Capítulo 65
2011palavras
2022-12-27 10:40
Sim, meu pai não quis saber sobre mim naquele dia. Mas em nada mudou o domingo “em família”.
Embora eu soubesse que ele havia sido informado de eu ter passado mal, estar febril e delirando, não tocou no assunto, nem perguntando se eu estava melhor. Talvez ele estivesse decepcionado por eu estar sentada à mesa naquele momento e não dentro de um caixão. Sorri para mim mesma... Eu era forte, muito forte. Sobreviver 17 anos a Stepjan Beaumont não era para qualquer um.
Conversei com Beatrice sobre os preparativos para o baile, que seria em menos de três semanas. Ela contratou uma equipe de decoração indicada por alguém que ela conhecia e me garantiu, entusiasmada, que seria tudo perfeito. Mal ela sabia que não havia a mínima possibilidade de ser perfeito, pois eu não queria conhecer meu futuro marido.

Primeiro eu queria evitar o casamento por meu amor a Estevan. Agora eu já nem tinha certeza de mais nada. Realmente eu queria impedir? Eu me preparei a vida toda para aquele momento. E se ele não fosse tão ruim? Ter alguém para dividir minha vida poderia não ser tão horrível. Talvez meu futuro marido pudesse vir a se preocupar comigo, ou até gostar de mim algum dia. Mas ir embora de Avalon era inaceitável. E agora que eu sabia que ele seria o rei, não havia chance de ele aceitar ficar no meu reino.
- Alexander ficará no castelo e será o capitão da guarda. – falou meu pai, me encarando.
Eu não falei nada. O que dizer? Eu já nem me importava de ter Alexander me levando aos lugares. Não sei se havíamos nos entendido, muito menos se eu havia o perdoado... Mas eu tinha tantos problemas na minha cabeça que Alexander sequer importava naquele momento.
Como eu não contestei, ele não disse mais nada. E assim transcorreu minha única obrigação junto do rei: o almoço dominical. E eu só tinha mais 3 deles para vê-lo... Acho que no terceiro eu já nem estaria ali, pois o baile seria no sábado.
Não saí naquela semana. Simplesmente não estava com vontade. Embora tivesse que ver Sam e continuar combinando a invasão ao castelo, simplesmente eu estava protelando. E se o encontrasse, o que eu diria? Que eu sabia sobre o túnel, mas não exatamente onde ficava? Ele jamais aceitaria isso.
Afinal, existia mesmo aquele túnel? Emy Beaumont havia escrito aquilo num diário, mesmo sendo um segredo absoluto. E se fosse uma mentira? Ela não sabia quem poderia encontrar aquele diário. E se não fosse eu e sim meu pai? E se tudo fosse uma invenção?

Eu havia procurado por dias por qualquer coisa que pudesse indicar um túnel escondido dentro do castelo. E não encontrei nada nem parecido.
Beatrice me procurou para resolver algumas coisas do baile, querendo saber o que eu preferia com relação à decoração. Eu não tinha ideia do que eu queria. Fiquei pensativa e ela disse:
- Alteza, não fique nervosa. Tudo vai dar certo.
- Espero. – falei.

- Eu nunca organizei um baile real em toda a minha vida. E sabemos que o mundo está de olho neste evento em Avalon. Além de sermos das poucas monarquias ainda existentes no mundo, será o evento de união entre uma princesa e um rei, um acordo, como sempre foi feito ao longo dos anos e ninguém mais acreditava que existia.
- Mas é real... Então todos terão a prova.
- Toda a imprensa estará aqui. Isso é um marco em Avalon. Nunca aconteceu um evento deste porte aqui, muito menos com presença de repórteres.
- Internacional também?
- Sim, fiz questão de enviar convites para alguns contados que tenho e que são absolutamente confiáveis, Alteza.
- E como está a questão da segurança no dia do baile?
- Seu pai está cuidando pessoalmente disso com Alexander e o atual capitão da guarda. Vossa Alteza bem sabe o quanto seu pai se preocupa com isto.
- Sei...
- Mas é para sua segurança. E de todos, não é mesmo? Ele ter aceitado o baile já foi um grande avanço. Pelo visto ele não gosta mais muito de qualquer evento que envolva pessoas.
- Exatamente... No entanto ele é um rei. Ninguém pode governar sozinho, muito menos sem estar com o povo.
Ela me olhou e arqueou suas sobrancelhas. Mas não perguntou nada.
- Então está tudo certo com a divulgação do baile real onde a princesa de Avalon será apresentada ao reino e conhecerá seu futuro marido...
- Sim, exatamente como Vossa Alteza queria.
- Obrigada, Beatrice. É isso.
Ela saiu e nem deu tempo de eu organizar meus pensamentos, Mia já estava ali.
- Vamos passear por Avalon. – ela disse se debruçando perto de mim, sem sentar.
- Como assim?
- Não é um convite, Alteza. Eu vou levá-la.
- Mia...
- Eu não aguento mais ver sua tristeza. Precisamos fazer com que você se distraia. E eu sei que as ruas de Avalon fazem seu sorriso surgir.
- Não sei se é uma boa ideia.
- Vamos ver depois que já estivermos lá fora. – ela disse sorrindo e me estendendo a mão.
Claro que eu aceitei. Talvez ela tivesse razão. Passei os últimos dias triste e lamentando por Estevan ter me deixado. Eu não sabia se era possível conseguir dar a volta por cima em tão pouco tempo, mas pelo menos eu precisava tentar focar em outra coisa. Nem o baile me chamava a atenção. E eu poderia pelo menos estar curiosa quanto ao meu futuro marido, mas nem isso eu estava. Estevan havia acabado comigo. Além de mentir, ele era infiel à noiva. Que tipo de homem fazia tudo que ele fez comigo e depois simplesmente dizia que se casaria com outra? Ainda jurava que me amava e jamais me esqueceria. Parecia piada.
Fui trocar de roupa e em pouco tempo descemos até a garagem real, onde Sean nos esperava.
- Fico feliz que irá deixar o castelo, Alteza. – ele disse abrindo a porta do carro para eu embarcar.
Senti o perfume dele... Eu não sabia explicar, mas me remetia a algo que eu não sabia exatamente o que era. E eu gostava... Ah, como eu gostava do cheiro dele.
Mia falava, mas eu não conseguia prestar atenção ao que ela dizia. Ainda tentava identificar a fragrância e de onde eu já havia sentido aquilo.
- Para onde? – perguntou Sean.
- Praia? – convidou Mia ansiosa.
- Praia? – pensei. – Não... Tudo menos praia.
Eu não queria sequer passar perto da praia. Sean sorriu e meus olhos encontraram os dele no retrovisor. Eu fiquei confusa ao perceber o olhar atento dele sobre mim. E não sabia explicar o que aquele homem provocava em mim. Eu senti falta dele nos dias que não o vi. Eu gostava de falar com ele. Sua voz me tranquilizava. Ele me dava carinho por nenhum motivo, sem ao menos me conhecer. Será que eu estava apaixonada por Sean? Mas eu sentia Estevan tão vivo dentro de mim... E não tinha dúvidas sobre meus sentimentos por ele, embora quisesse que ele não existisse. Era possível amar dois homens? Será que eu deveria beijá-lo para tirar a prova dos meus reais sentimentos por ele?
Olhei as mãos dele dirigindo. Eram fortes, seguras... Imaginei ele me tocando e corei. Ele devia ser bem experiente. E absolutamente lindo. Ainda assim me passou pela cabeça que ninguém faria sexo melhor que Estevan. Talvez fazer sexo com Sean seria como ver meu pai transando com Beatrice na biblioteca: intragável.
- Você tem namorada? – perguntei a ele.
Mia me encarou confusa e ele ficou corado. Demorou a responder:
- Não.
- Por quê? – insisti na conversa.
- Porque... Eu não quero namorar. – ele falou um pouco tímido. E raramente ele era tímido.
- Alteza, que pergunta indiscreta. – falou Mia.
- Eu e Sean já somos íntimos. – eu pisquei.
Ficou um silêncio absoluto no carro. Será que eu havia pego pesado e havia realmente me intrometido demais na vida dele?
- Eu fui a uma ponte uma vez... Com Estevan. Havia um rio que passava embaixo. Eu vi o lugar à noite... Talvez fosse interessante ver durante o dia. – falei a primeira coisa que pensei, tentando quebrar o clima.
- Seria onde, Alteza?
- Saindo pela Travessia, em direção ao centro de Avalon.
- Acho que sei onde pode ser, Alteza.
Ele continuou o caminho. Mia perguntou:
- Muito nervosa para o baile?
- Sinceramente... Não sei.
- Ainda seguimos com a ideia do sequestro? – perguntou Sean.
- Ainda acho esta a ideia mais louca que já vi na minha vida. – falou Mia.
- Confesso que estou torcendo para tudo dar certo também, senhorita Mia. Temo pela segurança da Coroa Quebrada se algo não correr bem.
- Eu sei exatamente do que vocês estão falando. Sim, é um plano arriscado e ousado. Mas se não tentarmos, jamais saberemos se dará certo. Primeiro se tratava de me tirar do meu compromisso. Eu precisava de Samuel para me raptar e impedir o casamento. Mas depois que o conheci... E parte da Coroa Quebrada, eu mudei meus pensamentos.
- Tomara que realmente a imprensa nacional se volte para Avalon. – disse Mia.
- Já está voltada. – falou Sean. – Tenho alguns contatos fora de Avalon e nos países próximos há sim interesse real no evento.
- Mesmo que não haja tanto interesse no evento e ele ganhe mais as redes sociais e internet do que jornais, o sequestro ganhará visibilidade sim.
Eu gostaria de contar a eles que Emy Beaumont poderia estar viva e que se ela soubesse através dos meios de comunicação tudo que houve, talvez pudesse voltar e exigir sua posição de rainha. Mas aquilo era muito importante para dizer sem pensar melhor se era a hora para contar.
- E sobre o túnel? – perguntou Mia. – Como vai explicar agora a Samuel que não existe um túnel?
- E quem disse que não existe um túnel?
Mia e Sean me encararam.
- Sim, há um túnel. Mas não me perguntem como eu sei, pois não posso dizer. Ele está dentro do castelo de Avalon, em algum lugar. E ele é subterrâneo, indo até algum lugar fora, que não sei exatamente onde é.
- Como Vossa Alteza sabe sobre este suposto túnel? – perguntou Sean.
- Não é um suposto túnel, Sean. Ele existe.
- Princesa... Isso é... Muito louco. – disse Mia. – Você já tentou encontrar?
- Sim... Muitas vezes. Mas não sei exatamente onde procurar. Nem o que...
- Por isso estava tão distante de mim alguns dias, olhando para as paredes atentamente. – ela falou pensativa.
- Sim... Entrei em vários cômodos do castelo tentando uma pista, mas não há.
De repente dois carros alcançaram o nosso, se posicionando um de cada lado. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, Sean gritou:
- Segurem-se.
Ele começou a andar rápido demais e eu tinha a sensação de que ele iria bater o carro. O que estava acontecendo? Senti meu coração querendo sair do peito e senti muito medo... Embora eu confiasse em Sean, fiquei pensando em como ele conseguiria me proteger do que estava preste a acontecer.
Mia se aproximou de mim e pegou minha mão, apertando-a com força.
- Alteza... Não sei se vou conseguir... – ele falou.
Outro carro veio atrás e começaram a estreitar ainda mais nossa passagem. Eram três contra um.
- Pare, Sean. – eu gritei. – Nós vamos bater.
Então ele me obedeceu e freou bruscamente. Ouvi o som dos pneus tocando com força no chão. Os carros nos encurralaram e em segundos desceram homens encapuzados de dentro. Eram muitos... Eu nem consegui contar. Muito menos tive coragem para tentar fugir. Esperei até que me pegassem, mas assim que abriram as portas, tiraram também Sean e Mia para fora. Estavam fortemente armados. Colocaram algo na minha cabeça, que impedia que eu visse qualquer coisa. Fui colocada em outro carro. Acho que era o meu fim...