Capítulo 66
2001palavras
2022-12-27 10:41
Eu segui em silêncio, escutando somente o som do carro em movimento. Sabia que havia pessoas do meu lado e eu sentia cheiros diferentes. Tentava ficar calma, embora fosse quase impossível naquele momento. Ninguém dizia nada. O silêncio absoluto pairava no ar. Eu sequer tentei fugir, pois percebi que era impossível. Eles eram muitos. E nós só tínhamos Sean. Eu esperava que ele e Mia estivessem bem. Se acontecesse algo com eles, eu morreria de culpa.
O carro parou e me fizeram caminhar. Eu queria fazer perguntas, mas as palavras morriam na minha garganta. O silêncio ainda pairava e eu só escutava os sons dos passos no chão.
Fui posta em uma cadeira e me amarraram, com as mãos para trás.

- Está... Doendo. – falei com dificuldade e medo.
Não pensei que fossem soltar um pouco a pressão da corda. Mas foi o que fizeram. O capuz foi tirado da minha cabeça e o homem saiu, fechando a porta. Eu estava numa peça sem absolutamente nada: somente eu, a cadeira e a janela que ficava bem para cima, mas por onde entrava a luz do sol.
Eu tanto planejei meu próprio sequestro que ele aconteceu... E não da forma como eu esperava. Eu estava com muito medo. Quem havia feito aquilo? Matariam-me? Pedir resgate por mim era o mesmo que matar-me. E se meu pai planejou aquilo?
Ouvi um som na porta e virei-me imediatamente. Uma mulher entrou, calmamente. Ela não usava capuz. Era magra, alta, tinha os cabelos na altura dos ombros, escuros e olhos castanhos quase pretos. Aparentava talvez uns quarenta anos. Era bonita... Muito bonita. Ela vestia uma calça escura levemente brilhosa, parecendo couro, mas tenho certeza de que não era. A blusa era da mesma cor e usava botas pesadas com cadarços. Bota com cadarços numa calça com aquele tecido era suicídio fashion. Eu sorri nervosamente. Minha vida corria perigo e eu estava preocupada com a forma como ela se vestia, como se fosse a coisa mais importante do mundo.
- Bem-vinda à Coroa Quebrada, querida. – ela disse.
- Coroa Quebrada? – perguntei. – Onde está Sam?

- Sam não poderá ajudá-la.
- Eu quero vê-lo... Eu sei que ele é o líder deste lugar. Eu exijo. – tentei parecer firme.
Ela riu ironicamente:
- Repetindo: Sam não irá ajudá-la desta vez.

- Por que estou aqui? Como estão Mia e Sean?
- Teremos uma conversa bem séria, mocinha. E você não vai se escapar disso, acredite.
- Mas... O que eu fiz? – perguntei confusa, mas sabendo que eu havia mentido um bom tempo para muitas pessoas.
Será que Sam sabia que eu estava sob o domínio da Coroa Quebrada?
- Não sei... Me diga você. – ela falou olhando nos meus olhos.
- Eu não tenho nada a dizer.
- Mas disse a Samuel que havia um túnel dentro do castelo.
- Eu... Não disse. – menti descaradamente.
- Onde é o túnel?
- Eu... Não disse, eu juro.
- Garota, quem você pensa que é?
- Por favor... Eu não fiz nada. Não me mate, nem aos meus amigos.
- Eu não faria isso.
- Quem é você? – eu perguntei.
- Aqui quem manda sou eu... E quero saber quem é você e como sabe do túnel.
- Eu...
Eu não sabia o que dizer. Realmente havia alertado Samuel do túnel. Mas eu não sabia onde ficava. Eu morreria pela minha boca grande e pelas minhas mentiras. E acho que meu pai não tinha nada a ver com aquilo que estava acontecendo.
Eu senti as lágrimas descerem quentes pela minha face. Olhei para ela, que não pareceu sentir dó. Meu choro não a comoveria de forma alguma.
- Eu... Sei que existe. Mas não onde está.
- Como? – ela insistiu. – Como sabe?
- Eu... Eu...
- Fale de uma vez. – ela gritou se aproximando de mim. – Eu não tenho tempo para perder com você e suas mentiras.
- Não é mentira. – falei. – Eu juro que existe o túnel.
- Hora da verdade: como você soube? Se não disser a verdade, sua amiga e seu motorista sofrerão as consequências. E não se preocupe, primeiro você vai ver eu torturá-los para depois passar para você.
- Eu... Encontrei escrito sobre ele...
- Onde? Um livro de história de Avalon? Ou naqueles livros turísticos que falam do castelo? – ela ironizou.
- No diário de Emy Beaumont. – eu falei baixo.
- Onde? – ela perguntou mais alto ainda.
- Eu encontrei o diário de Emy Beaumont. – repeti um pouco mais alto.
- Onde você encontrou?
- No... Meu quarto... Dentro do castelo.
- Dentro do castelo?
- Estava escondido na parte interna da lareira do meu quarto.
- Ninguém sabe do túnel... A não ser reis e rainhas de Avalon.
Olhei-a confusa. Quem era aquela mulher? Como ela sabia daquilo?
Ela chegou perto de mim e me encarou. Depois tocou meu rosto e disse:
- Por Deus... Você é a princesa de Avalon.
- Ninguém me contou sobre o túnel... Eu encontrei escrito no diário. – continuei, já nem tendo certeza do que eu dizia. Eu estava muito nervosa.
- Filha de Stepjan...
- Se você sabe sobre o túnel... E que só reis e rainhas sabem... Você... Escreveu o diário? – falei sentindo as lágrimas vindo ainda mais intensas.
- Satini Kane... É Satini Beaumont. – ela disse incrédula.
- Sim... E você é minha tia... Emy.
Ela veio até mim e me abraçou. Eu não pude corresponder, pois estava presa ainda. Mas senti-la perto de mim era reconfortante. Ela era parte de mim. Uma mulher que eu admirei por toda a minha vida. Minha tia forte e destemida, que meu pai tentou matar para roubar-lhe o trono.
- Minha sobrinha querida...
Ela começou a desatar aos nós da corda e logo eu estava livre. A abracei com força. Acho que ela era única família que eu tinha. Senti os braços fortes dela me envolverem. Ela era muito alta. E eu me senti completamente protegida ao lado dela.
- Como... Você enganou Sam?
- Eu... Nunca saí do castelo antes. Ninguém me conhece em Avalon... Não tinha como ele saber quem eu era.
- E por que a proposta de entrarem no castelo pelo túnel?
- Eu... Pensei que pudéssemos ganhar visibilidade. Não acho que meu pai pagará pelo meu resgate. Então... Eu tinha esperanças de que você visse tudo na mídia. E aparecesse para requerer o trono...
- Satini Beaumont não é favorável ao próprio pai?
- Alguém da família Beaumont poderia ser favorável a Stepjan? – perguntei.
- Jamais... Seu pai é muito pior do que você imagina.
- Eu achei que você estava morta... Até ler o diário. Então eu pressenti que você estava viva... E que sim, tinha montado aqui um grupo contra o rei. Por isso eu quis vir conhecer a Coroa Quebrada. Antes minha intenção era saber o que realmente acontecia aqui para poder resolver este problema de separação quando eu assumisse o trono. No entanto eu percebi que não era mais a primeira herdeira na linha de sucessão.
- Realmente não, Satini. Eu sou a verdadeira rainha de Avalon. E sim, estou viva e esperando a minha hora. E depois de mim, Sam é o próximo na linha de sucessão.
- Sam... É... Seu filho?
- Sim...
Eu corei. Meu deus... Eu quase havia dormido com o meu primo. Foi por tão pouco... Eu me sentiria completamente culpada se aquilo tivesse se concretizado.
- Ele ainda não sabe... – ela pareceu adivinhar meus pensamentos.
- Como assim?
- Ele não sabe que você é a princesa. Por isso eu decidi raptá-la e saber de vez a verdade. Quando Sam me falou que conheceu uma garota que sabia sobre um túnel eu tive quase certeza de que você era de dentro do castelo. Só tive dúvidas se era uma criada ou da realeza.
- Então você não contou de suas desconfianças?
- Não. Esperei saber primeiro quem era você dentro do castelo.
- Nós somos... Primos... – falei para mim mesma.
- E acho que ele está gostando de você.
Olhei para ela, me sentindo envergonhada.
- Não se preocupe, Satini... Vocês não tem culpa disso. Não sabiam.
- Ele... Me odeia.
- Não... Ele não odeia você. Ele detesta a princesa, mas ama Satini Kane.
- Porra... Quer dizer... – olhei para ela envergonhada novamente.
Ela riu:
- Pelo visto não se fazem princesas como antigamente.
Olhei para ela e a forma como se vestia. Provavelmente ela usava armas. Ela tinha um filho rebelde, que liderava um exército quase maior do que o do rei:
- Não mesmo, tia Emy.
- Temos muito a conversar, Satini.
- Sim...
- Mas antes, me prometa que não contará nada a Sam.
- Sobre o quê?
- Você ser a princesa de Avalon.
- Mas... Ele gosta de mim... Ele insiste que está apaixonado e...
- E você gosta de outro. – ela disse parecendo já saber. – Então você conseguirá controlá-lo por duas semanas, não é mesmo?
- Claro... – falei.
- Você é linda, minha sobrinha. E Sam é perfeito. Duvido que você conheça um homem mais inteligente, corajoso e lindo que ele. – ela sorriu.
- Sim... – não havia como negar.
- Mas vocês não podem ficar juntos, porque são parentes.
- Eu... Gosto de Sam... Mas eu amo outro homem.
- Não me diga que também se apaixonou por um rebelde sem nome? – ela perguntou.
- Não... Não é um rebelde... Mas tem um nome. – confessei. – Embora eu não saiba qual é realmente. No entanto eu tenho certeza de que ele é um homem rico... Muito rico.
- Como o conheceu?
- Na primeira noite fora do castelo.
- Por que seu pai permitiu que você saísse de dentro do castelo de Avalon agora?
- Porque... Ele esperava que eu fosse sequestrada, morta, qualquer coisa deste tipo. Achou que eu procuraria a Coroa Quebrada... E que acabariam comigo.
- Por quê?
- Porque eu sou mulher... E ele jamais aceitará uma rainha comandando Avalon.
- Nada muda em Stepjan Beaumont. Achei sinceramente que a paternidade poderia ter mudado meu irmão.
- Não... Ele não tem um coração. Ele só se preocupa com o poder e a coroa.
- Você é a sétima filha dele? A única que sobreviveu? Isso é verdade ou boato?
- Verdade. Minha mãe teve seis abortos antes de me ter.
- Stepjan é um monstro. E precisamos destruí-lo... Antes que ele destrua Avalon.
- Como você fugiu?
- Pelo túnel. Leeter me ajudou, o pai de Samuel e Emilia.
- O rebelde que conquistou seu coração.
- Sim... – ela sorriu. – Ele morreu há alguns anos atrás. Mas me deu o que eu tenho de mais importante na vida: Sam e Emília.
- Samuel Leeter... – eu sorri. – Ele tem o nome do pai.
- Na verdade ele é um Beaumont.
- Ele sabe... Que é o herdeiro?
- Sim.
- Por isso todos o respeitam... E o chamavam de rei... – lembrei.
- Sim. Ele não se importa com isso. Sam só quer que eu assuma o trono, que é meu por direito.
- Todos queremos, tia Emy.
- É tão bom ouvi-la me chamar de tia... Você é a única coisa que resta da minha família, dos Beaumont... Pois eu não considero seu pai nada meu.
- Eu entendo perfeitamente. Quando a abracei foi exatamente isso que eu senti: família, proteção... Eu não tenho isso dele. Nunca tive.
- Satini, eu quero saber tudo sobre o castelo. E quero que me explique exatamente qual seu plano para o dia do baile. Quero saber sobre Sean e Mia e a relação deles com você. E quero saber sobre Léia.
- Você tem tempo para ouvir uma longa história?
- Todo tempo do mundo, querida sobrinha. Bem vinda à Coroa Quebrada e ao fim de Stepjan Beaumont.