Capítulo 41
2015palavras
2022-12-24 14:58
Querer saber por qual motivo meu pai estava indo viajar num início de terça-feira chuvosa era uma coisa. Ele me contar era outra totalmente diferente. Ainda assim eu tentaria.
Iniciei pelo escritório de despacho de documentos e não encontrei ninguém lá, nem mesmo Edward. Então comecei a ir para todos os lugares possíveis, até mesmo na Corte, onde só encontrei políticos nada simpáticos e trabalhando afincadamente. Eles sequer sabiam quem diabos eu era na vida.
Por fim, quando não me restava mais quase nenhum lugar, recorri ao terceiro andar, no corredor do quarto dele.
- Eu gostaria de ver Vossa Majestade, o rei Stepjan. – solicitei ao guarda de plantão do corredor de acesso.
- Aguarde um minuto, senhorita. – ele disse saindo e voltando minutos depois com Edward.
- Pois não, senhorita? – falou Edward sem curvar-se por ter um guarda nos observando. Ninguém poderia ter a certeza de que eu era a princesa Beaumont.
- É muito importante o que tenho para falar com Vossa Majestade. – falei na tentativa de ser atendida, não tendo certeza se conseguiria.
Ver meu pai era tão difícil para mim quanto para qualquer outra pessoa de Avalon. Ele nunca me facilitava o acesso.
Mas desta vez Edward não pediu permissão ao rei, simplesmente deu um passo para trás, autorizando minha entrada.
Segui até a porta e bati.
- Pode entrar, ele a espera. – disse Edward.
Fiquei impressionada e um pouco amedrontada com aquilo. Eu havia estado bem poucas vezes nos aposentos do meu pai. Quando abri a porta, ele estava olhando pela janela, com as mãos nos bolsos. Parecia longe dali.
- Meu pai... – falei curvando-me.
Ele virou para mim e percebi que havia tirado a barba. Rejuvenesceu uns dez anos me parecia. Como ele era lindo... Será que minha mãe foi apaixonada por ele? Houve sentimentos entre os dois alguma vez ou tudo não passou de um trato, um acordo, como sempre fora na realeza?
- Satini, eu ia mesmo solicitar sua presença. No fim, você acabou vindo até mim.
Ele não se moveu de onde estava.
- Eu... Soube que irá viajar. Fiquei preocupada, pois sei que raramente faz isso, a não ser que seja muito importante.
- Sim... Você já conhece um pouco sobre seu velho pai. – ele sorriu de leve. – É importante... Não só para mim, como também para você.
- O que houve?
- O irmão mais velho do seu futuro marido acaba de morrer. Fiquei sabendo durante a madrugada. Estou indo ao funeral... Embora eu não goste deste tipo de coisa, muito menos de deixar Avalon, é necessário. Não basta mandar nossos sentimentos através de uma ligação ou um simples cartão.
- Isso... É triste... – falei sem saber ao certo o que eu sentia dentro de mim.
- Vou prestar minhas condolências e ajudar seu futuro marido no que precisar, afinal agora ele será o rei e não mais o príncipe que nunca assumiria a coroa. Jamais passou pela minha cabeça, quando acordei o casamento com o pai dele, que no futuro ele seria o rei. No fim, as coisas saíram muito melhor para você e para mim do que planejamos, não é mesmo?
- Sim? – falei mais como uma pergunta do que como uma afirmação.
- Voltarei o mais breve possível.
- E... O pai dele? Ainda é o rei? – perguntei curiosa.
- Sim, mas já estava em seus planos passar a coroa ao herdeiro, pois ele está cansado... E doente.
- Então... Em breve meu futuro marido será o rei, estou certa?
- Sim, muito mais em breve do que você imagina.
- E... Isso muda alguma coisa no acordo?
- Não, de forma alguma. Simplesmente não há a mínima possibilidade de vocês viverem em Avalon.
- Mas... Eu sou herdeira do trono de Avalon...
- Eu já havia dito que você partiria depois do casamento. Falei porque já sabia que o herdeiro estava doente e que seu futuro marido acabaria com a coroa na cabeça. Imaginei que ele não ficaria em Avalon, sabendo da doença do irmão. Eles são uma família um tanto quanto... Apegada, eu poderia dizer.
Apegada? A família de meu futuro marido tinha sentimentos uns pelos outros? Isso me deu um pingo de esperança. Talvez eles não fossem pessoas ruins ou que pudessem me tratar mal. Achei que sentimentos entre a realeza simplesmente não existiam: o bem da nação acima de tudo.
- Eu... Não deveria ir junto? – arrisquei.
- Não. Mas assim que eu voltar conversaremos sobre o futuro casamento e as possíveis mudanças.
- As possíveis mudanças seriam?
- Antecipação, talvez.
Senti meu coração bater mais forte. Não... Eu não queria antecipar ainda mais o casamento. Eu acabei de conhecer o amor. E já nem tinha certeza se me entregaria a um homem que nunca vi na minha vida sendo que eu poderia fazer qualquer coisa por Estevan Delacroix.
- E... O senhor não me respondeu sobre eu ser a herdeira de Avalon e ter que ser a rainha fora daqui. Quem assumiria o meu lugar, na sua falta? Como legalmente isso funciona?
Ele olhou no relógio e disse:
- Eu preciso ir.
A mala estava pronta em cima da cama dele. Stepjan a tomou na mão e saiu, me deixando sozinha no seu quarto, com a minha pergunta no ar, sem resposta.
Eu não lembro de meu pai ter me dado um beijo em toda a minha vida. Não que fizesse falta, pois eu já havia acostumado com o jeito frio dele.
Eu saí dos aposentos reais e fui até a sala do segundo andar. Era um local bem iluminado, com várias janelas e tinha enormes poltronas onde eu poderia deitar, até mesmo ler.
Coloquei meus pés para cima de um enorme sofá e olhei para todos os cantos daquele cômodo. Eu sabia que em algum lugar do castelo havia uma passagem secreta, uma porta. E eu não tinha a mínima ideia de onde poderia ser. Como procurar? Seria tão difícil...
Pensei na morte de meu cunhado. Embora eu não o conhecesse, ainda assim sabia que pessoas sofriam o que havia acontecido, inclusive o homem que talvez fosse o meu marido no futuro. Eu nunca pensei naquilo como um talvez. Sempre foi tão claro o casamento que nunca contestei e aceitava como minha obrigação em nome do reino. Mas agora eu já não tinha tanta certeza. Estevan havia virado o meu mundo de cabeça para baixo. Como fui ingênua pensando que eu poderia me apaixonar e depois simplesmente fugir disso e seguir com meu destino. Nunca me passou pela cabeça que o amor podia mudar tudo e todas as coisas porque jamais eu havia sentido aquilo em toda a minha vida... Por ninguém. Estevan era meu primeiro e único amor. Pois eu nunca fui capaz de sentir isso por meu pai, por minha mãe que eu não conheci... Por Léia, que eu julgava amar e por Mia quem eu daria qualquer coisa pelo bem estar. Descobri que eu nunca havia amado ninguém... Meu coração era dele... Só dele. E isso foi desde o primeiro dia que o vi, caminhando no meio dos outros dois que eu nem sabia como eram. Quando nossos olhos se encontraram, foi como se eu tivesse esperado a minha vida inteira por aquele momento.
Mia abriu a porta, me tirando dos meus pensamentos. Ela sentou-se e eu coloquei minha cabeça na perna dela. Eu sabia que tínhamos que conversar e achei que ela me encheria de perguntas, mas não. Ela só acariciava meus cabelos, sem dizer nada. Deixei o carinho dela me acalmar e fechei meus olhos. Mia era tudo que eu tinha e eu sabia que se um dia tudo desse errado para mim, ainda assim ela estaria lá, suportando a dor junto de mim, secando minhas lágrimas mesmo quando elas não caíssem.
E se eu morresse hoje, ela seria a única a derramar lágrimas verdadeiras sobre o meu túmulo.
- Eu estive com ele. – falei deixando meus olhos encontrarem os dela, acima dos meus.
- Eu sei...
- Como sabe?
- Você não teria ido embora com outra pessoa a não ser ele.
Eu sorri. Ela me conhecia mais que eu mesma.
- Obrigada por ter tentado me defender de meu irmão.
- Eu faria qualquer coisa por você, Mia. Mas eu e Alexander simplesmente não existe mais.
- Eu sei que aconteceu algo... E você não quer e nem vai me contar.
- Eu não quero magoar você... Nem sua mãe.
- Então tenho certeza de que foi algo ruim que ele fez com você.
Eu fechei meus olhos e suspirei. Contar a Mia em nada resolveria. Ela já sabia que era ruim e pronto. Eu não neguei as palavras dela, então ela poderia julgar que estavam certas.
- Eu sempre vou fazer tudo que puder para proteger você e Léia de qualquer coisa.
- Há sofrimentos que você pode compartilhar conosco. Nem sempre esconder a verdade pode ser bom.
- Passou... E eu tive tantas coisas boas depois que até esqueci as ruins.
- Eu amo você e sei que não faria nada para prejudicar a mim e a minha mãe... Mas também sei o quão vingativa você pode ser.
- Tem medo do que eu possa fazer com seu irmão? – olhei nos olhos dela.
- Um pouco...
- Nada que ele não suporte, acredite.
Ela suspirou:
- Confio em você. Mas sabe que o amor e o ódio andam juntos...
- Discordo totalmente. Amor é amor... Ódio é ódio.
Ela me encarou.
- Mia, quem ama não é capaz de fazer o outro sofrer.
Ela alisou meus cabelos e disse:
- Princesa, eu estou completamente apaixonada por Théo. E eu o conheci há dias. Sinto-me completamente confusa e assustada com os meus sentimentos.
Eu levantei e cruzei minhas pernas em forma de borboleta e olhei atentamente para ela:
- Mia, eu sei exatamente o que você sente.
- Lembra que eu lhe disse que não era possível você gostar de Estevan?
- Sim...
- E como eu pude gostar de Théo sem saber quase nada sobre ele? Eu me entreguei no nosso segundo encontro... Sem pensar, entende?
- E se arrependeu?
- Não.
- Isso é o que importa. Acredito que o tempo que ficamos trancadas mexeu de alguma forma conosco. Ainda assim eu acho que foi a melhor decisão que já tomei na minha vida.
Ela me encarou e arregalou os olhos:
- Vossa Alteza, princesa Satini Beaumont... Você dormiu com Estevan, o homem que a confundiu com uma mendiga?
Eu ri e cobri meu rosto com as mãos:
- Sim...
- Me conte tudo...
- Não há o que contar... Além de dizer que foi absolutamente perfeito. Muito melhor do que eu imaginei que seria. E que eu estou completamente apaixonada por ele.
- Contou a verdade?
- Não... Não posso fazer isso. Mas ao mesmo tempo já não tenho certeza de mais nada, entende?
- Fala... Do casamento?
- Sim. Não imagino minha vida sem Estevan, Mia.
- Eu sabia que se você se apaixonasse, não teria coragem de casar com um desconhecido.
- Eu achei que era loucura. Nos vimos por três vezes e na quarta eu já sabia que o amava loucamente. Mas então ele disse que também me ama. E eu tive a certeza de que enlouquecemos juntos. – eu ri.
- Satini, eu acho que vou largar tudo... E ficar com Théo. – ela me disse seriamente.
- Mia... Isso é sério? Você pensou sobre? Ele sabe?
- Poderia ser diferente... Mas não eu tendo um irmão como Alexander. Eu nunca vou poder ter um namoro normal, como qualquer outra pessoa. Tem a questão do seu pai também...
- Eu sei... E entendo tudo perfeitamente.
- Seu pai jamais vai aceitar que eu deixe o castelo antes do seu casamento. E eu não quero deixar de vê-lo. E Alexander fará de tudo para me impedir. Sei que você poderia me ajudar, mas não quero prejudicá-la na sua jornada curta fora do castelo. Então eu vou fugir.