Capítulo 44
1675palavras
2022-12-27 10:24
Saí na rua e o calor não me fez bem. Senti uma sensação estranha e um peso na cabeça. Mas o maior problema estava dentro do meu coração. Andei pela calçada até encontrar o carro. Sean estava escorado sobre a porta, olhando no celular.
Parei e perguntei, fazendo com que ele se assustasse:
- Este seu telefone funciona?
- Alteza? Não... Não... Somente para chamadas diretamente com o castelo de Avalon.
Fiquei parada, sem ter certeza se queria voltar.
- Está tudo bem, Alteza?
- Sean, acho que não é bom você me chamar de Alteza no meio da rua. – observei.
- Me desculpe.
- Não quero ser descoberta... Ou quero. Já nem sei mais.
- Achei que demoraria.
- Eu também. – falei sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto.
Porra, eu detestava chorar. Por que eu fazia aquilo por um desconhecido? Sim, Estevan não passava de um desconhecido para mim. Como pude ser tão burra, tão idiota? Eu me apaixonei loucamente por um homem do qual eu não sabia nada.
Sean me olhou confuso e em seguida tirou do bolso um lenço, me entregando. Sequei as lágrimas e inexplicavelmente o abracei. Como eu precisava de alguém que simplesmente me desse um abraço e me dissesse que tudo ficaria bem e eu sobreviveria a falta que Estevan faria na minha vida.
- Eu não sei o que houve, Alteza, mas sei que tudo se resolverá.
Sim, era tudo que eu queria ouvir. Obrigada por estar aqui e me emprestar seu peito forte e aconchegante. Você seria um bom pai...
- Ele simplesmente foi embora... Embora, entende? Sem me deixar sequer um bilhete.
- Eu aposto que ele vai encontrá-la e terá uma explicação.
- Não... Não terá. Eu fui burra, entende? Eu confiei nele... E ele simplesmente desapareceu. Nunca mais vamos nos encontrar novamente.
Ele me apertou contra seu peito e deixei que as lágrimas molhassem sua camisa bem passada.
Sean me afastou um pouco e limpou minhas lágrimas com seus dedos:
- Não deve chorar... Tudo irá se resolver.
- Não mesmo... Não vai se resolver. Em menos de quatro meses eu estarei casada com um homem que eu não conheço. E eu achava que isso seria tranquilo e nem passava pela minha cabeça desistir. Agora que conheci Estevan... Eu sei que não posso fazer isso... Não quero me unir a alguém que não desperta nenhum tipo de sentimento em mim.
Ele me ofereceu seu braço e disse:
- Limpe estas lágrimas e vamos dar uma volta pelas ruas de Avalon e tentar esquecer isso.
Eu poderia dizer que não, que era bem melhor que ele me levasse de volta para o castelo para eu chorar em paz por uns três dias, deitada na cama tendo pena de mim mesma. Mas acabei aceitando o braço dele, secando minhas lágrimas e andando pela calçada sob o sol escaldante de Avalon.
Andamos em silêncio por um bom tempo. Eu ainda segurava o braço dele. Já era quase onze horas quando avistamos uma bonita praça, com playground, bancos amadeirados bem conservados e flores da estação plantadas em canteiros coloridos com algumas poucas borboletas completando a paisagem reconfortante.
Sentei-me em um dos bancos e recostei minha cabeça para trás, fechando meus olhos e sentindo os raios de sol maltratando minha pele bem cuidada e sempre protegida da luz solar.
Fiquei ali, pensando no que eu faria. Como assim o que eu faria? Nada. Minha vida não dependia de Estevan. E Avalon dependia de mim. Eu poderia me lamentar para sempre e ficar me culpando por ter sido idiota ou levantar minha cabeça e seguir a vida, continuando meus planos de ser a melhor rainha que Avalon já teve.
- Alteza?
Levantei a cabeça e abri meus olhos, vendo Sean parado com dois sorvetes formando uma bola em cima de uma casquinha. Eu peguei da mão dele e sorri:
- Obrigada.
- Acho que pode curar um pouco da sua dor.
- Acho que pode fazer mais que isso.
Você pode ser responsável por realizar parte de um desejo meu, Sean, mesmo sem saber.
- Sente-se, por favor. – falei.
Ele obedeceu sem dizer nada. Lambi meu sorvete de creme como se fosse uma das melhores coisas que já comi na vida. Óbvio que eu já havia comido sorvete, de vários sabores e marcas diferentes e tinha sim meus preferidos. Mas nunca comi com a casquinha crocante. Mordi embaixo, sentindo a crocância adocicada.
- Tem gosto de hóstia. – eu ri.
Ele sorriu, mostrando os dentes, o que raramente ele fazia:
- Nunca vi esta comparação em toda a minha vida.
- Hóstia com açúcar.
- Então confesse seus pecados em pensamento, Alteza. – ele riu alto.
Com o calor e uma casquinha mordida na base, em segundos o sorvete derreteu, caindo na minha roupa.
- Me desculpe por isso, Alteza.
Eu ri:
- Sem saber você realizou um dos meus desejos.
Ele arqueou as sobrancelhas:
- Qual seria, Alteza?
- Tomar sorvete com casquinha e deixar derreter e cair na minha roupa. Estava inclusive na minha lista do que fazer antes de casar.
- Um desejo tão simples de realizar. Fico feliz em ter lhe ajudado a realizar um desejo.
- Você tem filhos? – perguntei.
Ele demorou um pouco para responder. Enquanto ele pensava, eu disse:
- Sim ou não, Sean? Isso não é uma coisa que se pense para responder.
Ele ainda ficou calado um tempo e depois disse:
- Sim.
- É um menino ou uma menina? Onde mora? E sua esposa?
Ele riu:
- Alteza, você é muito curiosa.
- Sou mesmo... Desculpe-me. Eu acho que você é um bom pai.
- Engana-se... Fui um péssimo pai. – ele riu amargamente e foi como se uma nuvem negra se apossasse dos olhos dele, que pareceram ficar frios e tristes.
- Hum, aposto que você tem um filho lindo... Poderia me apresentar e acabar com a tristeza do meu primeiro pé na bunda.
Ele me encarou sorrindo.
- Sim... Uma princesa que pede para comprar preservativo e pílula do dia seguinte e fala palavrões. Acho que fiquei tanto tempo presa que tudo que eu quero é fazer tudo que uma pessoa normal da minha idade faria.
- Inclusive sofrer por amor.
- Inclusive sofrer por amor. – confirmei.
- Vai sobreviver a isso. – ele disse.
- Eu espero. Mas eu amo Estevan... E eu não tenho dúvidas disso.
- E qual sua relação com Alexander? – ele perguntou.
Eu não havia falado com ninguém sobre o que tinha acontecido entre Alexander e eu. E não sei se teria coragem de contar a ele. Eu ainda não confiava em ninguém e embora eu simpatizasse com Sean, eu não poderia lhe dizer quem era Alexander.
- Não há relação. Houve um dia, quando éramos crianças... Durou até o início da minha adolescência, antes de ele partir para a faculdade nos Estados Unidos, paga por meu pai.
- O pai dele era um fiel servidor do seu pai.
- Você o conheceu? – perguntei curiosa.
- Sim.
- Há quanto tempo você trabalha no castelo de Avalon?
- Mais de 20 anos.
- Uma vida... Conheceu minha mãe?
Ele demorou um pouco para responder:
- Sim.
Eu suspirei:
- Às vezes eu penso que se ela ainda estivesse viva tudo seria diferente.
- Creio que sim.
- Por que ninguém fala sobre ela?
- Ninguém fala sobre ela? – ele devolveu a pergunta.
- Infelizmente não. Sei muito pouco sobre minha mãe. Léia me conta algumas coisas. Tem poucas fotos dela pelo castelo. E para meu pai é como se ela nunca tivesse existido.
- Mas ela existiu...
- Você a via?
- Sim...
- Como ela era?
- Linda... E se parecia muito com você.
- É tão bom ouvir sobre minha mãe... Sempre tive tanta curiosidade.
- Voltando a Alexander... Ele parece se interessar por você... Como um homem se interessa por uma mulher.
- Eu odeio Alexander... Com todas as minhas forças.
- O que ele fez para despertar este ódio?
Suspirei e disse:
- Sabe quando um homem se aproveita de uma mulher pelo simples fato de ela ser mais fraca do que ele?
- O que isso significa?
- Simplesmente que dificilmente conhecerei alguém tão nojento e inescrupuloso quanto ele.
- O que quer que tenha acontecido... Contou ao seu pai?
- Tentei... Ele pouco se importa. Alexander acabou ganhando uma promoção e vai comandar a guarda, o mais alto cargo do castelo. Ele é indigno para o cargo e quando eu for coroada rainha, porque eu sei que um dia isso vai acontecer, eu vou acabar com Alexander.
- Estou tentando imaginar o que ele possa ter feito com a futura rainha de Avalon... E tenho vontade de acabar com ele com as minhas próprias mãos.
- Sean, está tudo bem. Eu tento me defender como posso... Mas sou mulher e embora seja forte, meu corpo é mais fraco que o dele. Ainda assim eu tenho o sonho de encontrar alguém que eu possa pagar para dar uma boa surra nele.
- Desejo também? – ele riu.
- Sim... E acho que é o maior de todos no momento. Está no topo da lista.
- Eu realizo desejos, como Vossa Alteza pôde perceber.
- Não quero que se envolva nisso. Você fica com a realização do desejo do sorvete de casquinha.
Ele sorriu.
- Obrigada por me ouvir, Sean. A princesa de Avalon é uma chata, eu sei.
- De forma alguma. Sempre que puder ajudar, farei isso.
- Espero poder confiar em você.
- Espero poder lhe fazer confiar em mim.
- Eu acho que agora podemos ir. Estou com calor... E suja de sorvete.
- Claro.
Ele me ofereceu o braço, que eu aceitei e seguimos até o carro. Ele era alto, e eu não era muito baixa, embora não tão alta quanto ele. Os óculos escuros deixavam-o ainda mais charmoso. Ele desconversou, mas se tivesse um filho homem tenho certeza de que devia ser muito bonito.