Capítulo 23
1964palavras
2022-12-24 14:48
- Posso lhe fazer uma pergunta? – ele disse me olhando fixamente.
- Pode.
- Você... Passou a noite aqui... Neste lugar?

Eu suspirei:
- É uma longa história... Não sei se você acreditaria em tudo que me aconteceu esta noite.
- Pode tentar... – ele sorriu.
- Eu poderia começar com arrependimento... Por ter vindo. – ou não, pensei. Afinal, encontrei-o ali. – Deveria ter escutado meu amigo que me avisou que era melhor não virmos para cá. Mas eu não dei ouvidos e além disso fiz uma coisa que não foi muito legal com ele. Agora tenho certeza de que ele vai ficar furioso comigo. E com toda razão.
- Então quer dizer que você foi uma menina má? – ele sorriu divertidamente, parecendo começar a se soltar um pouco.
- Eu posso dizer que sim... Muito má... Com ele, no caso. Mas fui bem legal com minha melhor amiga, pois fiquei aqui por toda a noite em consideração a ela.

Ele arqueou as sobrancelhas, curioso. Eu continuei:
- Ela conheceu um rapaz... Naquele dia que nos encontramos na casa noturna perto do castelo, lembra-se?
- Sim...
- E... Voltamos lá e eles se encontraram novamente. E então nos convidaram para vir aqui.

- “Nos convidaram”?
- Sim... Ele tinha um amigo... Que toca guitarra aqui... No bar onde eu estava ontem... E hoje. – eu ri confusa.
- Então vocês decidiram se aventurar? Não acharam perigoso?
- Eu até gostaria de conhecer um pouco este lado... Diferente, podemos dizer, de Avalon.
- Um forte reino, porém dividido em dois.
- Sim...
- Não me diga que você queria conhecer a Coroa Quebrada.
Eu ri:
- Sim...
- Gosta de correr riscos, Satini?
- Se disser que não, estaria mentindo. Você... Já foi lá?
- Não. – ele confessou.
- E tem curiosidade em conhecer?
- Bem... No momento não. Mas se eu fosse alguém que vivesse aqui, literalmente, gostaria sim de saber o que se passa em todos os lugares do reino.
- Mas você vive ou não em Avalon?
- É uma longa história também. – ele sorriu.
- Acho que temos tempo... Eu gostaria de ouvir.
- Eu...
- Satini?
Ouvi Samuel gritando do outro lado da rua. Levantei um pouco preocupada. O que ele estava fazendo atrás de mim? Teria acontecido algo com Mia? Ou Alexander teria acordado? Ele andou rapidamente até nós. Estevan levantou também.
Samuel chegou perto e me olhou confuso:
- O que você faz aqui? Quem é ele? – referiu-se a Estevan.
- Estávamos tentando achar algo aberto para podermos comer alguma coisa. – expliquei. – O que você quer, Samuel?
- Não encontrarão nada aqui onde pussam comer algo. – ele disse seriamente. – O que eu quero? – ele perguntou ironicamente. – Estávamos preocupados com você.
Olhei para Estevan e disse, não conseguindo esconder a tristeza que eu tinha dentro de mim ao ter que deixá-lo:
- Eu... Preciso ir. Resolver as questões que lhe falei.
- Sim... Tudo bem.
- Você... Conhece este homem? – perguntou Samuel.
- Se não o conhecesse não estaria aqui com ele, Samuel.
- Você é daqui? – perguntou Samuel.
Estevan estendeu a mão para ele:
- Sou Estevan. – Samuel apertou a mão dele com o olhar arredio. – E não, eu não moro aqui.
- De onde exatamente você é? – questionou Samuel.
Estevan riu:
- Por que a pergunta?
- Porque eu nunca o vi em nenhum lugar de Avalon antes.
- Quer dizer que você conhece todo mundo neste reino enorme?
- Você entendeu o que eu quis dizer...
- Sinceramente, eu não entendi. – ele foi bem sério.
- Ele mora perto do castelo. – eu expliquei.
Samuel riu ironicamente:
- Claro... Não poderia ser diferente: os iguais sempre se atraem.
Ficamos em silêncio tentando assimilar a frase de Samuel sem haver uma discussão.
- E você vem da Coroa Quebrada. – afirmou Estevan.
- Como você sabe? – ele perguntou olhando para Estevan e depois para mim, com ar de condenação.
- Está escrito na sua testa... – Estevan explicou calmamente. – Dizem que há discriminação do lado de quem vive próximo ao castelo... Não é bem isso que vejo... Pelo contrário. Parece-me que a discriminação vem do outro lado.
Estevan não era tão tímido quanto eu pensei, muito menos bobo. Foi bom nas respostas para Samuel, que tentava encurralá-lo de toda forma e torná-lo menos por não ser da Coroa Quebrada.
- Não... Ninguém vem com um símbolo na testa dizendo de onde vem... – ele riu ironicamente. – Mas certamente Satini já lhe contou, não é mesmo?
- Eu? Por que acha que perderíamos nosso tempo conversando sobre você, Samuel? Acha mesmo que não tínhamos nada mais interessante para falar?
- Estou aqui tentando imaginar vocês dois conversando sobre algo importante... – ele debochou.
Eu fiquei furiosa. Mas não podia iniciar uma briga ali, que poderia acabar ficando pessoal entre os dois.
- Eu preciso ir, Estevan. – fitei-o nos seus olhos castanhos claros que me arrebatavam. – Eu... Acho que nos veremos por aí novamente.
Eu não tinha como marcar um reencontro com Samuel junto de mim e toda aquela situação confusa na qual estávamos.
- Eu tenho certeza que nos reencontraremos. – ele disse. - Mas creio que não para os lados de cá.
Eu também achava que não seria fora da nossa zona de conforto. Ele só tinha vindo ali por minha causa e se eu continuasse com minha ideia fixa de conhecer a Coroa Quebrada, não seriam pessoas como ele que eu encontraria no meu caminho.
Inesperadamente ele me deu um beijo no rosto e depois tocou no brinco/piercing, fazendo um carinho leve no meu rosto com suas mãos quentes. Imediatamente eu me arrepiei ao toque dele, como se aquele toque acordasse cada parte adormecida do meu corpo por dezessete anos.
- Cuide-se. – ele falou virando, colocando novamente as mãos no bolso e saindo.
Eu fiquei ali, imóvel e involuntariamente levei a mão ao meu rosto, onde ele havia tocado com seus lábios.
- Ele é um idiota. – falou Samuel.
- Você não sabe de nada, Samuel. – eu disse andando pela calçada, me encaminhando de volta para o Night Rock.
Quando vi ele estava ao meu lado, quase correndo comigo.
- Garota, você é muito louca. – ele falou.
- Pelo visto isso é o que mais ouço nos últimos dias. – lembrei amargamente. Uma rainha louca, insana, intensa, que não pensava no que fazia... Avalon merecia alguém como eu?
- Como sai com uma pessoa que você nunca viu num lugar que não conhece? Não há nada que lhe faça ter medo?
- Eu conheço ele. – confessei.
- De onde? São amigos riquinhos que se encontraram para conhecer a diversão na Travessia? Cansados da boa vida e das pessoas do mesmo nível social? Ou procurando novas aventuras sexuais fora dos padrões?
- Tem disso aqui? – perguntei curiosa.
- Curiosidade ou interesse? – ele debochou.
- Os dois. – falei ironicamente.
- Além de louca, aberta a novas experiências... – ele me olhou sorrindo. – Gosto disso. É quase digna de pisar na Coroa Quebrada.
- Hum, isso muito me interessa. – brinquei.
Melhor ser amiga que inimiga dele, ou jamais me levaria para dentro da Coroa Quebrada. Ele não era só minha chave para conhecer aquele lugar. Ele praticamente comandava a porra toda.
Sim, eu pensava em palavrões, várias vezes. Olhava filmes de baixo nível, eróticos e com palavras obscenas. E eu sempre quis falar aquilo e nunca pude. Comecei com Alexander e o “foder”, que deixou-o perplexo. Talvez Samuel não ficasse tanto. Não tenho certeza se Estevan conhecia palavras imorais. Eu ri. Até dias atrás eu não tinha nada e não conhecia ninguém. Agora eu tinha conhecido dois homens lindos e completamente diferentes. Sorte? Talvez azar os dois terem cruzado meu caminho praticamente na mesma semana.
Em pouco tempo voltamos ao bar de rock. Procurei por Isabella e ela não estava mais ali, felizmente. Olhei para Samuel, incerta do que fazer.
- Sente-se. – ele ordenou. – Vou trazer algo para você comer.
Eu poderia discutir com ele, mas eu não tinha como. Estava morrendo de fome, cansada e não tinha nada a fazer a não ser esperar Alexander acordar. Acho que o lugar já havia fechado, pois já havia pessoas limpando tudo.
Não levou dez minutos e ele me trouxe um sanduíche, que certamente não era vendido ali. No copo havia um suco. Eu comi tudo sem dizer nada. Estava fabuloso. Quando terminei, encontrei os olhos de Samuel sobre mim, divertidamente:
- Estava realmente com fome.
- Sim... Eu disse que estava.
- Quer mais alguma coisa?
- Sua namorada foi embora? – perguntei tentando ainda encontrá-la.
- Não é minha namorada. E sim, ela já foi.
- Ela disse ex, futura. Então ela tem interesse em voltar.
- Se é ex é porque já não deu certo. Então certamente não há “futuro”.
- Por que terminaram? – perguntei curiosa. – Ela não resistiu ao assédio das fãs enlouquecidas ou você a traiu tanto que ela mesma acabou com você?
Ele arqueou as sobrancelhas:
- Bom saber que seu pensamento sobre mim é tão... Bom.
- Eu só fui sincera. – dei de ombros.
- Bem, sabe o que você sente por Alexander?
Olhei-o curiosa.
- Acho que é o que eu sinto por ela.
- Como sabe o que eu sinto por Alexander?
- Você disse que o vê como um irmão. Mas é nítido que ele não a vê desta forma... Acho que todo mundo percebe o interesse nele em você.
Eu fiquei calada. Ele continuou:
- Eu e Isabella fomos criados juntos, nossas mães são amigas... E acabamos nos envolvendo... Por um longo tempo, eu poderia dizer.
- Quanto tempo?
- Cinco anos.
- Muito tempo... – observei. – Agora entendo a possessividade dela sobre você.
- Pressão familiar, sentimentos por parte dela, indecisão da minha parte. Até que eu vi que não poderia mais iludi-la, pois eu jamais poderia gostar dela da forma como ela gosta de mim.
- Isso eu entendo.
- Alexander já se declarou para você?
- Não... E eu não tenho certeza se ele realmente sente algo.
- Sente... E vocês já... Se envolveram de alguma forma? – ele perguntou.
- Nada mais que alguns beijos. Na verdade ele foi o meu primeiro beijo.
Ele riu:
- Isabella foi meu primeiro beijo, meu primeiro sexo... Ela foi importante para mim. Mas não havia amor no meu coração.
- E você procura amor, afinal? Homens como você não querem se envolver sentimentalmente.
- E o que homens como eu querem, Satini? – ele perguntou curioso.
- Sexo... Sexo... E... Sexo.
Ele riu alto:
- Sinceridade acima de tudo... Esta é Satini Kane.
Nem tanto... Minto o principal, Samuel, sobre quem eu realmente sou. Não existe uma Kane... Eu sou a princesa de Avalon e você quer me matar.
Acabamos conversando sobre outros assuntos e percebi que ele além de inteligente era divertido. Uma companhia agradável... E com olhos absolutamente lindos.
Eu poderia ficar muito tempo ali com ele, ouvindo-o falar sobre qualquer coisa. Mas eu ainda tinha que tentar chegar em casa antes do meio-dia.
- Samuel, acho que eu preciso acordar Alexander. Será que você pode me ajudar?
- Posso tentar. Mas nunca usei de boa noite cinderela para levar ninguém para a cama... Então não tenho muito conhecimento sobre o assunto. – ele ironizou. – Eu digo sobre a droga e não sobre levar garotas para a cama.
- Eu não levei ele para a cama. – falei envergonhada.
- Acho que se tivesse levado ele a perdoaria.
Senti medo do que me aconteceria quando Alexander acordasse.