Capítulo 40
2552palavras
2022-12-24 14:57
- Alteza, onde esteve? Quem a raptou? Você está bem?
- Eu estou bem...
Mas precisava pensar numa boa desculpa. Não poderia explicar para eles que passei a noite com um desconhecido aos olhos de todos.
Tentei andar, mas Alexander não me soltava. Eu disse em tom alto e grosseiro:
- Me solte, por favor...
Ele imediatamente soltou minha mão.
- Tudo bem, Alteza? Fizeram algo de ruim com a senhorita? – perguntou o capitão da guarda.
- Não... Estou bem... Eu só...
- Encontrei a princesa ontem à noite, assim que saí daqui. Ela estava na Travessia. Pediu que eu a levasse ao cinema, que ela nunca esteve antes. Então eu a atendi. Ela assistiu dois filmes e depois quis ir até a praia e ver o pôr do sol no mar. – disse Sean.
Olhei-o atônita. Será que ele havia planejado dizer tudo aquilo enquanto estávamos a caminho?
- Então depois que vi o pôr do sol, obriguei Sean a parar numa praça e me comprar um cachorro quente. – eu sorri gentilmente para ele. – E estava maravilhoso. Fiz coisas que uma garota normal da minha idade faz... E tenho autorização do meu pai para isso.
- Sim, tem Alteza. – disse o capitão. – Desculpe o incômodo.
- Por que não ligou e avisou todos, Sean? – perguntou Alexander desconfiado. – Você tem um celular para isso: se comunicar com a guarda.
- Eu não deixei. – falei firmemente, olhando não para Alexander e sim para o seu capitão. – Não quero que Sean sofra nenhum tipo de represália. Obriguei-o a não avisar nada a ninguém, ameaçando o emprego dele. – olhei para Sean e disse: - Me desculpe, Sean. Mas eu realmente queria ficar sozinha. E meu pai, o rei Stepjan não autorizou que meus guarda-costas entrassem nos meus espaços a não ser que fossem convidados por mim. Por este motivo Sean não esteve comigo durante o filme, muito menos na praia. Ficou me observando de longe, pois exigiu isso em função da minha segurança.
- Tudo bem, Alteza. Não precisa se justificar. Você que dá as ordens e nós obedecemos. – falou o capitão curvando-se. – Ainda assim nos preocupamos, mas é com a sua segurança.
- Eu entendo... Mas se Sean tivesse avisado vocês, certamente eu não estaria sozinha... Teriam mandado outra pessoa, já que estavam preocupados. E se fosse para ter mais de um segurança, meu pai teria destinado outros para me acompanharem, não acha, capitão?
- Sim, Alteza.
- Ainda assim, Sean não agiu certo. Falhou na comunicação com a guarda real. – disse Alexander furioso.
- Quem é mesmo o capitão da guarda? – eu perguntei ironicamente.
- Sou eu, Alteza. – disse o atual capitão.
- Ok, entendi. Capitão, estamos acertados, não é mesmo? Foi tudo um mal entendido, eu acho. Da parte de vocês, claro, visto que tenho autorização do rei para fazer o que fiz.
- Sim, nos desculpe, Alteza. Isso não se repetirá. – ele falou olhando para Alexander de soslaio.
- Sem problemas. – eu disse saindo. Parei e frisei: - Isso pode acontecer novamente. Gostei da experiência que vivi... E ainda tenho mais de quatro meses para fazer isso, autorizados pelo rei de Avalon, Stepjan Beaumont. E nestes quatro meses, Alexander continua sendo somente o guarda-costas da noite... Nada mais.
Voltei a andar. Mas faltava uma coisa:
- Alexander, você só será o capitão da guarda real quando eu não mais puder sair sozinha. Talvez eu o coloque para guarda-costas do meu futuro filho... Estou pensando ainda. Mas para isso você não pode demonstrar ser tão inseguro e dubitável. Quando eu me tornar rainha já penso em tirá-lo do cargo, devolvendo-o ao nosso nobre e excelso capitão atual.
O capitão sorriu e ficou lisonjeado com a minha fala. Os olhares se voltaram para um Alexander de face avermelhada de raiva e humilhação.
Segui meu caminho e adentrei no castelo de Avalon. Suspirei. Tive sorte... Muita sorte. Ou um anjo chamado Sean na minha vida. Agora só faltava saber o que ele quereria em troca. Ninguém me fazia nada sem querer algum benefício. Se não fosse meu corpo ou meu coração, eu poderia lhe pagar qualquer coisa.
Subi os lances de escada até o terceiro andar. Eu estava muito cansada e ainda tinha um pouco de fome. No entanto o refrigerante deixou meu estômago pesado e fiquei um pouco enjoada com a comida forte a qual eu não estava acostumada.
Tranquei a porta do meu quarto à chave, para evitar visitas indesejadas. Olhei para a lareira. Eu precisava ler o diário de minha tia... Eu queria ver Mia e saber tudo que houve depois da minha fuga. Eu tinha perguntas para Léia, que ela precisava me responder. Queria também ver Beatrice... Mas meus olhos simplesmente começaram a arder e se fechar, completamente cansados da noite em que eu dormi por menos de uma hora.
Uma noite absolutamente perfeita, melhor do que eu imaginei que seria... Fizemos amor por quantas vezes nossos corpos aguentaram. Não usamos preservativo nenhuma vez... Já que tinha sido duas sem, não me preocupei com as outras. Se tivesse que ser teria sido na primeira... Porra, se eu ficasse grávida seria o fim... De tudo. Acho que meu pai me mataria... Se bem que ele já queria que eu morresse mesmo não estando grávida. Eu ri sozinha: um filho de Estevan seria tão fofo... Como ele. Quem diria que por trás daquele rostinho de bebê da mamãe, que ficava vermelho com uma bofetada, daquele homem gentil e doce havia um furacão em ebulição, capaz de tirar de dentro de mim os suspiros e prazeres mais profundos. Um homem insaciável, que ficava de pau duro só de me olhar. E depois que me fodia perfeitamente conseguia parar e me olhar com os olhos brilhantes de amor como se fosse um príncipe encantado. Ele satisfez meus desejos mais secretos, o fogo que nunca se apagava dentro de mim, as curiosidades que eu sempre tive. E agora eu precisava saber como retribuir da mesma forma cada carícia, cada orgasmo, da mesma forma como ele me fez sentir. Eu amo você, Estevan Delacroix.
Quando despertei já estava noite. Senti o ar fresco vindo da janela, depois de um dia quente e ensolarado. Fui para a banheira e fiquei por tanto tempo até que minha pele começasse a enrugar. Assim que peguei a toalha passei pelo espelho rapidamente e voltei. Eu tinha tantas marcas na minha pele quanto o tempo que ficamos juntos e a intensidade com que nos amamos. Pescoço roxo, ombros mordidos, pernas com marcas de dedos... Eu sorri: obrigada pelas lembranças que ficam comigo, meu amor. Embora nada possa apagá-las na minha mente... Nunca.
A princesa desbocada, que tinha pensamentos pervertidos, desejos loucos e fogo que achava que nunca se apagaria, havia encontrado paz e sossego num homem que nada tinha a ver com seus sonhos. Eu sempre imaginei perder a minha virgindade com um homem bem mais velho, como o professor do filme “Nunca fui Beijada”, o meu ícone de amor e romance. Ou mesmo com um cara mais novo, no estilo Samuel Leeter: ardiloso, quente, que me fazia molhar a calcinha com a forma como me olhava. Eu sempre pensei que estes mais experientes me mostrariam o que fazer.
Estevan não me mostrou o que fazer... Ele fez. Eu sabia que experiência não lhe faltava, mas sequer tentei aprofundar meus pensamentos nisso, pois só imaginá-lo com outra mulher eu já ficava acabada.
E agora? Eu conseguiria me casar com um homem que eu nunca vi e passar o resto da minha vida amando outro? Sim, porque Estevan era eterno dentro de mim. Ele estava junto do sangue que corria nas minhas veias, impregnado na minha pele, vivo em cada parte de mim.
Nunca, em toda a minha vida, pensei que eu pudesse questionar meu casamento arranjado, que eu sempre soube que seria assim, desde que nasci. Daí chega aquele homem que tirou o brinco da sua orelha e deu nas minhas mãos, com o olhar mais puro e doce que já vi em toda a minha vida e me faz dubitar de tudo que aconteceu no meu passado, no meu presente e no meu futuro. E o pior de tudo: eu o vi três, sim três vezes em 17 anos da minha existência. E na quarta ele já era tão essencial como o ar que eu respirava.
Eu não poderia ficar uma noite inteira entregue a ele e a segunda parada na frente do espelho pensando nele.
Coloquei meu roupão e interfonei para a cozinha pedindo um lanche leve. Esperei que viessem me trazer e peguei o diário de Emy Beaumont, sentando confortavelmente na minha cama.
Já passava das 23 horas e certamente Mia nem Léia me procurariam aquela hora. Sim, eu fugi delas. Precisava de tempo para colocar minha mente em ordem antes de dar explicações para Léia e decidir se contava ou não tudo que havia acontecido para Mia.
Abri o diário, que já estava quase no fim. Voltei a ler de onde eu havia parado. Não havia mais informações sobre o túnel secreto a não ser o que ela tinha descrito antes. Algumas escritas sem importância para mim, mas relevantes para ela. Até que cheguei ao “grand finale”:
“Estou pressentindo que Stepjan irá atentar contra minha vida. Por este motivo tomei uma decisão importante: vou fugir. Preciso ir embora e me fortalecer, encontrando aliados que possam me ajudar a tomar o trono que é meu por direito. Meu amor está do meu lado e sempre estará. Simularei minha própria morte para o meu irmão e para toda Avalon. E quando ele achar que conseguiu tudo que queria, irá baixar a guarda. E eu voltarei para buscar o que deixei: minha coroa de rainha e o governo de meu reino.
Deixei cair o sanduíche da minha boca na página do diário. Sim, eu não conseguia fechar a minha boca. Minha tia Emy estava viva? Ali dizia sem sombra de dúvidas que ela não estava morta. Ela simulou tudo. E havia jurado voltar e pegar a coroa que era dela... No caso, agora minha. Seria Emy Beaumont minha inimiga, minha rival de coroa? Ambas queríamos a coroa intensamente.
Mas se minha tia estivesse viva, por direito ela seria a rainha de Avalon, bem como seus filhos, se é que ela os tinha.
Foi como se o mundo tivesse desabado sobre a minha cabeça. Não era pelo poder de ser rainha... Era por ter vontade de ajudar as pessoas. Eu vivi uma vida de privações para chegar o dia em que a coroa estaria na minha cabeça e eu teria poder para tomar as decisões que julgasse melhor para o meu reino. Por este motivo eu tentei conhecer a Coroa Quebrada... Para juntar finalmente as duas partes e fazer uma só.
Porra, minha tia deve estar na Coroa Quebrada. Certamente ela criou aquele lugar para fazer oposição a Stepjan Beaumont. Agora mais do que nunca eu precisava entrar naquele lugar. E eu só conseguiria com Sam. E faria o que tivesse que fazer para saber se a verdadeira herdeira de Avalon se escondia num lugar onde havia feito uma revolução.
Fim. O diário de Emy Beaumont havia caído nas minhas mãos e estava seguro. Fui até a lareira e vi as madeiras milimetricamente arrumadas esperando pelo fogo no inverno. Peguei o acendedor e comecei a queimar cada página escrita com letra firme. Ninguém além de mim saberia a história de minha tia. Se aquilo caísse nas mãos de meu pai, ele certamente mandaria a guarda real invadir a Coroa Quebrada. Seria até capaz de fazer alianças com outros países a fim de conseguir mais pessoas para a luta, que seria completamente desigual. Eu sabia que crianças moravam lá, pessoas completamente inocentes nasceram naquele lugar que também pertenceria a Avalon. Eu não podia deixar nada de mal acontecer com aquela gente por culpa minha.
- Desculpe, minha tia. Mas não posso deixar isso vivo... No entanto eu vou encontrá-la, onde quer que esteja. E depois vemos qual de nós duas assume o trono de Avalon... Afinal, somos uma família, somos mulheres Beaumont. E nossa luta, embora em épocas diferentes, é a mesma: poder nos impor nesta sociedade e neste sobrenome que nos rebaixa e nos faz tornar incapazes pelo simples fato de não termos um pau no meio das nossas pernas.
Fui até a janela e olhei para a noite escura. O vento fresco e a falta de estrelas anunciava talvez uma chuva no dia seguinte. Eu precisava dormir. Não poderia passar outra noite em claro.
Deitei na minha cama e fiquei pensando em Estevan, em minha tia viva e acabei adormecendo.
Acordei com o dia chuvoso na terça-feira. Minha vontade era tomar café da manhã e chamar Sean e partirmos diretamente para o loft de Estevan. Eu já estava louca de saudade dele. Mas eu não queria parecer uma predadora. Ele não iria desaparecer. O nosso sentimento era recíproco. Quando eu batesse na porta, ele estaria lá... E então eu o reencontraria. Estava tudo bem.
Léia bateu na porta e eu a destranquei. Ela chegou com meu café da manhã e atrás dela estava Mia. Ok, hora das explicações.
- Por qual motivo agora você tranca a porta? – perguntou Léia.
- Bom dia para você também, Léia. – ironizei.
- Bom dia, Alteza. – ela disse curvando-se.
Eu amava Léia. Ela era o que mais próximo eu conhecia de ter uma mãe. E sempre que ela se curvava ou me chamava de Alteza eu não me sentia bem e não sabia exatamente o motivo.
- Eu tranco a porta por segurança... Só isso. – falei sentando-me à mesa enquanto ela organizava o meu desjejum.
Mia só me observava calada, de pé atrás da mãe.
- Onde você se meteu, Satini?
- Léia, eu... Fui ao cinema, depois fui ver o sol se pôr e nascer na praia. Só isso. Mia sabe que meus desejos são tão simples de realizar...
Olhei para Mia, que concordou com a cabeça, com os olhos cheios de dúvidas.
- Não sei por qual motivo, mas eu não acredito em você. – Léia disse firmemente.
- Léia, eu juro...
- Eu conheço você desde que nasceu, Satini Beaumont. Pode até ser verdade, mas há coisas que você está tentando ocultar também.
- Falando em coisas ocultas... Temos uma conversa, não é mesmo Léia?
- Sobre coisas ocultas? – ela perguntou curiosa.
- Sim, sobre coisas que foram ocultas de mim... Por você.
- Não sei do que você está falando, Alteza.
- Sabe sim... E eu sei de algumas delas, acredite.
Léia me olhou e percebi que ela ficou bastante alarmada quando me ouviu.
- Não sei do que você está falando, princesa.
- Léia, você sabe.
- Satini, podemos falar sobre isso numa outra hora? Eu preciso resolver algumas coisas para o seu pai.
- O que, por exemplo?
- Ele está indo viajar.
- Viajar, meu pai?
- Sim, às pressas.
- Deve ser algo sério... Ou ele não iria. Meu pai não costuma sair do castelo para quase nada. Geralmente prefere receber as pessoas. Alguma coisa está acontecendo...
Eu levantei.
- Aonde você vai? – perguntou Léia nervosa.
- Saber o que está de fato acontecendo...