com ele. Não haveria arrependimentos, muito menos impedimento. Estevan tinha outra e provavelmente estava fazendo aquilo com ela naquele momento, ou na noite anterior, ou faria na noite seguinte. Será que eles faziam sexo tão bom quanto o que ele fazia comigo? Ele conseguia comê-la cinco vezes seguidas? Porra, o meu mundo se acabando e eu pensando no idiota do Estevan e na sua relação sexual com a noiva.
Quando todos soubessem da verdade, porque um dia ela viria a tona... Eu estaria sozinha. Eu não tinha ninguém na minha vida.
Quando me dei em conta a noite estava chegando e Alexander parando o carro numa praia diferente da que eu havia ido com Estevan. Havia um estacionamento bem próximo do mar e algumas pessoas caminhando na areia. O lugar não era nada deserto, como o que eu havia visto da outra vez.
Resumindo: Estevan me levou para uma praia deserta para me foder a noite inteira e depois me dispensar, dizendo que iria casar com outra. Eu já nem sabia mais se ele merecia me ter como amante. Alexander me trouxe para um lugar movimentado, urbano.
- Quer ficar aqui ou descer? – ele perguntou enquanto eu pensava intensamente, fazendo com que minha cabeça começasse a doer.
- Quero... Descer. – falei abrindo a porta.
Ele pegou minha mão, enlaçando os dedos nos meus e fomos andando por uma estrada estreita calçada até encontrarmos um banco vazio de frente para o mar. Ele sentou-se, me aconchegando ao lado dele, sem soltar a minha mão.
- Quer falar sobre o que houve? – ele perguntou.
- Não. – falei certa de que não queria nem devia dividir aquilo com ele.
- Independente do que aconteceu, eu sempre vou estar aqui, Satini. Por você...
- Obrigada. – falei soltando a minha mão da dele, mas tentando não parecer insensível.
Fiquei um tempo contemplando a beleza do mar com o pôr do sol ao longe, alaranjado, com nuvens baixas e acinzentadas. O som das ondas fortes quebrando próximas da beira mar me faziam bem. O cheiro da maresia, sensação de sal com peixe, fazia eu esquecer momentaneamente tudo que havia acontecido.
Aspirei o ar profundamente, lembrando que quase fiquei sem ele há algumas horas atrás.
- Foi bom você ter me trazido aqui. – eu disse sem olhar para ele.
- Melhor ainda foi ver que você pensou em mim para ajudá-la de alguma forma... Obrigado.
Olhei nos olhos dele com carinho. Ele errou... Ah, como errou. E quem não errou ao longo de todo aquele tempo que eu vivi? Eu mesma cometi vários erros. Ele foi cruel, perverso, agressivo... Mas eu não duvidava dos sentimentos dele por mim.
Eu precisava reorganizar a minha vida. Recomeçar do zero. Levantei e disse, pegando a mão dele:
- Venha comigo!
Ele me seguiu até a beira do mar. Retirei a gargantilha do meu pescoço, com o brinco de Estevan. A primeira coisa que eu precisava fazer era me livrar daquilo. Eu tinha que tirar Estevan da minha cabeça, do meu coração e do meu corpo. Eu talvez jamais apagaria as lembranças. Mas eu também não precisava de nada que me fizesse lembrá-las do tempo que ele esteve comigo. Joguei a gargantilha com toda força na água, o mais longe que eu consegui.