Capítulo 51
2265palavras
2022-12-27 10:28
Os olhos de Samuel seguiram os meus e ele perguntou:
- O que ele está fazendo aqui?
Eu simplesmente não consegui responder. Não sabia como agir, se ir até ele, se esperar ali. Foi então que ele virou as costas e saiu. Então eu não me contive e saí correndo atrás dele.
- Estevan, espere.
Ele não parou e eu segui até me aproximar, me colocando na frente dele, fazendo-o parar.
- O que você quer? – ele perguntou de uma forma que atingiu meu coração como uma faca.
- O que eu quero? O que você está fazendo aqui?
- Não o mesmo que você, não é mesmo?
Vi que Samuel estava um pouco adiante, mas pouco me importei. Meu coração batia tão descompassadamente e eu sentia dores no meu estômago. Sim, era isso que Estevan Delacroix ou seja lá a porra do nome que ele tivesse causava em mim.
- Como você é capaz de me julgar, Estevan?
- Sou capaz de julgar quando você disse que me amava. E eu confessei meu amor por você. Que tipo de sentimento é este que você não me vê por alguns dias e já me substitui?
- Alguns dias? Eu procurei você no loft e simplesmente Estevan Delacroix desapareceu, sem deixar vestígios. Como assim você some sem me dar satisfações?
- E isso foi o suficiente para você arrumar outro... Acho que já conversamos, não é mesmo?
- Estevan, eu achei que você tinha brincado comigo, me usado e depois sumido... Ido embora para sempre.
- Pareci estar mentindo em algum momento naquela noite, Satini?
Não... Não pareceu. Mas eu não consegui dizer aquilo. Os olhos dele eram simplesmente a minha perdição. Eu conseguia decifrar a dor que ele sentia... E ao mesmo tempo o amor que me era correspondido tão intensamente quanto o que eu sentia por ele. Eu não costumava aceitar as coisas sem brigar... Mas parecia de alguma forma que eu não tinha razão. Sim, eu não esperei por ele. Eu fui fraca...
- Qual sua justificativa para me deixar? – perguntei sentindo meus olhos marejarem, tentando segurar as lágrimas.
Eu não poderia perdê-lo. Ele era como parte de mim, o ar que eu respirava, o sol que me aquecia, o sangue que corria dentro de mim. E eu não tinha nenhuma dúvida quanto a isso quando o via na minha frente. Eu poderia fazer qualquer coisa por Estevan Delacroix.
- Um motivo de vida ou morte justificaria?
- Sem tempo algum para me deixar um recado?
- Sim, sem tempo nem para deixar um recado.
Ele tentou andar e eu me pus na frente dele, tentando impedi-lo. Eu não queria ser assim, mas eu era. Não o deixaria partir de forma alguma.
- Pare com isso, Satini. Não vê que ele quer ir embora? – falou Samuel tentando intervir na minha humilhação.
Estevan o olhou e disse:
- Eu imaginei que havia algo entre vocês naquela primeira noite que nos encontramos na Travessia.
- E então por que não nos deixou em paz? Esperou que ela o visse depois do beijo para sair? – provocou Samuel.
- Ela contou que nós estávamos juntos? – questionou Estevan.
- Estávamos? – eu perguntei num fio de voz.
- Achei que isso era tão claro, Satini. O que mais você queria de mim? – ele perguntou.
- Não importa, Estevan Delacroix. Será que é este mesmo o seu nome? – perguntou Samuel ironicamente. – Por que será que você não existe no sistema? É como se fosse um fantasma. Critica Satini, no entanto mente para ela.
Ele me encarou:
- Tiveram tempo para tudo isso?
- Samuel, por favor, não torne tudo ainda mais difícil. Eu quero ter esta conversa com Estevan sozinha.
Ele tentou passar, mas eu continuei tentando impedir:
- Não vá... Por favor, me deixe explicar.
- Acha mesmo que há explicações, Satini? Eu vi...
Samuel tentou me tirar da frente dele, me puxando pelo braço. Eu resisti e em pouco tempo estávamos os três embolados e tão próximos que eu já nem sabia direito qual era um e qual era outro.
- Crianças, acho que precisam se acalmar. – falou Sean seriamente, afastando-nos uns dos outros, se pondo entre nós.
Os dois fitaram Sean, confusos.
- Quem é ele? – perguntou Samuel.
- Meu segurança.
- E Alexander?
- Alexander? – perguntou Estevan. – Quem é Alexander?
- Você não sabe quem é Alexander? – questionou Samuel ironicamente. – Cara, se você não sabe quem é Alexander, você não sabe nada sobre ela.
Estevan me fitou. Sim, havíamos conversado tão pouco naquela noite. Mas porque realmente não era necessário. Nós só queríamos estar juntos e trocar juras de amor... Que eu consegui quebrar em pouco tempo.
- Estevan, me perdoe. – eu pedi.
- Como assim você está pedindo perdão? Prometeu-me que pensaria sobre nós dois e agora implora perdão por um cara que praticamente a raptou. – continuou Samuel, parecendo querer acabar de vez comigo. – Não está vendo que ele não a quer? Quanto tempo ainda vai se humilhar?
Eu olhei para os dois, sem ter certeza de mais nada. E Samuel tinha razão: eu já havia pedido perdão, tentando me explicar... Não havia mais motivos para me humilhar. Ele não me perdoaria.
Então, sentindo meu coração destroçado e partido em pedaços tão minúsculos que eu jamais conseguiria juntar novamente, dei um passo para o lado e o deixei livre. Quando ele passou, coloquei minha mão levemente para o lado e peguei a dele. Porém ele afastou o toque. Só em pensar que nunca mais nos tocaríamos novamente era como se nada mais fizesse sentido na minha vida. O máximo que eu consegui com aquela última tentativa foi um olhar. E não era de desprezo, pois eu acho que Estevan não era capaz de sentir desprezo por ninguém. Eu vi tristeza nos olhos dele e então eu me senti ainda mais culpada por tudo.
Eu não chorava... Não por meu pai, não por Alexander, não pela dor da morte da minha mãe, muito menos por todo desprezo e insignificância que eu tinha na vida da única pessoa da minha família: Stepjan Beaumont. Mas eu chorava por amor... E o que eu sentia era simplesmente a mais coisa mais dolorosa que eu já senti em toda a minha vida.
Ele se foi e eu fiquei ali, com Samuel e Sean, sem saber o que fazer e sentindo uma vergonha enorme pelas lágrimas que eu derramava.
Então, inesperadamente, Samuel me abraçou. Sim, ele me consolava pela partida de Estevan e minha dor. Senti os braços dele me envolverem e aceitei o peito que me acolhia.
- Satini... Você está bem? – perguntou Sean.
- Sean... Eu nunca mais estarei bem em toda a minha vida.
Samuel me afastou e perguntou:
- Você o ama tanto assim?
Eu assenti com a cabeça. Ele secou minhas lágrimas com seus dedos enquanto Sean me entregou um lenço.
- Obrigada... – falei fungando.
- Será que eu poderia conversar com ela a sós? – pediu Samuel para Sean.
- Sim... – ele disse se retirando.
- Sean, não... Fique. – eu pedi.
Ele ficou me olhando confuso e voltou.
- Samuel, ele não é como Alexander. – eu disse. – Eu... Confio nele.
- Mas...
- Não se preocupe.
- Não me importo de me retirar, A... – Sean me olhou. – Satini.
Sean, se você dissesse Alteza eu seria capaz de matá-lo. Que bom que se deu em conta a tempo.
- Eu... Vou levá-la a um lugar. – disse Samuel. – Aposto que vou deixá-la feliz e acabar momentaneamente com a sua tristeza.
Levantei meus olhos para ele. Onde seria? Como Samuel podia ser tão solícito com a minha dor, mesmo eu sabendo que ele era interessado em mim?
- É aqui perto? – perguntei.
- Não... É longe na verdade.
- Podemos ir no meu carro. – eu sugeri.
Ele pensou um pouco.
- Como chegou até aqui, jovem? – Sean perguntou a Samuel.
Ele deu de ombros e disse:
- Aceito a carona. E é mais seguro para você retornar também.
Sean nos conduziu até o carro. Olhei ao redor e nem sinal de Estevan. Sentei na frente e Samuel atrás. Achei que seria menos informal desta forma. E assim também eu o convencia de que Sean era confiável. Seguimos o caminho em silêncio, só sendo quebrado pelas orientações de Samuel vez ou outra.
Eu não conseguia pensar em nada além do olhar de tristeza de Estevan. E eu não sabia se eu havia agido errado ou não. Realmente ele havia ido embora sem deixar vestígios. Mas voltou rapidamente. Por que eu pensei que ele nunca mais voltaria, se havia sido tão perfeito nosso encontro? Foi mágico, foi um encontro de outras vidas, tamanho sentimento que havia dentro de nós. Só de pensar que nunca mais Estevan me tocaria novamente eu senti meu coração doer. Não tinha certeza se eu seria capaz de fazer amor com outro homem a não ser com ele.
Eu só tinha mais quatro meses. Meu futuro marido seria um rei aos 20 anos e minha vida estava de pernas para o ar desde que saí do castelo. Realizei grande parte dos desejos que eu tinha para fazer em Avalon, mesmo que tenham sido com pessoas diferentes. Todas haviam sido especiais para mim de alguma forma e embora nada tenha sido exatamente como eu planejei, tudo foi melhor do que eu esperei.
Eu me apaixonei perdidamente por Estevan desde a primeira vez que o vi. Embora fizesse pouco tempo que nossos corpos se encontraram, porque nossas almas eu tenho certeza que já haviam se encontrado muitas e muitas vezes antes daquele momento, eu não tinha dúvidas dos sentimentos que eu tinha por ele. E eu sempre pensei que eu poderia sair livremente, conheceria a paixão, dormiria com muitos homens antes de me casar e depois seguiria minha vida conforme o planejado.
Mas o destino quis que aquele homem com cara de garoto cruzasse o meu caminho e me fizesse questionar tudo que eu tinha planejado para a minha vida. O meu futuro marido já tinha minha resistência e negação antes mesmo de eu conhecê-lo. Só de pensar em um homem desconhecido me tocando para o resto da minha vida eu já sentia repulsa. Então eu decidi que eu não mais me casaria com aquele desconhecido. Mas óbvio que eu não poderia dizer isso ao meu pai. Claro que eu tinha curiosidade sobre o meu futuro marido. No entanto agora nada mais importava. Eu tinha certeza que não o magoaria, pois ele também não tinha sentimentos por mim porque também não me conhecia.
Eu não poderia ensiná-lo a reinar, pois eu não sabia como fazer isso. Tampouco ajudá-lo a superar a perda da dor do irmão, pois eu não tinha nada de bom para lhe oferecer, especialmente carinho.
Eu já sabia que meu pai pouco se importava comigo. Na verdade eu sempre soube. Mas agora oficialmente eu o ouvi dizendo que queria que eu morresse para que nunca ocupasse o meu lugar enquanto rainha. E tudo isso por qual motivo? Eu não sabia... E não sei se algum dia saberia ao certo. Que diferença faria para ele se eu fosse a rainha de Avalon? Afinal, eu só receberia a coroa quando ele decidisse que seria a hora ou quando da sua morte. Por isso não havia explicação para tanto ódio. Era só uma coroa... Um pedaço de metal, a herança maldita de governar um reino onde você tinha que cuidar o tempo todo com a sua própria vida e com a das pessoas à sua volta.
Tantas vezes sonhei com um futuro melhor para Avalon. Agora eu já não tinha certeza do que e como fazer. Eu só tinha a certeza de que eu precisava sair do castelo antes do casamento. Eu não poderia deixar aquilo acontecer, pois literalmente eu estaria fora de jogo para sempre. Meu futuro marido me levaria para longe, para um lugar que eu sequer sabia onde ficava e talvez eu nunca mais retornasse para Avalon. E para seguir com meus planos de ser resgatada, eu só tinha Samuel para contar. Ele tinha forças para aquilo. E eu queria que toda Avalon soubesse que a princesa foi sequestrada e o que o pai faria para resgatá-la. Ou melhor, o que ele não faria, deixando-a morrer nas mãos dos rebeldes. Todos saberiam quem era o rei Stepjan Beaumont. E se eu tivesse sorte, encontraria minha tia Emy, talvez com a ajuda de Samuel depois de já estar segura na Coroa Quebrada.
Eu precisava provar a todos quem era o meu pai. Senão bastava simplesmente não voltar ao castelo e nunca mais ser procurada por ele. Ele daria uma desculpa qualquer ao reino e continuaria mentindo e enganando todos. A máscara tinha que cair. E infelizmente, por mais que eu amasse Estevan, ele não tinha como me ajudar, por mais dinheiro que ele tivesse. Eu precisava de um exército preparado para a luta. E isso só quem poderia me oferecer era Samuel Leeter.
- Você tem certeza? – ouvi Sean perguntando a Samuel.
Então me dei em conta que os dois falavam. Olhei ao redor e vi que estávamos na frente de uma ponte sobre um rio estreito. Era como se eu não mais estivesse em Avalon e sim num outro mundo. Passando a ponte eram praticamente só prédios, embora com poucos andares. Vários homens fortemente armados ficavam sobre os dois lados da ponte, guardando o local.
- Bem vinda à Coroa Quebrada, Satini Kane.