Capítulo 64
1926palavras
2022-12-27 10:39
Despertei sentindo dor nas costas e com um pouco de dificuldade para respirar, além de tosse.
Olhei e vi Léia e Mia sentadas próximas a mim. Assim que perceberam que eu estava acordada as duas se aproximaram da cama.
- Como está, querida? – perguntou Léia passando a mão na minha testa.

- Bem... Mas com fome.
- Está tudo pronto aqui para você, meu bem.
As duas me ajudaram a sentar, colocando almofadas e travesseiros atrás das minhas costas. Apesar de tudo, eu me sentia um pouco melhor. Mia trouxe uma tigela com uma sopa e começou a dar na minha boca. Era uma sopa leve e rala, mas estava gostosa. Aliás, com a fome que eu sentia era capaz de comer qualquer coisa.
- O que aconteceu? – perguntei. – Acho que tive febre.
- Sim, meu bem. Já passa da meia noite. Alexander percebeu que você estava com muita febre. Ele lhe medicou e depois nos chamou para continuarmos cuidando de você.
Por que ele havia feito aquilo? Será que havia se aproveitado de mim enquanto eu estava delirando? Teria me tocado? Gozado em alguma parte do meu corpo? Me esbofeteado sem eu sentir?

Assim que terminei a sopa, que literalmente não sobrou nada na tigela, Léia foi saindo e disse que buscaria mais alguns analgésicos.
- Eu já estou bem, Léia. – afirmei, tentando me livrar de mais comprimidos.
- Eu não sei quem é mais irresponsável, princesa: você que foi para a praia e pegou chuva ou Sean que deixou que tudo isso acontecesse.
- Ele não tem culpa.

- Ele é pago para cuidar de você.
- Mas ele me obedece. Então, na maioria das vezes, ele não tem opção de escolha. – lembrei-a.
Ela balançou a cabeça e saiu. Mia sentou na cama e alisou meus cabelos:
- Fiquei preocupada com você.
- Foi só uma febre da chuva. Devo ter ficado resfriada.
- Foi mesmo à praia? Com quem estava?
- Mia, é uma longa história. Amanhã eu lhe conto, prometo.
- Amanhã? Não, tem que ser hoje.
- Mia...
Alguém bateu na porta levemente. Aguardamos e Alexander ficou no corredor:
- Posso entrar, Alteza.
- Pode. – falei me sentindo confusa com a presença dele.
Ele veio até mim e verificou a febre:
- O médico veio vê-la quando estava ainda delirando. – ele explicou.
- Eu... Não lembro de nada.
- Imaginei. Mas ele disse que foi um forte resfriado. Logo estará bem.
- Obrigada...
- Mia, poderia me deixar um pouco a sós com a princesa? – ele pediu.
Mia me olhou interrogativamente. Eu assenti que sim com a cabeça, que ela poderia se retirar.
- Deixe a porta aberta. – pedi.
Ela saiu e acatou minha ordem.
- Me dói saber que ainda tem medo de mim.
- Por que não teria?
- Eu estou tentando... Juro que estou.
- Ser uma boa pessoa?
- Eu já sou uma boa pessoa... Exceto com você.
Eu olhei nos olhos azuis profundos dele, observando seus cabelos loiros levemente ondulados caindo sobre sua testa. Quem não o conhecesse como eu, poderia confundi-lo com um anjo. Houve um dia que eu gostei muito daquele homem, quando ele ainda era um garoto. Pensei até em casar com ele quando crescêssemos. O nosso primeiro beijo foi um desastre e lembro que ele tentou fugir de mim. Senti até vergonha de mim mesma. Eu havia decidido que era Alexander que eu queria para tirar minha virgindade de beijo e sequer o consultei se era da vontade dele me beijar.
Abaixei meu rosto. Eu não queria mais lembrar das outras coisas que ele me fez. Queria tentar deixar naquele momento só as boas recordações.
- Um dia você será capaz de me perdoar?
- Eu não sei... – confessei. – Foram coisas muito ruins que você me fez.
Ele passou a mão no meu rosto:
- Eu amo você, Satini... Desde que me conheço por gente.
- Alexander... – tentei impedi-lo de continuar falando.
Ele colocou o dedo nos meus lábios, gentilmente:
- Eu sei que você não sente o mesmo por mim... E não importa. Não vou mais querer que você me veja, me note...
- Me maltratava para querer que eu o notasse?
- Nunca me imaginei conduzindo você a encontros com outros homens. Porque eu sempre amei você. E quando parti de Avalon, eu consegui por algum tempo fingir que você não existia. Nunca pensei que ficaríamos juntos um dia... Eu sempre soube que você pertencia a outro homem... Mesmo que ele fosse um desconhecido. E eu sabia que nada mudaria isso. Mas voltar e ver que você estava crescida... E absolutamente linda, fez meu coração voltar a ter lugar para só para você, dia e noite, ocupando toda a minha mente. Mas ironicamente minha tarefa foi levá-la pelas ruas de Avalon, onde você decidiu realizar todos os seus desejos contidos por 17 anos. Eu não soube lidar com isso. Com a perda da minha garotinha, a namoradinha de infância, com a sua transformação numa mulher cheia de atitudes e vontades... E que não tinha mais olhos para mim, como quando éramos crianças.
- Me desculpe... Eu nunca quis magoá-lo.
- Eu também nunca quis magoá-la. Mas foi só isso que eu fiz. Eu não sou o homem que realmente sou quando estou com você... Eu juro.
- Sinto muito despertar seu pior lado, Alexander.
- Eu também. Nunca lhe mostrei meu lado bom... E sei que agora é tarde.
- Eu conheci seu lado bom... Quando éramos pequenos, quando brincávamos de esconde-esconde e você me ajudava a encontrar lugares onde Mia não me acharia. Quando você me dava os seus biscoitos preferidos porque sabia que eu gostava. Ou mesmo quando puxava os meus cabelos só para eu correr atrás de você. – eu ri.
- Meu ciúme é doentio, eu sei.
- Sim...
- Por isso farei o possível para me afastar de você, meu amor.
Olhei para ele:
- Vai embora?
- Vou pedir para o seu pai. E torcer para que ele aceite.
- Não precisa fazer isso por mim. Em pouco tempo estarei casada, Alexander. E longe de Avalon.
- Eu não quero estar no seu casamento, Alteza. Seria como ser atingido por um tiro no meu coração.
Baixei minha cabeça. Eu sabia exatamente o que era aquele sentimento. Eu não estava preparada para perdoá-lo naquele momento. Mas talvez um dia, em nome de todas as coisas boas que vivemos no passado, eu pudesse conseguir.
- Eu não toquei em você como mulher quando a banhei... – ele falou. – Eu juro.
- Eu... Acredito e você.
- Mas eu fiquei excitado. – ele confessou.
- Me poupe dos detalhes, Alexander.
- Vê-la nos meus braços, tão frágil, tão doente, tão indefesa... Cogitar perdê-la foi a dor mais terrível que já senti na minha vida.
- Eu agradeço o seu amor, Alexander. Mas... Eu não posso retribuir.
- Eu sei... Por isso mesmo partirei. Mas quero que saiba que meu coração sempre foi seu. No entanto preciso refazer minha vida, longe de você. Não quero ser a pessoa que sou quando estou ao seu lado.
- Você sempre será o meu irmão.
- E você para sempre será o amor da minha vida.
Era tão triste ser o amor da vida de dois homens e me sentir tão só como eu me sentia. Meu coração doía pelos dois. E estava completamente despedaçado por um terceiro.
Peguei a mão dele e o fiz sentar na cama, próximo de mim e o abracei com carinho.
- Me perdoe. – ele pediu novamente, implorando no meu ouvido.
- Eu... Não consigo. Ainda assim eu...
- Sente pena de mim. – ele se afastou sorrindo tristemente. – Eu prefiro o seu ódio a sua pena, acredite.
Ele levantou-se e disse:
- Adeus, princesa.
- Adeus, Alexander. – falei sentindo uma ponta de dor no meu coração.
Então ele se foi e eu não tinha certeza se o veria novamente. Muito menos se meu pai aceitaria que ele renunciasse ao cargo, já que Stepjan Beaumont parecia ter planejado Alexander como capitão da guarda a vida toda.
Outra batida na porta. Quem seria agora?
Léia entrou e disse:
- Como se sente?
- Melhor... Bem melhor.
- Seu motorista está preocupado com você. Eu disse que ele é o culpado. Queria vê-la, mas eu não deixei.
- Léia, por favor... Eu quero ver Sean.
- Querida, já passa da meia noite e...
- Léia, mande Sean subir. É uma ordem. – falei seriamente.
Ela me olhou impressionada e ao mesmo tempo relutante. Achei que ela falaria algo, mas não concluiu. Saiu e depois de longos quinze minutos Sean entrou.
Ver Sean de alguma forma alegrava meu coração. Sim, de todas as pessoas que me procuraram depois do ocorrido, só ele me fazia sentir aquela sensação.
- Pode sentar-se. – falei, apontando para a poltrona, que ele puxou para mais perto da cama.
- Como se sente? – ele perguntou.
- Sean, eu não sei se fiquei doente pelo resfriado ou por Estevan.
- Eu... Gostaria de saber o que aconteceu, Alteza. Ou me culparei para o resto da minha vida pelo que lhe causei.
- O que me causou? – devolvi a pergunta. – Você simplesmente foi a pessoa mais compreensível que eu conheci. E não teve medo de nada, só pensou em me fazer feliz. E nunca, em toda minha vida, alguém fez algo tão grandioso por mim como você, ao dar a chave a Estevan e se dispor a ficar perambulando por Avalon até que eu concluísse minha aventura de amor.
- Eu só quero que Vossa Alteza realize o restante dos desejos da lista.
- Não preciso mais da lista, Sean.
- E Estevan?
- Ele vai casar.
- Casar?
- Sim... Ele é noivo e vai casar com outra mulher.
- Mas o sentimento no olhar dele era de amor por você.
- Ainda assim ele não será capaz de deixar sua futura esposa por mim.
- Para tudo sempre existe uma explicação, Alteza. Aposto que ele tem a dele.
- Eu não aposto mais nada nele. Acabou.
- Eu voltei ao loft.
- Como assim?
- Vossa Alteza chegou aos prantos. Voltei e ele estava de saída. Não sei se era definitivo ou não, mas ele estava com as malas prontas... E com uma mulher que creio que fosse a mãe dele.
Senti meu coração bater mais forte e a curiosidade aguçar dentro de mim. Mas de nada adiantava. Eu precisava afastar para sempre Estevan da minha vida e dos meus pensamentos.
- Não me importa mais nada sobre ele, Sean.
- Como preferir, Alteza.
- Obrigada por tudo. Eu confio plenamente em você.
Ele levantou:
- Fico feliz que Vossa Alteza já esteja bem. Eu não dormiria sossegado se não visse com meus próprios olhos.
- E eu agradeço sua preocupação.
Ele estava saindo, mas parou na porta e perguntou:
- Alteza?
- Sim?
- Você ainda ama Estevan Delacroix?
- Sim... – respondi sinceramente. – E nada nem ninguém vai mudar isso nunca... Independente do que ele tenha me feito.
Ele sorriu e saiu. Sei que você gosta de realizar desejos, Sean, mas esse você não vai conseguir, meu amigo.
Léia voltou ao quarto, me deu outro analgésico e quando ela estava saindo eu perguntei:
- Meu pai soube que eu estou doente?
- Sim... Eu mesma contei, Alteza.
- E o que ele disse?
- Nada. – ela falou um pouco sem jeito.