Capítulo 35
2038palavras
2022-12-24 14:54
Desci às 19 h 30 min para a garagem onde ficava o carro que me conduziria por Avalon. Eu estava vestida com uma calça simples preta e uma blusa branca. Fiz um rabo de cavalo para parecer mais casual.
Mia e Alexander já estavam me aguardando. Ele abriu a porta para mim e eu disse firmemente:
- Gostaria que se curvasse, Alexander, como mandam os protocolos.
Ele se curvou:
- Ao seu dispor, Alteza. Farei o mesmo em todos os lugares aos quais a conduzirei.
- O que está acontecendo? – perguntou Mia confusa.
Olhei-o com desdém e entrei no carro. Ele deu a partida e nos dirigimos para fora do castelo.
- Para onde devo levá-la, Alteza?
- Travessia, Night Rock.
- O rebelde... – ele ironizou.
- Chega, Alexander. – gritou Mia.
- E você pretende ver o amigo do rebelde? Só passando por cima de mim...
- Você está proibido pelo rei de adentrar no mesmo espaço que eu. E Mia é minha dama de companhia e sua função é exatamente estar comigo onde eu estiver. Então, acho que você tem um problema, Alexander.
- Ela é minha irmã...
- No momento, ela está a trabalho, ao meu dispor.
Ele se resignou, furioso. Eu não sabia quanto tempo Mia aguentaria levar o relacionamento com Théo tendo Alexander à espreita.
Ficamos em silêncio até chegarmos à frente do Night Rock. Assim que ele estacionou eu desci antes que ele pudesse me abrir a porta. Então segurei a mão de Mia e nos dirigimos ao bar antes que ele falasse qualquer coisa. Antes de entrar, não pude evitar olhar para todos os lados, afinal, eu já havia encontrado Estevan ali. Então sempre haveria uma possibilidade, por menor que fosse, que pudesse acontecer novamente. Mas não... Havia pessoas ao redor, mas ninguém que se parecesse com ele.
- Você sempre vai ter esperança de reencontrá-lo? – ela perguntou.
- Eu acho que sim... Só espero que não seja por toda a minha vida. – me vi dizendo.
Ela segurou forte a minha mão. Thor estava na porta, mas não havia fila nem parecia que estavam esperando alguém naquela noite.
- Boa noite. Marcamos com Samuel e Théo. – eu disse.
Ele nos deu passagem:
- Bem vindas, senhoritas. Espero que não estejam armadas.
Não sei porque, mas me pareceu irônico o comentário dele. Mas dei de ombros e entrei. O Night Rock não estava esperando ninguém mesmo. As luzes estavam ligadas no interior do lugar, as cadeiras em cima das mesas e o bar fechado. Duas pequenas mesas perto do palco concentravam algumas poucas pessoas. Era realmente um encontro de negócios entre a burguesia e a Coroa Quebrada pelo eu pude observar. A burguesia, neste caso, era somente eu e Mia.
Assim que Samuel me viu, veio até mim. Eu não sabia como agir, mas fui surpreendida com um selinho casual. Olhei-o confusa, mas ele não deu a mínima importância ao acontecido, agindo naturalmente. Será que ele fazia aquilo com todas?
Seguimos ele até o local onde estavam os demais e não pude evitar minha cara de desagrado quando vi Isabella. O que ela estava fazendo ali? Quando Alexander iria tirá-la do caminho, já que garantiu que não tinham nada e nem teriam?
- Ora, ora... Vejam quem chegou. A burguesia... – ela disse ironicamente.
Théo foi até Mia e lhe um beijo longo, demonstrando toda a saudade que sentiu dela o tempo que não se viram. Eu achei fofo. Pelo visto minha amiga havia arranjado um namorado. Fiquei um pouco temerosa que depois de que ele tirasse a virgindade dela não quisesse mais vê-la. Mas no fim, fui surpreendida por ele... Assim como por Samuel.
Sentei em uma cadeira que ele me ofereceu e depois ele se colocou ao meu lado. Olhei para Isabella, que observava tudo atentamente. Eu não me dei ao trabalho de responder nada sobre a forma irônica com que ela nos tratou. E eu bem sabia que era para mim. E sabia exatamente o motivo.
Comigo e Mia estávamos entre 10 pessoas. Eu conhecia Samuel, Théo e Isabella. Então fui apresentada aos outros cinco homens presentes, todos jovens. Alguns tinham a tatuagem da Coroa Quebrada no braço, um até no pescoço. Não tinham medo, pelo contrário, tinham orgulho da marca que carregavam.
- Vocês gostariam de saber o porquê de eu ter trazido Satini Kane até nossa reunião. – disse Samuel colocando o braço sobre os meus ombros tranquilamente. – Pois bem, ela conhece a princesa de Avalon... E tem acesso ao castelo.
Todos me olharam, inclusive Mia. Percebi que ela ficou completamente desconfortável com o que foi dito e balançou a cabeça, implorando para que eu não continuasse. Mas já estava feito e eu não voltaria atrás. Estava certa da minha decisão. Exceto o fato de eu estar mentindo quem eu era, o restante correria conforme o plano.
- De onde mesmo você conhece a princesa? – perguntou Isabella.
- Tenho acesso ao castelo. Meu pai faz parte da corte. É amigo pessoal do rei. – menti.
- Satini... – Mia me falou, tentando de alguma forma me impedir.
- E o que acontece com a princesa? Quem é ela? Qual seu nome? – perguntou um dos homens presentes.
- Eu já vi ela no castelo. Ela mora lá. E não costuma sair.
- Então a história de que vivia num colégio interno fora do reino era mentira? – perguntou Samuel.
- Sim. Nunca esteve fora do reino. – me ouvi dizendo.
- O que queremos saber da princesa? – perguntou Isabella. – Isso nos interessa no que?
- Ela é futura rainha de Avalon. – eu disse.
- Não mesmo. Ela não é a futura soberana de Avalon. – ela disse com certeza.
- Como assim? Há algo que eu não estou sabendo?
- Pelo visto sim. – ela disse olhando para Samuel.
- Acho que seria correto eu saber exatamente o que se passa e o que vocês sabem. Estou me pondo em risco ao tentar ajuda-los, dando-lhes informações que julgo serem preciosas. Afinal, duvido que vocês algum dia tenham tido contato com alguém que tivesse notícias diretamente de dentro do castelo.
- Sim... E é exatamente isso que me intriga. – disse Samuel me olhando, bem próximo de mim. – Nunca alguém que esteve dentro do castelo ou conviveu com o rei Stepjan o trairia. Jamais...
- Não estou traindo o rei... Nem o conheço.
- Então por que está fazendo isso? – perguntou Isabella.
- Quero ajudá-los.
- Com qual propósito? Se o seu pai é da corte, vocês não tem nenhum tipo de rixa com o rei ou mesmo discordam da forma dele de governar. – falou outro homem.
Eram muitos questionamentos. E eu precisava me sair bem e convencê-los de que eu poderia lhes ser útil.
- Ou vai nos dizer que está enjoada da sua vidinha patética? – arriscou Isabella ironicamente, me deixando sem saída.
- E se você for uma espiã do rei Stepjan? – perguntou Théo.
Sério, Théo, até você duvida de mim?
- Olhem bem para mim... Tenho cara de espiã? – tentei.
- Como se isso fosse resolver tudo. – disse Isabella rindo sarcasticamente. – Eu não acredito nela.
- Situação complicada. – disse outro rapaz.
- Um risco que talvez precisemos correr. – disse Samuel. – Quando conseguimos contato com alguém que tivesse informações de dento do castelo?
- Nunca. – falou outro.
- O que você quer em troca? O líder da Coroa Quebrada? – perguntou Isabella.
- E quem seria? – me fiz de desentendida.
Ela riu alto:
- Quer enganar a quem, garota?
- Qual seu papel neste grupo? – perguntei a ela.
- Isabella pertence ao grupo líder desde sempre. – disse Théo. – É a hacker mais inteligente que você já viu em toda a sua vida.
- Isso limita o meu papel aqui então. – ironizei olhando-a. – Só tenho contatos dentro do castelo, nada mais... Mas o suficiente para saber que o sistema de segurança é perfeito e nenhum hacker entraria nele.
Todos me olharam surpresos com minha informação.
- Mas se você tem acesso ao castelo, conseguiria colocar uma escuta ou mesmo um gravador de imagem em alguma parte dele. – arriscou Samuel.
- Não conseguiria. Ninguém entra no castelo sem passar por um detector de metais e scanner.
- Sério isso? – perguntou Isabella.
- Me parece que vocês não estão muito bem informados sobre o que acontece no castelo de Avalon. – falei.
- E me parece que você tem informações demais para a simples filha do amigo do rei. – ela provocou.
- Acha o que? Que eu sou a princesa disfarçada de rica mimada? – falei sarcasticamente.
Ela não respondeu. Samuel me falou no ouvido:
- Não dê tanta importância a tudo que ela fala.
- E o que você acha sobre mim, Samuel? – perguntei.
Você também acha que eu sou uma mentirosa? Sim, eu sou. Mas não faço isso por mal, acredite. Espero que possa me perdoar quando souber que eu fiz pelo bem de todos, principalmente o de vocês.
- Acho que você é a garota mais linda que já encontrei em Avalon.
Ele não falou baixo, então todos ouviram. A conversar meio que parou e a curiosidade dos presentes era clara pela forma como me olhavam, esperando pela resposta. Eu corei e não disse nada. Ele era tão direto que me deixava sem palavras às vezes.
Pensei um pouco e disse:
- Acha que posso lhe ser útil ou não?
- Me surpreenda ainda mais... – ele disse olhando nos meus olhos, com um meio sorriso que quase me tirou o fôlego.
Eu poderia parar toda aquela palhaçada e dar um beijo nele até ficar sem conseguir respirar, depois sentar no colo dele e...
- Estamos esperando, burguesa. – disse Isabella.
Que tipo de rainha eu seria se eu não conseguia nem conter meus desejos sexuais numa reunião importante? Será que conforme os anos fossem passando o fogo que me consumia cada vez com mais frequência, especialmente com os homens lindos que eu havia conhecido fora do castelo, passaria... Ou ficaria ainda mais intenso?
- Haverá uma festa no castelo em breve. – falei.
- O casamento e coroação da princesa. – observou Samuel.
- Afinal, alguém sabe de onde vem este homem que ela vai casar? – perguntou Théo.
- Ninguém sabe... Nem mesmo a princesa. – disse Mia me olhando.
- Casamento sem ela nunca ter visto o noivo? – Isabella riu. – Isso é ridículo. Ela não poderia processar o pai? – ela perguntou para um dos homens.
- Se ela concorda, não. – ele disse.
- Me parece que o rei Stepjan parou no tempo, literalmente. Não ouvi história sobre casamento arranjado entre príncipes e princesas de reinos diferentes como forma de aliança nos últimos tempos. – ela observou. – Até mesmo os Chevalier, de Noriah Sul, estão passando por cima dos protocolos, mesmo tendo à frente uma rainha que considero pior que Stepjan Beaumont.
- Talvez só não fomos informados oficialmente. – eu disse. – Quem nos garante que não foram planejados antes de acontecer? Só porque a mídia não noticiou que era assim? Acho difícil uma princesa ou um príncipe encontrarem alguém com quem queiram dividir a vida em matrimônio e isso acontecer. Até por que...
Quando percebi que todos me olhavam atentamente eu parei. Eu não podia falar demais. Controla sua língua, Satini Beaumont. Só não controla quando estiver beijando Samuel.
- Até por que... – falou Samuel me incentivando a continuar.
- A festa não é a do casamento. Haverá antes outra festa. – menti na certeza de que eu poderia sim fazer meu pai dar uma festa.
- Uma festa... O que isso tem a ver conosco? – perguntou um deles.
- Uma chance de entrar no castelo.
Eles começaram a rir. Mia sentou-se ao meu lado e pegou na minha mão, apertando-a. Eu não olhei para ela. Sabia que se fizesse aquilo me arrependeria eternamente. Sim, eu organizaria uma festa... E deixaria a Coroa Quebrada entrar no castelo. Isso desestabilizaria o rei... E acabaria com a futura carreira de Alexander como capitão da guarda.