Capítulo 27
2260palavras
2022-12-24 14:50
Terminei o dia no jardim e quando o sol se pôs eu entrei e fui para o meu quarto. Eu não me sentia bem com o que havia acontecido com Alexander e aquilo estava acabando comigo. Eu não contaria para que Léia e Mia não sofressem, mas também não poderia continuar andando num carro com ele, me levando para todos os lugares sendo que não confiava nele. Então decidi que na manhã seguinte eu falaria com meu pai sobre isso. Não contaria a verdade, mas pediria para tirar Alexander do cargo de guarda costas. Ele não era a pessoa ideal para me proteger. Poderia ser qualquer pessoa, menos ele.
Na manhã seguinte estava calor. Então tive que usar um vestido e um lenço no pescoço para tapar as marcas daquela noite terrível.
Qualquer um percebia que eu não me vestia daquela forma. Jamais fiz uso de lenço ao redor do pescoço, mas não tinha outra alternativa. Exibir as marcas que havia na minha pele estava fora de cogitação.

Em torno de dez horas eu desci até o local onde meu pai costumava despachar ordens e documentos. Recebi inúmeras reverências e esperei sentada na antessala, avisando para o assessor dele, Edward, que queria vê-lo. E enfatizei que era importante. Enquanto eu esperava surgiu Beatrice. Percebi que quando me viu ela ficou confusa um pouco constrangida.
- Alteza... – ela curvou-se e sentou-se ao meu lado.
- Você... Veio ver o rei? – perguntei.
- Sim...
O assessor veio até Beatrice, que explicou que precisava repassar a entrevista com a princesa para ele antes de publicá-la.
- Vossa Majestade, o rei Stepjan, está bastante ocupado hoje, mas prometo fazer o possível para ele atendê-la, senhorita Beatrice.

- Se não puder não tem problema... – ela disse. – Posso tranquilamente vir outro dia.
O assessor entrou na sala de meu pai e demorou bastante tempo até que retornasse. Eu já estava impaciente. Era tão rápida a minha conversa com ele... Mas eu não poderia esperar até domingo. Ele era meu pai. Não tínhamos que marcar horário para nos vermos ou conversarmos.
Edward saiu da sala do rei e olhou para mim:
- Alteza, seu pai não pode atendê-la no momento. Está muito ocupado.

- Mas... É rápido... E importante... – eu tentei.
- Como eu lhe disse, não será possível.
Como assim? Eram alguns minutos do precioso tempo dele. E se eu fosse lhe contar que Alexander tentou me enforcar e depois se masturbou enquanto me olhava, finalizando quando gozou no meu corpo, ferindo minha honra, minha alma e acabando com meu amor próprio? Acho que meu pai pouco se importaria. Ele não tinha interesse em nada que eu tivesse para lhe dizer...
Beatrice levantou-se, certa de que não seria atendida também. Enquanto ela saía, o assessor pessoal do meu pai chamou-a:
- Senhorita Beatrice? O rei Stepjan vai recebê-la neste momento.
Percebi que ele ficou constrangido, assim como ela. Ambos evitaram meus olhos. Eu ri ironicamente. Claro que ele preferiria a amante a mim. Eu não era nada para ele... Só a garota que queria tomar a coroa da sua cabeça.
Sai dali me sentindo ainda pior do que quando cheguei, com esperanças de poder me livrar de Alexander.
No fim, eu teria que ficar a mercê dele. Ou não sairia de dentro do castelo nunca mais. Quando meu pai decidia alguma coisa, aquilo tinha que ser cumprido até o fim e eu sabia disso. Então só sairia com Alexander. E talvez mesmo contando a verdade, de nada resolvesse. Tudo que ele queria era que eu sofresse alguma coisa... Eu sequer sabia se não foi ele que mandou Alexander tentar me matar... E me assustar, para eu talvez tentar ir embora do castelo de uma vez.
Eu precisava tomar cuidado. Talvez pedir um guarda na minha porta. Ou colocar uma tranca pelo lado de dentro da porta, além de chaveá-la. Enquanto eu me dirigia para o térreo cruzei com Alexander. E eu queria muito evitar olhar para ele enquanto não fosse absolutamente necessário.
Passei por ele fingindo que não o vi. Segui meu caminho e quando vi ele estava me segurando pelo braço. Parei e puxei com força das mãos dele:
- Não me toque... Sequer encoste em mim ou eu vou gritar. – falei sentindo toda a raiva ficar ainda maior dentro de mim.
- Satini...
- Alteza. – saiu quase como um grito. – Não me chame pelo meu nome... Nunca mais na sua vida.
- Você jamais será capaz de me perdoar?
Olhei para o lábio dele roxo e inchado, além de ferido. Tudo que ele me fez e eu só consegui deixar uma pequena marca, que provavelmente sequer doeu nele. Como nós mulheres podíamos ser intelectualmente tão superiores do que os homens e fisicamente tão inferiores? Quisera eu poder ter um braço enorme e forte para soquear a cara dele como eu via nos filmes. Queria ver o sangue escorrendo pelo seu nariz, arroxear seus olhos, quebrar seus dentes...
- Eu acho que posso perdoá-lo um dia, Alexander... No dia que meu pai for um homem honrado e de bem e decidir resgatar todos os membros da Coroa Quebrada trazendo-os para dentro do castelo. Ou talvez quando o sol aparecer durante uma tempestade horrível durante a noite.
- Não entende que você também errou?
- Será que podemos comparar nossos erros, Alexander?
- Eu fiz... Por ciúme.
Eu ri:
- Jamais na minha vida eu acreditei em sentimentos verdadeiros de alguém que não prove com boas atitudes e gestos de amor. Minha vida sempre foi difícil, embora eu tenha nascido dentro de um castelo, tendo tudo que o dinheiro pode comprar. A vida me fez dura... E me fez criar desejos dentro de mim... De ser amada... Por alguém que jamais me faria sentir o que eu senti a minha vida inteira. Alguém que daria a vida por mim... E principalmente que nunca... Jamais me faria sofrer... De forma alguma.
- Vou pedir para sair do emprego.
- Deveria ter feito isso antes. Eu fui agora mesmo falar com meu pai a respeito disto...
- Contou a ele o que houve?
- Ele não me recebeu. Mas vai recebê-lo... Tenho quase certeza. Ele só fala com gente como ele. – eu ri ironicamente.
- Não quero mais lhe fazer mal. Por isso preciso me afastar de você.
- O mal já está feito. E nunca mais poderá ser desfeito.
- Me arrependerei eternamente pelo que fiz.
- Não sofra por antecedência... Ainda nem comecei a me vingar de você.
Dizendo isso eu saí. Realmente não queria que meu pai deixasse ele se afastar. Agora eu tinha certeza de que ele gostava de mim e me desejava. Talvez até me amasse. E o amor que ele sentia por mim seria o gatilho para minha vingança.
Eu não aceitava ser maltratada. Eu não aceitava ser diminuída... E muito menos usada pelo simples fato de ser mulher.
Passei a semana na biblioteca, tentando encontrar algo que pudesse me dar uma pista sobre minha tia Emy Beaumont e o que havia acontecido com ela. Sabia que perdia meu tempo de estar pelas ruas de Avalon. Mas estar fazendo minhas aventuras ao lado de alguém como Alexander já não me dava mais o mesmo prazer de antes. Parecia que tinha coisas mais importantes do que ficar revirando Avalon atrás de alguém que quisesse tirar minha virgindade de forma doce e gentil. Talvez esta pessoa nem existisse. Se Alexander, que cresceu comigo, como um irmão, foi capaz de fazer o que fez, o que restava aos demais homens existentes no mundo?
A sexta-feira chegou junto com minha decisão de desistir de encontrar qualquer coisa sobre minha tia na biblioteca. Não havia ali nada do que eu já não soubesse. Evitei um pouco Mia também naquela semana. Aleguei estar com TPM, cansaço e que precisava estudar. Ela também estava ansiosa por sair de dentro do castelo e ficou um pouco impressionada de eu não ter querido sair. Então acho que a desculpa realmente foi aceita por ela.
Mas não mudei de ideia quanto a sair à noite, voltando ao Avalon Club, como havia combinado com Samuel. De alguma forma ele me tocava... E acho que era mais físico do que sentimental. Era o tipo de homem que você sente vontade de sentar no colo quando está perto... E sem motivo.
O olhar dele era puro desejo e tesão e tê-lo na cama deveria ser como um furacão. Eu poderia ter ficado traumatizada com o que Alexander fez comigo, mas não. Minha dor costumava me fazer mais forte e cada lágrima que eu engolia me fazia sentir que eu suportava qualquer coisa, me incentivando a não desistir do que eu queria. Já me peguei pensando que eu não conhecia Samuel Leeter e que poderia ser bem complicado me envolver com ele. Mas então lembrava que eu conhecia Alexander a minha vida inteira e ele foi capaz de me magoar e me ferir de uma forma que nunca pensei ser. Os homens não eram todos iguais. Existiam os exemplos ruins, como meu pai e Alexander. E os bons, como Samuel... E ainda os perfeitos, como Estevan.
Fui tomar banho enquanto Estevan vinha a minha mente. Sim, eu o achava perfeito de alguma forma e não entendia o motivo, sendo que troquei algumas palavras com ele e talvez nunca mais o visse. Por que ele mexia tanto comigo? Por que aquele olhar não saía da minha cabeça? Lembrei de quando o esbofeteei e como o rosto dele ficou vermelho e sorri. Como pude fazer aquilo com ele? E como ele foi capaz de se desculpar tão decentemente? Não era desculpas como as de Alexander. Eu conseguia ver nos olhos de Estevan seu real arrependimento. E por que um homem tão lindo como ele parecia tão inseguro? O que aqueles olhos pequenos e expressivos escondiam de mim? Eu não conseguia acreditar que pudesse ser inexperiência com as mulheres, pois não havia como imaginar que ele não tinha várias pretendentes.
- Hello?
Olhei para Mia, que me observava do lado de fora do Box.
- Mia? Eu... Não vi você.
- Não viu... E nem ouviu. – ela disse.
- O que você disse?
- Em que mundo você está, princesa?
- Se eu dissesse você não acreditaria.
- No de Samuel Leeter?
- Um pouco no dele... E outro pouco no de Estevan.
- Estevan... Você não sabe nada sobre ele.
- Nem sobre Samuel.
- Teve mais contato com Samuel do que eu Estevan.
- Talvez você nem conheça Estevan, Mia. E o fato de talvez eu nunca mais vê-lo na minha vida é como se alguém apertasse o meu coração até quase quebrá-lo, entende?
- Não... Não entendo. – ela deu de ombros enquanto eu desligava o chuveiro.
- Poderia... Deixar-me sozinha para me vestir? – pedi, lembrando que haviam algumas marcas no meu pescoço, embora fracas.
Mia talvez ficasse ainda mais furiosa do que a mãe se soubesse o que o irmão foi capaz de fazer comigo. E se viesse a conhecer a verdade, ela jamais esconderia de Léia.
- Posso... Mas você nunca me pediu isso antes... – ela disse confusa.
- Poderia avisar Alexander que sairemos às 23 horas em ponto?
- Sim.
Dizendo isso ela saiu. Doeu-me ter que pedir para ela sair, mas eu não tinha alternativa.
Fui ao closet e escolhi um vestido preto, justo, que mostrava cada curva do meu corpo. Ele não era duro, desconfortável, não me faria suar, nem rasgaria durante a noite. Ele era caro, bem costurado, confortável e me deixava linda. Não tinha muitos detalhes, mas o tecido falava por si só: beleza, leveza e bom gosto. Foda-se que soubessem que eu era rica. Eu tinha que ser eu mesma... A própria Mia havia me dito aquilo. E eu era Satini... Só não precisava revelar o Beaumont. Completei com um scarpin dourado caríssimo e uma maquiagem leve. Os cabelos não foram penteados, só passei os dedos sobre eles, deixando-os volumosos. Olhei-me no espelho:
- Acaba com tudo, Satini Kane. Não deixei uma coisa tão pequena te abalar. Levanta a cabeça e segue firme.
Duas gotas do meu único e caro perfume e eu estava pronta para Avalon Club e tudo que ele podia me trazer. E era sexta-feira, então não corria risco de eu não chegar a tempo para o almoço com meu “querido papai”.
Olhei para a minha argola minúscula do nariz e achei que ela não combinava comigo. Talvez o lugar ideal dela fosse como um pingente, envolto numa corrente de ouro, guardado perto do meu coração, para me lembrar que o bem ainda existia no mundo amargo no qual estávamos imersos. E que eu sempre tinha que agir com o meu coração.
Retirei-a e quando fui fechar, sendo tão pequena, ela escapou dos meus dedos e rolou, indo parar dentro da lareira. Sorri, achando divertido. Parecia que minha joia queria fugir de mim. Abaixei-me com um pouco de dificuldade e quase entrei dentro da lareira para resgatá-la. Quando fui sair, bati a cabeça e virei para cima, encontrando um objeto acima do tijolo da entrada. Retirei de lá. estava envolto em uma embalagem em tecido brilhante, como um cetim, rosa. Havia uma fita branca fechando num nó. Tentei desatar, mas não consegui. E se tinha uma coisa que eu não tinha era paciência. Peguei uma tesoura e cortei a fita, abrindo cuidadosamente... E lá estava o que eu procurei por tanto tempo... Na verdade durante a minha vida inteira: “Diário de Emy Beaumont”.