Capítulo 39
2142palavras
2022-12-24 14:56
Quando acordei e vi a claridade dentro do quarto fiquei apavorada. A noite havia me feito ser corajosa, não ter medo de nada, esquecer completamente quem eu era e de onde eu vinha. Mas assim que vi a luz do dia, percebi que não era tudo tão fácil e que não existia a ideia de que eu encontraria o meu príncipe e viveria feliz para sempre.
Retirei o braço de Estevan com cuidado do meu corpo e saí procurando minhas roupas jogadas no quarto, vestindo-as rapidamente. Meu coração batia descompassadamente e eu não tinha a mínima ideia do que eu faria. Quando acabei de calçar meu sapato, o ouvi:
- Está mesmo pensando em fugir de mim, Satini Kane?

Sim, eu estava. Mas agora que você acorda falando comigo, eu já não tenho mais coragem de nada... Sequer de sair de perto de você. Acho que fui enfeitiçada. Não é possível você exercer tanto poder sobre mim...
Antes que eu respondesse, ele já estava quase junto do meu corpo novamente.
- Estevan, você precisa colocar uma roupa. – eu pedi tentando não olhá-lo nu para que não caísse na tentação de fazer sexo com ele pela milionésima vez.
Enquanto eu me afastava dele, indo para a sala, ele colocava rapidamente uma roupa. Tentei abrir a porta, mas ele se pôs na frente:
- Eu não posso deixá-la ir...
- Estevan, eu não posso ficar, mesmo que seja a minha vontade.

Ele me abraçou com força e eu correspondi. Eu poderia ficar naqueles braços para sempre. E eu realmente queria. Mas não podia ser assim. Eu tinha muitas coisas para resolver antes.
- Vou levá-la. – ele disse pegando a chave da moto.
- Não... Você não pode me levar.
- Não vou deixá-la ir sozinha.

- Por favor, você precisa.
- Não...
Eu encarei-o e disse:
- Confie em mim, eu vou ficar bem.
Senti os olhos dele cravados nos meus e não resisti. Fui até ele e beijei-o com intensidade. Aquela despedida parecia ser um dos piores momentos da minha vida.
Deixar para trás o meu primeiro e único amor doía mais em mim do que qualquer dor que eu já tinha sentido antes. Eu sabia que não era uma despedida para sempre, mas só o fato de saber que ele não estaria comigo na próxima noite e nem quando eu acordasse no próximo dia, já fazia meu coração quebrar em mil pedaços.
Coloquei minhas mãos nas faces dele enquanto acabava o beijo numa leve mordida nos lábios mais perfeitos que minha boca já beijou.
- Satini... Eu estou loucamente apaixonado por você. – ele disse com a voz serena e tranquila que só ele tinha, mesmo ao falar uma coisa tão importante.
Meu coração acelerou tanto que eu pensei que pudesse morrer naquele momento. Minhas pernas ficaram bambas enquanto as palavras não saíam da minha boca. Evitando que eu caísse ali mesmo, agarrei-me com força nele, enlaçando seu pescoço com meus braços e disse no seu ouvido, baixo, mas com todo o sentimento que havia dentro de mim:
- Eu amo você.
Não, nós não nos soltamos. Ficamos somente abraçados, com força um no outro, sem dizer nada... Somente sentindo nossos corações baterem descompassadamente. E então uma lágrima caiu dos meus olhos, única, solitária, quente... Viajando até o meu queixo e acabando na blusa dele. E ela veio para me lembrar que as lágrimas não precisavam ser somente de tristeza e dor. Eu chorava por estar feliz, como eu nunca estive em toda a minha vida, nos meus 17 anos de existência. Eu amava alguém... E pela primeira vez alguém me amava de verdade, mesmo me conhecendo tão pouco.
- Mas ainda assim, eu preciso ir. – falei rindo e limpando o vestígio da lágrima solitária antes que ele visse.
Nos soltamos e ele disse:
- Eu não vou dizer que nos encontraremos por aí, porque isso não basta mais.
- Eu sei.
- Eu não tenho um telefone. – ele riu timidamente.
- Quem não tem um telefone nos dias de hoje, Estevan?
- Acho que só eu.
Eu ri alto:
- Eu também não tenho.
Ele estreitou os olhos, achando que eu estava brincando com ele.
- Estou falando sério. Eu não tenho.
- Então temos outra coisa em comum... Sendo que não ter um telefone é absolutamente incomum...
- Eu sei onde você mora. Nunca mais vai poder fugir de mim. – falei.
- Então estarei esperando por você aqui... Sempre.
- Eu não posso garantir quando voltarei... Mas prometo que assim que der, estarei aqui.
- Sinto que algo a impede...
- Sim. Eu preciso resolver algumas situações. Mas prometo ser rápida.
Abri a porta e ele tentou me acompanhar.
- Estevan, eu sei o caminho... Não precisa vir comigo.
- Me promete que voltará?
- Eu prometo. Pela noite que vivemos... E por tudo que existe de sentimentos entre nós.
Eu saí e dei dois passos. Virei-me e perguntei:
- Estevan de quê?
- Delacroix.
Virei e saí sem olhar para trás. Se eu visse os olhos dele novamente não conseguiria partir. E eu sabia que uma longa segunda-feira me esperava quando eu saísse dali.
Quando senti o sol ofuscando meus olhos parece que voltei à realidade. A rua estava movimentada e eu tentei decorar bem onde eu estava, pois precisaria voltar o mais breve possível.
Eu conseguia ver o topo do castelo de Avalon, então achei que seguir até lá era a melhor opção. Só não sabia que as ruas não eram retas e que a maioria delas não levava àquele caminho. Então em pouco tempo eu estava completamente perdida, dando voltas e voltas e retornando sempre ao mesmo lugar.
Eu estava perdida. E bem perto da minha casa. E se chegasse ao castelo, me deixariam entrar? Meu pai me mataria se soubesse que eu cheguei a pé no castelo. E como provar do lado de fora que eu era eu? Ninguém sabia nada sobre mim. Certamente não me deixaria entrar na minha própria casa. Ainda assim eu não estava arrependida. Havia sido a melhor coisa que já aconteceu na minha vida inteira.
Não sei quanto tempo eu caminhei. O certo é que eu já estava cansada e meu estômago roncava de fome. A sensação que eu tinha era de que nunca chegaria em casa, pois o castelo nunca parecia ficar mais perto.
Cansada e com o sol quente sobre minha cabeça, o que eu não estava acostumada, sentei no banco de uma praça quase vazia. E fiquei ali, tentando colocar minha mente no lugar. Eu sequer tinha como voltar ao loft de Estevan porque eu não sabia mais como fazer para chegar lá.
E quando eu já estava quase sem esperanças, vi um carro aproximar-se vagarosamente. Se fosse Alexander eu não iria com ele. Preferia ficar perdida na praça de Avalon para sempre do que ficar ouvindo ele me incomodar e xingar até chegar ao castelo, sem contar outras ameaças que provavelmente ele faria.
O carro parou ao meu lado e o vidro escuro abaixou-se devagar. Era Sean, meu novo guarda-costas.
- Alteza? – ele disse tirando os óculos escuros e me encarando confuso.
Eu levantei e fui até o carro, abrindo a porta e sentando no banco ao lado dele. Sorri e o abracei com força:
- Sean, obrigada por aparecer.
Ele ficou confuso e arrumou seu terno depois que eu o soltei. Mas deu um sorriso:
- Menina, digo, Alteza... Estão todos procurando por você.
- E graças a Deus, você que me encontrou, Sean. E eu estou muito feliz por isso.
- Precisamos voltar... – ele disse dando a partida.
Recostei minha cabeça no banco e disse:
- Estou morrendo de fome...
Abri o vidro por inteiro e fechei meus olhos, deixando o vento bater no meu rosto. Eu precisava pensar, mas não conseguia. Ouvia meu estômago roncar.
Percebi que o carro parou e olhei ao redor, preocupada:
- Não estamos... No castelo.
Seria Sean também um maluco dos infernos, como Alexander?
- Se me permite, Alteza, vou buscar algo para que você possa se alimentar.
- Claro que eu permito, Sean.
Eu realmente sentia muita fome. Fiquei dentro do carro e o vi dirigir-se a um pequeno quiosque na rua, entrando numa fila. Seria fila para pegar comida? Por que as pessoas se organizavam umas atrás das outras para comer? Não seria correto sentarem-se em cadeiras e comerem à mesa? Percebi que cada uma pagava e saía com um pão envolto num guardanapo branco. Fila para comer pão quase ao meio-dia? Meu Deus, que mundo cruel era aquele que meu pai criou?
Percebi Sean tranquilo esperando sua vez. Ele era alto, magro, embora corpulento. Eu ri... Nisso ele se parecia com meu Estevan (magro, mas com belos músculos debaixo da roupa). Sean era moreno, tinha olhos claros e sua barba não era bem feita. Parece que havia ficado dias sem usar o barbeador. Os cabelos tinham alguns poucos fios brancos, mas aquilo não o deixava menos bonito. Não, eu não estava paquerando meu novo guarda-costas... Mas ele parecia boa gente. Eu sabia que ele era pago para me cuidar e rodar atrás de mim até me encontrar. Mas ele não precisava pagar um almoço para mim. Bastava me levar até o castelo e não se preocupar com esta parte. Geralmente para todos eu só era uma garota mimada... E sem valor algum.
Quando chegou a vez dele vi-o pagando e trazendo dois pães envoltos no guardanapo até o carro, junto com duas latas de refrigerantes numa sacola. Ele sentou e me entregou os pães, dizendo:
- Vou achar uma sombra para estacionar.
Enquanto ele dava a volta na quadra tentando encontrar uma árvore, eu dei uma bocada no pão. Dentro tinha molho e alguma coisa que eu não soube identificar... Nunca comi aquilo na minha vida. Mas era absolutamente saboroso.
- Está mesmo com fome! – ele observou enquanto dirigia.
- Muita...
Ele parou o carro debaixo de uma árvore e abriu os vidros, desligando o ar condicionado. Entreguei o pão dele então pude comer o meu com mais tranquilidade. Aquilo era perfeito.
- Eu nunca comi um pão assim na minha vida. – confessei com a boca cheia. – É muito bom.
- Se chama cachorro quente.
Eu ri:
- Sim, claro. Já ouvi falar... Nos filmes. Não pensei que fosse assim.
- Quem diria que eu seria o primeiro a apresentar o cachorro quente à princesa de Avalon. – ele sorriu.
Abri meu refrigerante. Eu não costumava beber aquilo. Não fazia bem para a saúde, nem para o meu corpo. Mas eu estava dentro de um carro, comendo cachorro quente pela primeira vez com o meu guarda-costas. Não seria um refrigerante que me mataria, afinal, tinha fila de espera pelo meu corpo sem vida. Então em poucos minutos eu comi todo meu pão e bebi toda minha bebida. E depois eu arrotei pela primeira vez.
Sean me olhou perplexo e eu disse:
- Se contar para alguém, eu mando prendê-lo na masmorra.
Ele ficou sério então eu caí na gargalhada:
- Sean, além de eu não ter poder para isso, não existe masmorra no castelo de Avalon.
Ele acabou rindo.
- Relaxa, Sean. Eu sou uma pessoa normal... E do bem, eu garanto.
- Eu não tenho dúvidas, menina... Digo, Alteza.
- Pode me chamar de menina. – eu pisquei. – Eu gosto. É... Carinhoso.
Ele sorriu:
- Sempre sonhei conhecê-la, Alteza.
- Sério? Nunca pensei que alguém se importasse com a minha existência.
- Eu sempre me importei. Sinto-me lisonjeado com a tarefa de protegê-la. E pode acreditar: será com a minha vida se preciso for.
Olhei-o um pouco confusa. Era estranha a conversa dele. E se fosse algum tipo de cantada eu não estava preparada para fugir de outro homem. Já tinha Alexander que me dava bastante trabalho. E Sean era velho...
- Você é pago para dar sua vida por mim, Sean. – me limitei a dizer, temerosa que ele achasse que eu estava lhe dando algum tipo de chance de se aproximar de mim.
- Eu sei, Alteza. Desculpe-me se não me fiz entender direito.
- Podemos voltar? – eu pedi.
- Claro.
Ele ligou o carro e partimos. Quando adentramos no portão do Castelo de Avalon, eu perguntei:
- Como está a minha situação?
- Alexander disse a todos que você havia sido raptada. Toda a guarda está atrás de vossa Alteza. Tanto à paisana quanto nos carros reais.
Eu suspirei. Sabia que Alexander havia causado um tumulto.
Assim que o carro se aproximou do estacionamento, o capitão da guarda veio nos receber. E junto dele estava Alexander, com a mesma roupa da noite anterior. Antes que eu pusesse a mão na porta, Alexander já havia aberto-a e me pegou pela mão, tentando não ser agressivo, pois estávamos na frente de todos.