Capítulo 34
1863palavras
2022-12-24 14:54
Observei o homem moreno, alto, magro e bem conservado curvado à minha frente. Os cabelos não eram muito curtos e estavam penteados para trás, não muito alinhados. Tinha o rosto triangular, lábios finos e dentes perfeitos. Seus olhos eram claros e ele era muito bonito. E eu nunca o tinha visto no castelo.
- Obrigada. – eu disse.
- Sean...
- Majestade. – ele curvou-se para meu pai, havendo cometido a gafe de primeiramente curvar-se a mim e depois a meu pai.
No mínimo curioso para um homem que provavelmente estava há bastante tempo no castelo e conhecia muito bem as mesuras e reverências corretamente. Por um momento me pareceu de propósito.
- Apresento-lhe a princesa de Avalon, Satini Beaumont, na certeza de ter sua total discrição e honra em manter o segredo sobre sua identidade.
- Com certeza, Majestade. Fiz meus votos no momento em que entrei para a guarda real, há quase vinte anos atrás.
- E de todos os votos, o de silêncio sobre a realeza e o que se passa dentro do castelo é o principal deles.
- Sempre, Majestade.
- Já deve estar a par de seus deveres com relação a ela.
- Sim, Majestade.
- E bem sabe que só poderá fazer uso de uma arma carregada e um celular que só deverá utilizar para ligações em caso de urgência, com linha direta para o castelo.
- Sim, Majestade.
- Provavelmente quando ligar, será atendido por Alexander, que será o novo capitão da guarda em breve.
- Sim, Majestade, tive o prazer de ser-lhe apresentado ontem.
- Alexander faz questão de acompanhar a princesa em suas saídas durantes a noite. E você ficará responsável pelo dia. Alexander lhe mostrará o carro que irá dirigir e lhe dará melhores orientações.
- Ciente, Majestade. E, se me permite, não me importo de acompanhar a futura rainha de Avalon também em seus passeios noturnos.
Como assim? Agora todo mundo queria me levar para sair à noite? Só poderia ser piada, no mínimo.
- Não. – disse Alexander. – Esta tarefa permanece comigo, Sean. Faço questão.
Olhei para os dois confusa. Se soubessem que eu preferia ir sozinha, não estariam brigando para levar-me. Além do mais, só ficariam do lado de fora, então o que fariam era simplesmente dirigir e nada mais. Que porra estava acontecendo aqui? Eu precisava controlar o meu vocabulário. Ou melhor, eu não precisava... Eu só estava pensando, eu não estava falando.
- Sean fica a disposição da princesa durante o dia. Alexander à noite. Nenhum dos dois tem autorização para entrar nos estabelecimentos que ela estiver, a não ser que ela autorize ou exija a presença de vocês. E estão dispensados.
- Posso fazer uma pergunta, Majestade? – pediu Alexander.
- Sim. – meu pai assentiu.
- Caso eu desconfie do lugar onde a princesa estiver ou ache perigoso, tenho autorização para acompanhá-la no interior do local?
- Não, a não ser que ela autorize. – meu pai disse veementemente. – Quero que minha filha viva as experiências que deseja viver, sejam elas perigosas ou não. Ela, como futura rainha, arcará com as consequências de suas atitudes e escolhas.
Eu não pude evitar um sorriso sarcástico para ele. Querido Alexander, mal você sabe que meu pai justamente quer que eu viva experiências perigosas e que inclusive morra numa delas. Você pensa que sabe tudo, mas não sabe nada, meu bem. É até um risco vocês dois estarem comigo, pois eu não duvido nem que ele não mande alguém me matar enquanto eu exploro qualquer beco de Avalon.
- Estão dispensados. – disse meu pai.
- Eu gostaria lhe dar uma última palavra, meu pai. – falei enquanto eles faziam reverência e saíam.
- Pois não.
Esperei que eles saíssem e olhei para Edward. Não, ele não sairia. E era o mais fiel súdito do rei, quase um cão de guarda. Além do mais, não faria diferença ele ouvir ou não o que eu tinha a dizer.
- Meu pai, gostaria de dizer que embora conheça pouco Beatrice, tenho tido muita estima por ela.
Ele se limitou a sorrir e vi que ele gostou do que eu disse.
- É uma mulher gentil e educada. Inicialmente fiquei um pouco enciumada dela com o senhor... Mas já passou.
- Não precisa ter ciúme de Beatrice, querida.
- Não queria que ela ocupasse o meu lugar no seu coração. Mas agora eu sei que pode ter lugar para nós duas.
- Eu... Não sei exatamente do que está falando.
- Estou falando que desde que minha mãe morreu eu nunca vi o senhor se interessar por outra mulher. E que se Beatrice fosse sua escolha, eu ficaria muito feliz.
- Eu não preciso de aprovação, Satini e você bem sabe disso. O dia que eu escolher alguém para dividir minha vida, será escolha unicamente minha.
- Ainda assim, eu gostaria muito que fosse ela.
- Pode se retirar. – ele limitou-se a dizer.
Saí um pouco triste pela forma como ele me tratou, mas ao mesmo tempo feliz com o rumo de toda a conversa anterior. Eu havia saído vitoriosa no fim. E estava livre de Alexander... Pelo menos em parte. E mesmo que tenha ficado curiosa com relação a Sean, achei-o simpático. Acho que eu não teria problemas com ele. E eu não costumava me enganar com as pessoas... Quase nunca.
Estava me dirigindo para o jardim, pelo corredor dos fundos quando fui puxada violentamente por Alexander, me colocando de encontro ao seu corpo. Os olhos dele me encaravam de uma forma que eu não sabia dizer se era raiva, arrependimento ou... Amor.
Senti o cheiro dele e a repulsa tomou conta de mim. O que ele havia feito comigo? Jogou fora todo o sentimento bonito que um dia eu tive por ele.
- Me solta. E isto é uma ordem.
- Pensa que vai fugir de mim?
- Eu vou chamar os guardas. Vou gritar.
- Eu serei o chefe da guarda.
- E eu sua rainha.
- Rainha vagabunda... Pensa que não vi forma como você olhou para o novo guarda-costas? Vai querer que ele coma você também?
Afastei-me dele abruptamente e lhe dei um tapa com toda a minha força. Ele revidou e me bateu no rosto. Embora tenha sido de leve, levei minha mão à face e fiquei completamente desnorteada.
- Nunca mais encoste em mim. – ele disse.
- O que... Você está fazendo? – eu perguntei num fio de voz.
- Mostrando-lhe que eu não sou os moleques com quem você sai.
- Eu odeio você...
Eu dei meia volta e me dirigi novamente para a sala onde meu pai estava.
Bati na porta e Edward atendeu:
- Edward, por favor, preciso falar com meu pai. É urgente. – implorei.
- Ele acaba de entrar em reunião com outra pessoa, Alteza.
- Por favor... É um caso de vida ou morte.
- Aguarde aqui, por favor.
Eu esperei ali, sentindo o sangue ferver de ódio dentro de mim enquanto não conseguia tirar a mão do meu rosto. Em cerca de cinco minutos, Edward voltou e disse:
- Ele vai atendê-la, Alteza. Assim que acabar a reunião.
- Obrigada... Muito obrigada. – falei me sentindo um pouco mais tranquila.
Eu não admitiria mais aquilo. E não era pelo fato do título que eu ostentava. Alexander não tinha o direito de me bater, me molestar, pelo simples fato de eu não corresponder aos sentimentos dele, ou por simplesmente eu ser mulher. Eu sabia que aquilo poderia doer muito em Léia e Mia, mas bastava.
Levou uns dez minutos para acabar a reunião. Saíram dois membros da corte lá de dentro, que eu já conhecia de vista do castelo e havia visto eles na televisão também.
Edward abriu a porta e eu nem sentei.
- Meu pai, Alexander acaba de me esbofetear.
Achei que ele ficaria no mínimo impressionado. Mas não vi nenhum tipo de surpresa no rosto dele.
- Por que ele agiu assim?
- Não é de agora que ele tenta me amedrontar e... Afrontar-me. Mas o que importa é o tapa que levei. Ele não tem este direito...
- Por quê? – ele repetiu.
- Ele me agarrou no corredor, me falou palavras horríveis... E eu dei um tapa nele. E ele bateu na minha cara... Eu sou Satini Beaumont, filha do rei Stepjan Beaumont, futura rainha de Avalon.
Meu pai baixou os olhos e começou a escrever algo sem sequer me olhar. Eu gritei:
- Meu pai, o senhor ouviu o que eu disse?
- Sim.
- E... Não vai fazer nada?
- Você é Satini Beaumont, filha do rei Stepjan Beaumont, princesa e futura rainha de Avalon. Resolva você mesma. Não queria participar das decisões de Avalon, ver como funcionava as reuniões da corte? Se não sabe nem se defender de Alexander, acha mesmo que pode comandar um reino com mais de trezentas mil pessoas? Quantos homens você acha que a afrontarão ou tentarão se aproveitar de você quando souberem que é de fato a princesa? Ou como acha que agirão quando souberem que nosso reino será governado por uma mulher?
Eu respirei fundo e engoli cada possível lágrima que pudesse pensar em cair dos meus olhos. Eu jamais daria o prazer de deixá-lo me ver chorar.
Curvei-me e disse:
- Obrigada, Majestade.
E foda-se. Pensei enquanto saía rapidamente, fazendo um sinal com meu dedo que ele poderia até ter visto.
Por que eu pensei que ele me ajudaria? Claro que não. Nem sei como ele autorizou tudo que eu pedi. Não tinha certeza se foi por Beatrice ou por querer literalmente que eu me ferrasse nas ruas de Avalon.
Eu não tinha ninguém. Eu era absolutamente sozinha, embora rodeada de tantas pessoas junto de mim, morando com centenas delas na verdade. Que merda de vida era essa que o destino me deu? Minha vontade era abandonar tudo e fugir. Por que eu precisava me preocupar com Avalon se Avalon não se preocupava comigo?
Mas não... Eu não podia fazer isso. A vingança é um prato que se come frio... No meu caso, quase congelado. Alexander que esperasse. E hoje mesmo eu começaria a traçar meu plano contra o rei Stepjan. Que os rebeldes assumissem o poder, que Coroa Quebrada mandasse na porra toda. Minha proposta seria clara: vamos sequestrar a princesa.
Sim... Eu precisava ser sequestrada, tirada dali... Isso seria minha única salvação. Meu sequestro seria minha liberdade.
Por que você se foi tão cedo, minha mãe? Por que escolheu um homem tão egoísta e ruim para ser meu pai? Por que Alexander havia se tornado um monstro violento? Por que Mia estava me abandonando por um homem que conheceu “ontem”? Por que Léia não me dizia a verdade de uma vez, achando que eu não era forte para suportar? Por que você simplesmente desapareceu tão rápido e inesperadamente quanto apareceu na minha vida, Estevan? Por que não me leva definitivamente para morar junto com você na Coroa Quebrada, Samuel, sem eu ter que tentar convencê-lo a isso?
No fim, o rei Stepjan tinha razão: ou eu me impunha, ou passariam por cima de mim sem dó nem piedade.