Capítulo 54
1590palavras
2022-12-27 10:32
Quando acordei na manhã seguinte meus olhos estavam vermelhos e inchados de tanto chorar. Assim que Léia entrou com meu desjejum, esbravejou:
- Princesa, o que fizeram com você?
Eu sorri tristemente:

- Não fizeram nada comigo, Léia. Eu chorei, só isso.
- Mas... Por quê? O que a incomoda ou a entristece, minha querida?
Incomodo-me com seu filho, querida Léia. Eu o queria morto. E me entristeço por acabar de perder meu único e verdadeiro amor porque ele me viu beijando outro homem. Ah, o homem que eu beijava é um dos principais líderes da Coroa Quebrada, só para constar. No entanto eu disse:
- Nada sério.
- Você não costuma chorar por qualquer motivo, princesa. E eu mais do que ninguém sei disto. Você sempre foi forte, desde pequena. Então estas lágrimas me preocupam sim.
- Estou... Com dúvidas com relação ao casamento. – optei por falar. Afinal, não era mentira e assim poderíamos conversar um pouco sobre isso.

- Mas você nunca cogitou não casar com este homem, Satini...
- Eu sei... Mas agora tudo mudou.
- Por que você saiu fora do castelo? Conheceu alguém?
- Léia, eu não posso unir-me para a vida toda com um homem que nunca vi na minha vida. E partir do meu reino para sempre, para um lugar que sequer conheço. Estes são os planos de meu pai. Não basta o casamento... Ele quer me mandar para o mais longe que conseguir.

- Querida, você terá problemas ao rejeitar esta união e sabe muito bem disto. O rei Stepjan jamais aceitará isso.
- É a minha vida...
- Que ele planejou desde que você nasceu.
- Ele não tem este direito.
- Você sempre soube que faz parte da realeza ter maridos e esposas escolhidos pelo bem entre as nações.
- Eu serei a primeira a contestar.
- Satini, não pode fazer isso.
- Você sabe que eu não tenho medo, não é mesmo, Léia?
Ela me encarou e me serviu café. Quando ela não dizia nada eu sabia que ela não concordava comigo.
- Quero falar sobre a minha mãe. – pedi.
- Eu já lhe contei tudo que sabia sobre ela.
- Ela amava o meu pai?
Léia me olhou interrogativamente:
- Por que isso agora?
- Amava ou não?
- Eu... Não sei.
- Você sabe sim. Sei que vocês foram amigas... E exatamente por este motivo você cuidou de mim.
- Ela... Não o amava.
- E ela amou alguém?
Léia ficou tão nervosa que derrubou a bandeja no chão. Sei que ela alegaria distração, mas se tinha uma coisa que minha querida Léia tinha era eficácia e perfeição.
- Não estou gostando desta conversa. – ela disse.
- Custa dizer sim ou não?
- Eu não sei, querida.
- Você sabe, Léia. Eu sei que sabe. E o fato de não me dizer levanta ainda mais suspeitas em mim.
- Que tipo de suspeitas, Alteza?
- Quando você me chama de Alteza é porque está querendo desconversar e tornar tudo menos pessoal.
Ela riu nervosamente:
- Que monstrinha eu criei.
Eu saí da mesa e a abracei com carinho. Sem largá-la, eu disse:
- Você é tudo que eu tenho, Léia.
- Querida, há coisas que eu não posso contar.
- Por quê? Algum dia acha que eu descobrirei sozinha?
- Nenhum segredo é tão bem guardado a ponto de nunca ser descoberto, principalmente dentro dos muros de Avalon.
Eu olhei nos olhos dela e perguntei:
- Por onde devo começar?
- Pelo que o seu coração indica.
Eu sorri. Ela saiu. Claro que eu ficava triste e brava por ela não me contar tudo, mas também entendia o lado dela. Léia não deixava de ser tão prisioneira quanto eu naquele lugar. E ela era a pessoa de confiança do meu pai, o temido rei Stepjan. Então certamente ela tinha medo.
Mas o segredo sobre minha mãe havia sim. Isso ela não negou. Hora de descobrir o que mais aquelas paredes de pedra guardavam, além de um diário que provava que havia um túnel a vida inteira dentro do castelo e que minha tia Emy Beaumont provavelmente estava viva.
Durante a semana tentei conversar com meu pai por duas vezes e não fui recebida. Sempre acho que se eu fosse da corte eu teria mais acesso a ele do que sendo sua filha. Decidi recorrer à Beatrice.
Encontrei-a na biblioteca na quinta-feira, sozinha, lendo alguns livros sobre a história de Avalon. Sentei-me na frente dela, atraindo sua atenção:
- Alteza, o que deseja?
- Eu não gosto de fazer rodeios, por isso vou direto ao ponto.
Ela arqueou as sobrancelhas, curiosa.
- Eu gostaria que você não participasse do almoço de domingo em família.
- Por que seria?
Porque você não é da minha família... Isso foi o que veio a minha mente. No entanto eu disse delicadamente:
- Eu... Gostaria de ficar algum tempo a sós com meu pai. E ele não me atende a não ser neste dia.
- Isso não é um atendimento, Alteza... É um almoço em família.
- Meu pai não sabe o que é isso, Beatrice. Ele me atende enquanto filha neste momento da semana, se é que me entende.
- Eu poderia fazer-lhe mil questionamentos, mas simplesmente vou arranjar uma desculpa para deixá-la sozinha com seu pai, conforme o seu desejo.
Olhei-a confusa:
- Como assim? Não vai pedir nada em troca?
- Por que eu faria isso? Você é a filha dele, nada mais justo ficarem sozinhos no único dia da semana que ele lhe vê, como Vossa alteza mesmo disse.
Eu não estava acostumada a ninguém fazer algo de bom para mim sem querer nada em troca, exceto Léia ou Mia. Então fiquei ainda mais curiosa com relação àquela mulher e seus reais interesses no meu pai e em mim.
- Obrigada. – eu disse.
- Por nada, Alteza. Sempre que precisar de mim, vou tentar ajudá-la.
- Por quê? – não me contive.
- Porque eu não estou aqui como sua inimiga, muito menos para ocupar o seu lugar.
- Eu não tenho lugar na vida do meu pai.
Dizendo isso eu saí.
A semana foi tranquila. Eu não saí para nada. Não tive vontade. Acho que eu sempre deixava o castelo na esperança de encontrar Estevan. Agora que não tinha mais esta possibilidade, nada mais tinha muito sentido. Eu sabia que poderia estreitar minha relação com Samuel e insistir na visita à Coroa Quebrada. Mas esta semana eu estava dedicada a parte da minha vingança contra Alexander.
Na sexta à tarde desci até a garagem e encontrei Sean limpando o carro.
- Você é o guarda-costas, o motorista ou o lavador de carros? – brinquei.
- Tudo isso e mais um pouco, Alteza.
Eu ri:
- E faz bem todas as suas funções.
- Obrigada, Alteza. Deseja sair?
- Não... Estou sem vontade. – confessei.
- Por causa de Estevan?
- Sim... Mas também não quero e não vou mais chorar por ele.
-Ainda é jovem, Alteza. Chorará por outros homens ainda.
- Minha mãe chorava muito, Sean?
Ele parou o que estava fazendo e me encarou, sem dizer nada. O silêncio dele me constrangeu um pouco. Quando percebi que ele não responderia nada, insisti:
- Eu quero saber sobre ela.
- Por que eu teria que dizer? Não seria o seu pai a pessoa mais ideal para falar-lhe sobre isso?
- Acha mesmo que meu pai tem tempo para falar comigo sobre qualquer coisa?
- Vossa Alteza é a filha dele. Ele sempre deveria ter tempo disponível para a senhorita.
Eu ri alto:
- Acho que você não o conhece. Acho não... Tenho certeza.
Ele não disse nada.
- Se não fosse o fato de eu querer tanto governar Avalon, eu não gostaria de ser filho de Stepjan Beaumont.
- E veio até aqui para falar comigo sobre isso?
Ele voltou a limpar a lataria do carro com o pano que tinha na mão, deixando tudo brilhando.
- Eu não tenho com quem falar... Léia escorrega feito sabão das minhas mãos. Mia sequer me deu atenção esta semana. Ela esta completamente envolvida com Théo.
- Daí restou eu?
- Sim. – confessei.
Ele riu:
- Fico feliz em ser o terceiro da lista, Alteza, visto que nos conhecemos há tão pouco tempo.
- Acho que logo você vai ser o primeiro.
Ele gargalhou.
-Estou falando sério, Sean.
- Alteza, não se preocupe tanto em como você vai se sair como rainha. Você é jovem. Levará um bom tempo antes que receba esta coroa com toda a responsabilidade que vem com ela. Não pule etapas. Viva como princesa e aproveite este primeiro título.
- Se eu me casar com o príncipe que meu pai escolheu, em quatro meses, receberei a coroa de rainha, mas não de Avalon e sim do lugar de onde ele vem. E isso será horrível.
- Por que, Alteza?
- Porque eu quero ser rainha de Avalon.
- Por que quer tanto ser rainha de Avalon?
- Para fazer as mudanças que julgo necessárias, para unir as duas metades da coroa e eliminar a Coroa Quebrada de uma vez por todas. Seremos uma só Avalon, livre de rebeliões, da fome, da miséria e de tudo o mais.
- Acha mesmo que isso é possível existir em algum lugar no mundo, Alteza?
- Como assim?
- Desde que o mundo é mundo sempre houve as rebeliões, a fome e a miséria. Acha mesmo que poderia simplesmente eliminar estes problemas de Avalon?