Capítulo 33
2171palavras
2022-12-24 14:53
Desci rapidamente até a sala de jantar íntima. Não demorou muito até meu pai e Beatrice se juntarem a mim. Ela estava linda de vermelho, eu não podia negar. E eu via a forma como meu pai olhava para ela. Era puro desejo... E acho que até... Carinho. Stepjan Beaumont era capaz de ter sentimentos verdadeiros por alguém? Seria ela capaz de amolecer o coração frio do meu pai, o rei mais temido de todos os tempos?
- Como tem passado, Satini?
- Bem, dentro do possível. Tentei encontrá-lo pessoalmente, mas me foi negado falar com o senhor.

- Eu estava bastante ocupado.
Eu poderia alegar que ele estava ocupado somente para mim e não para Beatrice. Mas para que começar aquela discussão se em nada mudaria para mim? Pelo contrário, havia risco de perder o pouco que eu tinha: minha liberdade provisória. A quem eu estava tentando enganar? Ele talvez nunca me tirasse aquilo, afinal, ouvi de sua própria boca que queria que eu morresse nas ruas de Avalon.
Servi-me dos pratos exóticos que eram oferecidos no domingo. Eu acho que se algum dia tivessem que envenenar a comida do castelo, seria exatamente a do almoço de domingo. Porque todos sabiam que meu pai comia dela... E eu também. Alguém seria capaz de envenenar a comida do rei? Ou era apenas mais uma das cismas do meu pai e sua eterna mania de perseguição?
- E seus passeios por Avalon? Ou melhor, suas noites? – ele perguntou fingindo se importar comigo.
- Interessantes. Obrigada por me atender neste pedido, meu pai. É importante para mim.
- Beatrice acha que você poderia ter um pouco mais de liberdade... Talvez sem Alexander.

Olhei para ela, que sorriu discretamente. Obrigada, Beatrice. Vou louvar a você quando perder minha virgindade.
- Que bom que Beatrice também pensa assim. Alexander tem sido um pouco... Superprotetor, eu poderia dizer.
- Ele sempre teve um carinho especial por você. Acho que a vê da mesma forma como vê Mia.
- Sim... Talvez.

Mal sabia ele que Alexander era um canalha repugnante.
- Bem, ele vai ter bastante trabalho a partir de agora. Vai começar os treinamentos para guarda e em breve será o novo capitão. Comandará todo o esquema de segurança do castelo de Avalon.
- Por que ele? – perguntei curiosa.
- Pela sua competência.
Que competência? Você mal o conhece. Ele nunca fez nada que tenha demonstrado sua bravura ou coragem. Ele não passa de um machista inútil. Será que por isso é apto ao cargo?
- Isso quer dizer que ele terá menos tempo para mim? Ou seja, terei que sair menos ou outra pessoa fará o papel dele?
- Podemos combinar de ele acompanhá-la à noite. Durante o dia Alexander estará efetivamente ocupado. Quero que ele assuma o posto oficialmente no dia em que você for coroada.
No mesmo dia eu receberia a coroa na minha cabeça, seria apresentada a toda Avalon como a princesa herdeira do trono, conheceria o homem com quem passaria toda a minha vida, o pai dos meus filhos... E ainda veria Alexander passar por todo evento oficial de troca de capitães?
- E poderia dizer a ele que não tem necessidade de acompanhar-me nos lugares? A função dele se limita a dirigir o carro. – falei olhando para Beatrice.
- Bem...
- Eu acho que seu pai poderia sim fazer isso, Alteza. – disse Beatrice olhando para o rei. – Não é mesmo, Majestade? A princesa merece. Espero que a entrevista dela seja bem quista por Avalon. Em breve a vida de Satini Beaumont será somente de obrigações, seja como futura herdeira do trono ou como uma mulher casada. É o mínimo que ela merece depois de ficar trancada por tanto tempo.
- Tem razão, Beatrice.
Eu estava atônita com o que via. Meu pai aceitando ideias de alguém... E principalmente uma mulher. Ou ele estava completamente apaixonado, ou tinha certeza absoluta que ela lhe daria um filho homem que ele tanto queria.
- Eu... Gostaria de sair hoje à noite. – falei. – Tenho planos.
- Vou marcar com vocês dois na minha sala de visitas, às 15 horas. Uma conversa informal, só para avisá-lo. Até lá já terei decidido quem ficará responsável por você durante o dia. Terei tempo para escolher alguém da minha confiança.
- Obrigada por se preocupar comigo, meu pai. E obrigada por me entender, Beatrice.
- Só quero o melhor para você, minha filha.
- Tenho orgulho de ser sua filha, meu pai.
Estou aprendendo a ser tão cínica quanto você, meu pai. Está me ensinando tantas coisas que nem imagina. Uma pena que não sejam boas, eu acho. Tenho aprendido a ser falsa e dissimulada como você. E tenho desejos de vingança ardendo dentro de mim, com toques de maldade. E ouvi-lo comendo Beatrice na biblioteca fez despertar a princesa depravada que existe dentro de mim.
Meu pai não era uma pessoa normal. Ele jamais me ensinaria sobre amor e bondade. E naquele momento, eu tive medo de me tornar tão fria e desalmada como ele... E não conhecer nunca na minha vida sentimentos bons.
Terminamos o almoço em silêncio e depois que deixei a sala de jantar eu voltei para o meu quarto e fiquei olhando no relógio esperando chegar a hora de dar um basta a Alexander na minha vida. Eu queria muito terminar de ler o diário de Emy Beaumont, que estava quase chegando ao fim. Mas eu estava ansiosa pelo fim da minha ligação com Alexander também. Então preferi ficar ali, olhando cada segundo que se movia nos ponteiros do relógio enorme que havia no meu quarto.
Sim, eu fiquei duas horas olhando no relógio, sem fazer nada, fixa, respirando e sentindo meu coração batendo cada vez mais forte. Quando faltavam quinze minutos para as 15 horas eu desci.
Encontrei Alexander esperando sentado do lado de fora da sala de meu pai. Sentei na poltrona mais longe dele que encontrei.
Ele me fitou:
- Talvez só eu não saiba o que está acontecendo aqui. Devo me preocupar?
- Não sei... Deve? – olhei-o sarcasticamente.
Morra de medo, desgraçado. Deve achar que eu contei ao meu pai. Sofra, como eu sofri com sua atitude horrível.
- Me preocupo pela forma como tem me tratado e me arrependo por como agi com você. Mas não acho que seu pai faria algo... Tão ruim comigo.
- Por que acha isso?
- Porque ontem ele me falou que começarei os treinamentos para liderar a guarda real. E isso não é uma punição.
A porta se abriu e Edward curvou-se:
- Alteza, boa tarde.
- Boa tarde. – falei levantando.
- Seu pai vai vê-la, junto do senhor Alexander.
Entramos os dois quase ao mesmo tempo. Eu sabia que ele devia estar tão tenso quanto eu.
O rei Stepjan estava sentado em sua poltrona (que mais parecia um trono) atrás da gigantesca mesa escura de madeira vinda da Amazônia especialmente para aquele fim.
A mim, mera filha dele, restava o lugar ao lado de Alexander, sentada à sua frente, como uma pessoa normal que ele atenderia com hora marcada.
- Alexander, o que achou do primeiro dia de treinamento?
- Muito bom, Majestade. Agradeço a oportunidade e prometo não desapontá-lo.
- Você nunca me desaponta, garoto. Seu pai foi um dos poucos amigos que eu tive. E a morte dele foi uma das minhas maiores perdas. Foi o único empregado a quem eu me afeiçoei em toda a minha vida. E espero que você seja tão fiel quanto ele sempre foi.
Alexander teve um pai? Eu nunca ouvi falar do pai de Mia e Alexander a não ser que havia morrido. Mas realmente o fato de Mia e Alexander terem tantas regalias era de fato curioso. O que havia por trás disto? Meu pai nunca foi gentil ou gostou de alguém na vida eu acho. Para ter gostado do pai de Alexander, certamente este foi tão cruel quanto ele ou no mínimo compactuava com suas ideias absurdas.
- Bem, na verdade chamei os dois porque tomei uma decisão. Alexander, com sua chegada à guarda real, seu tempo começa a ficar mais curto. Então a partir de agora você não acompanhará mais a princesa Satini Beaumont em suas saídas a Avalon.
Alexander me olhou sem expressar absolutamente nada.
- Confio completamente em você junto da minha filha, fazendo a sua segurança. No entanto confio ainda mais a segurança de toda a realeza bem como o castelo de Avalon a você no momento que o nomeio o próximo capitão da guarda real. E você sabe que este é um dos mais altos cargos de Avalon.
- Me sinto privilegiado, Majestade. E imensamente grato por sua confiança.
- Então durante o dia, vou deixar Sean responsável por ela.
- Sean? – perguntei. – Quem é Sean?
- O segundo capitão da guarda.
- Existe isso? – questionei.
Meu pai sorriu e acho que pela primeira vez ele achou algo engraçado. Mas eu não fiz graça. Realmente não me passava pela cabeça que pudesse haver um segundo capitão. E muito menos que eu nunca tenha ouvido o nome dele em toda a minha vida e agora seria meu fiel companheiro durante alguns meses.
- Ele é... Jovem? – perguntei. – Não que eu me importe com a idade dele... Pelo contrário, eu gostaria que ele não fosse tão jovem.
Meu pai me olhou curioso e Alexander cruzou os braços, sarcasticamente.
- Por qual motivo, minha filha?
- Gostaria de alguém mais experiente. Com mais idade, quero dizer.
Eu não quis dizer isso, muito menos discutir a idade do homem que me acompanharia. O problema é que realmente eu não queria alguém jovem, como Alexander. Uma pessoa mais velha me daria menos preocupação eu acho.
- Majestade, eu faço questão de cuidar da segurança da princesa no turno da noite. – disse Alexander. – Será um prazer servir a futura rainha de Avalon, por quem nutro muita estima por tê-la visto crescer ao meu lado. E embora eu seja jovem, sou muito experiente. – ele sorriu debochadamente para mim.
E este era o fim da minha felicidade momentânea de liberdade provisória.
- Concordo, Alexander. Já que faz questão, não me oponho. Mas gostaria de lembrá-lo que minha filha, Satini Beaumont, futura rainha de Avalon, se casará em breve. E será com um homem de sua classe, preparado desde sempre para ser um príncipe... Aliás, agora futuro rei. E nada nem ninguém vai mudar isso, muito menos desviá-la de seu caminho.
Eu entendi direito ou meu pai percebeu que Alexander estava interessado em mim? Enfim, rei Stepjan, nunca ouvi de sua boca tão sábias palavras. Mas... Espera aí:
- Por que agora futuro rei?
- O irmão mais velho dele está doente. Então ele deixará de ser o segundo na linha de sucessão para assumir o trono quando o atual rei vier a morrer ou optar por vontade própria em lhe conceder a coroa.
- Doente a ponto de morrer?
- Infelizmente... Ou felizmente, sim.
- Então não vou me casar com um príncipe... E sim com um rei?
- Talvez, se o irmão dele morrer até lá.
Eu percebia a crueldade nas palavras do meu pai e nenhum tipo de sentimento quanto a doença do meu querido cunhado, que eu nem conhecia... E talvez nunca fosse conhecer. Mas eu preferia pensar que ele era uma pessoal legal e que todo o reino lamentaria a morte dele, assim como seu irmão e seu pai, por serem uma família real totalmente apegada e amorosa. Por que minha mente era tão ligeira e sorrateira?
- E eu serei rainha de dois reinos? – me questionei em voz alta.
Meu pai riu alto e balançou a cabeça:
- Tão ingênua, querida Satini... Por isso você tem muito a aprender. Acho que primeiramente será rainha em...
Vi que ele quase falou o nome do lugar de onde pertencia meu futuro marido. Mas ele se deu em conta a tempo.
- Bem, o tempo lhe mostrará onde reinará.
Suspirei. Eu estava em parte livre de Alexander e aquilo estava bom para mim. Fiz mais uma tentativa:
- Meu pai, poderia pedir para Alexander não me acompanhar dentro dos estabelecimentos que eu for frequentar? Sinto-me envergonhada e inclusive já fui questionada por ele me seguir o tempo inteiro. O objetivo é não levantar suspeitas, não é mesmo?
- Acho que ele ouviu, não é mesmo, Alexander? Ordens da sua futura rainha.
- Entendido, Alteza... E Majestade. – ele curvou a cabeça, assentindo.
Meu coração quase saltou pela boca. Eu estava imensamente feliz com o rumo daquela conversa. E eu devia muito à Beatrice.
- Edward, por favor, verifique se Sean já está aguardando. Se sim, mande-o entrar, por favor. – disse o rei.
Edward foi até a porta e em pouco tempo entrou meu novo guarda-costas. Ele curvou-se com uma benevolência que eu nunca vi em toda a minha vida e disse:
- É com imenso prazer que me ponho a sua disposição, Alteza.